A ordem secreta
que proibiu o testemunho de Marcelo e Costa no caso de Tancos
07:00 por Eduardo
Dâmaso, Nuno Tiago Pinto, António José Vilela e Carlos Rodrigues Lima
O juiz Carlos
Alexandre quer ouvir o primeiro-ministro presencialmente. Os procuradores do
processo quiseram-no ouvir durante a fase de inquérito, mas o director do DCIAP
proibiu-os. Recorde esta investigação da SÁBADO.
A defesa do
antigo ministro da Defesa Azeredo Lopes indicou o primeiro-ministro como
testemunha no processo Tancos. O juiz de instrução Carlos Alexandre aceitou,
mas não quer que as explicações do governante sejam feitas por escrito, mas sim
de forma presencial, ou seja, Costa terá de se deslocar ao tribunal e responder
a tudo o que lhe for perguntado pelo juiz, pelos procuradores do Ministério
Público e pelos advogados que defendem os acusados que têm algum tipo de
relação com os factos imputados ao ex-ministro da Defesa. O pedido de audição
já seguiu do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) para o Conselho de
Estado (CS), o órgão que tem de autorizar o testemunho do primeiro-ministro, o
qual, recorde-se, foi inviabilizado pelo diretor do DCIAP, Albano Pinto.
"Clichés
populistas" e "falsidades"; como Azeredo Lopes reagiu à acusação
de TancosE tal como sucede com os testemunhos de António Costa, também outras
inquirições solicitadas pela defesa de Azeredo Lopes terão de ser feitas
presencialmente no TCIC. Essa é a intenção do magistrado judicial que também já
fez seguir os correspondentes pedidos de audição, por exemplo, para o Estado
Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) porque Azeredo Lopes indicou como
testemunhas o atual CEMGFA, Almirante Silva Ribeiro, o ex-CEMGFA António Pina
Monteiro e o tenente-general António Martins Pereira, além do embaixador de
Portugal na NATO, Almeida Sampaio.
Recorde esta
investigação da SÁBADO que revelou a decisão do diretor do DCIAP que impediu o
Presidente da República e o primeiro-minsitro de serem ouvidos pelos
procuradores como testemunhas no processo de Tancos:
A dignidade das
funções exercidas foi o argumento que bastou para travar a inquirição do
Presidente da República e do primeiro-ministro. Uma intervenção do diretor do
Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), Albano Pinto, com a
cobertura da procuradora-geral da República, Lucília Gago, impediu os
procuradores titulares do caso Tancos de ouvir Marcelo Rebelo de Sousa e
António Costa como testemunhas. A necessidade de ouvir o Presidente da
República e o primeiro-ministro foi invocada pelos magistrados - que até já
tinham as perguntas preparadas - para esclarecer totalmente os contornos de um
caso que expôs internacionalmente as vulnerabilidades do Estado português,
provocou uma guerra entre polícias e levou à demissão do ministro da Defesa,
Azeredo Lopes. Uma intenção que foi vetada por Albano Pinto invocando, entre
outras razões, a "dignidade dos cargos" e que, ao contrário do que
divulgou a Procuradoria-Geral da República, não teve a "anuência" dos
procuradores do processo. Muito pelo contrário, como revela o próprio despacho
de Albano Pinto, a que a SÁBADO teve acesso, e que até os proibiu de mencionar
o nome do Presidente da República em perguntas formuladas a militares e à
anterior procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal.
Perante as provas
recolhidas no processo de que, quer o ex-chefe da Casa Militar do Presidente da
República, tenente-general João Cordeiro, quer o ministro da Defesa tinham tido
conhecimento prévio da farsa que foi a recuperação do material militar roubado
de Tancos, os procuradores queriam perguntar ao primeiro-ministro e ao
Presidente da República se, em algum momento, tinham sido informados pelos seus
subordinados do que tinha acontecido. Vítor Magalhães, Cláudia Porto e João
Valente chegaram a elaborar um projeto de questões que achavam importantes
serem colocadas aos mais altos responsáveis políticos do Estado. Isso mesmo é
assumido pelo diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal,
Albano Pinto, na intervenção hierárquica - uma ordem expressa dada aos
procuradores subordinados - que impediu a audição de Marcelo Rebelo de Sousa e
de António Costa.
De acordo com
esse documento de 30 páginas, Albano Pinto soube da intenção dos magistrados já
na reta final da investigação do caso Tancos, três dias antes de Azeredo Lopes
depor como testemunha na sede da Polícia Judiciária: "No passado dia 18,
tomei conhecimento que, no inquérito n.º661/17.1TELSB, comummente conhecido por
processo Tancos, os respetivos magistrados titulares se preparavam para ouvir,
como testemunhas, suas excelências os Srs. Presidente da República e o
Primeiro-ministro (do Governo de Portugal), estando já a elaborar as perguntas
que consideravam pertinentes para o efeito".
A informação não
lhe chegou através dos magistrados. Ao que a SÁBADO apurou, ela terá sido
transmitida através do diretor nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves,
cujos investigadores titulares do processo não concordavam com a inquirição.
Surpreendido, Albano Pinto confrontou os procuradores. "Da parte da tarde,
confirmei a informação, inclusive, através da leitura de um projeto de despacho
que já se encontrava elaborado para esse fim, tendo, pouco tempo depois, na conversa
informal desenvolvida com ambos, manifestado a minha discordância sobre as
opções do mesmo despacho, ponderando a elevada dignidade dos cargos exercidos
pelas pessoas a ouvir e a utilidade que (não) teria para a investigação em
curso", escreveu Albano Pinto no documento. "É esta uma das funções
da hierarquia: assumir, por escrito, as divergências, quando os Magistrados
hierarquicamente subordinados defendam e persistam em outros
entendimentos", continuou.
Terça-feira
passada, depois de ser questionada pela SÁBADO sobre a existência desta
intervenção hierárquica, a Procuradoria-Geral da República emitiu um comunicado
através do qual confirmou a intervenção de Albano Pinto e garante que ela
"mereceu a anuência dos magistrados titulares" - o que não
corresponde à verdade.
Na realidade, de
acordo com o documento, depois de terem sido confrontados com a oposição do
diretor do DCIAP, Cláudia Porto, João Valente e Vítor Magalhães - há vários
anos coordenador do combate ao crime violento no principal departamento de
investigação do País - defenderam a "justeza" da sua intenção. O que
fez Albano Pinto decidir "refletir, pelo menos até ao fim da noite do
referido dia, sobre o seu tipo e alcance".
Por escrito e em
segredo
Nessa
tarde/noite, os contactos telefónicos entre os titulares do caso e a sua chefia
direta sucederam-se. "Entendi que ambos deveriam fazer acompanhar o
indicado projeto, que, assim, se manteria como tal, das razões que os haviam
levado a decidir no sentido da (indispensável) audição" de Marcelo Rebelo
de Sousa e António Costa. Contudo, perante a posição do diretor do DCIAP em
proibir o testemunho dos dois políticos, o trio de procuradores exigiu que a
mesma, a confirmar-se, ficasse registada "por escrito". Todos
concordaram então que essa intervenção hierárquica ficaria "fora do
processo" tal como a exposição em que defendiam a audição dos dois
responsáveis.
O objetivo dos
magistrados era evitar que a não audição de determinadas testemunhas acabasse
por se virar contra si, caso fossem mais tarde alvo de uma inspeção interna ao
trabalho realizado: poderiam ser acusados de não ter feito todas as diligências
necessárias para a descoberta da verdade. Para além disso, foi entendido que
aquela era uma questão interna do DCIAP e assim devia ser mantida. Ou seja, na
prática o documento ficou numa espécie de limbo e com o selo de secreto.
A SÁBADO
confirmou isso mesmo através da consulta ao inquérito-crime. Entre a data da
assinatura do despacho por Albano Pinto, a 19 de junho de 2019, e o momento em
que os procuradores mandaram em definitivo avançar um conjunto de inquirições a
altas patentes militares (sobretudo generais) e à ex-procuradora-geral da
República, Joana Marques Vidal, a 25 de julho de 2019, nada é referido
inclusive sobre o facto de Albano Pinto também ter mandado suprimir mais de 48
questões a essas mesmas testemunhas. Questões que os procuradores do processo
também se preparavam para fazer a, entre outros, João Cordeiro, o ex-chefe da
Casa Militar do Presidente da República, ou a Rovisco Duarte, ex-chefe do
Estado-Maior do Exército. A proibição decretada por Albano Rodrigues foi
justificada porque alegadamente as questões não revelariam
"utilidade" e que a iniciativa não cabia à "competência deste
departamento", sobretudo "todas as perguntas que envolvam o mais Alto
Representante da Nação". Resultado: dezenas de questões previamente
pensadas e escritas não puderam ser feitas ou tiveram de ser reformuladas -
saliente-se que Albano Pinto chegou a juntar no despacho um "etc" às
três questões que proibiu os procuradores de fazerem ao vice-chefe de
Estado-Maior do Exército, tenente-general Fernando Serafino.
A proteção dos
cargos
Nomeado diretor
do DCIAP em janeiro deste ano, Albano Pinto foi uma escolha da atual
procuradora-geral da República, Lucília Gago, que em outubro de 2018 foi
nomeada pelo Presidente da República, após proposta do Governo, para ocupar o
lugar de Joana Marques Vidal.
Após o já
referido dia de reflexão e de várias páginas a citar abundante doutrina e
jurisprudência, incluindo os códigos de Processo Civil de 1931 e de 1939,
Albano Pinto justifica a sua posição sobre a "dignidade dos cargos"
de Presidente da República e primeiro-ministro com as teses de José Alberto dos
Reis, um prestigiado jurista que nasceu em 1875 e cuja influência no Direito e
na Política atravessa toda a primeira metade do século XX. Foi fundador da loja
maçónica Manuel Fernandes Tomás, na Figueira da Foz, mas a grande amizade com
Salazar, que foi seu aluno na Faculdade de Direito de Coimbra, empurrou-o para
o Centro Católico Português e para cargos de grande importância no Estado Novo,
como o de presidente da Assembleia Nacional ao longo de três legislaturas, e
membro vitalício do Conselho de Estado. Recorreu ainda ao Código do Processo
Penal (Anotado) de José Mourisca de 1931.
Albano Pinto
elencou, em seguida, uma série de argumentos para a não audição como
testemunhas de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Costa. Em ambos os casos, o
diretor do DCIAP considerou que as declarações de ambos não teriam "nada a
ver com as finalidades do inquérito, nem tão pouco, e ainda que tivessem, se
poderiam considerar como absolutamente necessárias, como de todo
imprescindíveis à indiciação de qualquer dos elementos que a investigação do
inquérito deve ter por objeto".
Ainda que os
magistrados do processo tenham argumentado que um dos objetivos da investigação
penal é esgotar todas as possibilidades para a descoberta da verdade, devendo
uma investigação criminal "seguir todos os caminhos que são trazidos pela
prova e de ser norteada pelo objetivo final de esclarecimento de todas as
dúvidas", o diretor do DCIAP contrariou-os. Na sua opinião, seria
"incompreensível ou muito dificilmente explicável que, faltando pouco mais
de dois meses para o encerramento do inquérito (...) e estando já constituídos
25 arguidos (...), os depoimentos fossem absolutamente idóneos à decisão sobre
a acusação e, mais do que isso, de tal forma imprescindíveis que a indiciação
desses arguidos não seria possível". Até porque, referiu Albano Pinto,
"há a muito provável possibilidade de o Conselho de Estado não poder
sequer reunir a tempo".
De acordo com a
lei, os membros do Conselho de Estado, como o são Marcelo Rebelo de Sousa e
António Costa, só podem ser "peritos, testemunhas ou declarantes" com
a autorização desse mesmo conselho. Para além disso, acrescenta, o
"Presidente da República goza da prerrogativa de ser inquirido na sua
residência ou na sede dos respetivos serviços e de depor por escrito".
Esta última prerrogativa pode também ser estendida ao primeiro-ministro.
No entanto, mesmo
que o próprio Marcelo Rebelo de Sousa tenha ponderado pedir autorização ao
Conselho de Estado para, por sua iniciativa, prestar declarações no processo,
tal como noticiou o semanário Expresso, para Albano Pinto um pedido de
autorização enviado pelo MP para o órgão de aconselhamento do Presidente seria
uma "diligência supérflua e meramente perturbadora da atuação de um órgão
que, pelas funções que exerce e pela dignidade que merece, deve estar muito
acima de situações com esse circunstancialismo". Mais: "A intervenção
de um membro do Conselho do Estado, particularmente, dos Altos Dignitários
acima indicados, deve ser sempre encarada, pelo menos na fase processual em
curso, como a última via para a realização das finalidades do inquérito, pela
sua ‘alta situação’." Ou seja, de acordo com a interpretação de Albano
Pinto, a "dignidade e o prestígio do cargo" devem prevalecer na fase
de inquérito.
Nem mesmo as
escutas telefónicas, envolvendo um dos principais arguidos do processo, o major
Vasco Brazão, nas quais foram usadas expressões como "temos provas
concretas de que a Casa Militar foi informada (…) há emails" convenceram
Albano Pinto. "Estas conversas nada mais dizem que o que delas
consta", concluiu, acrescentando não ser possível extrapolar que os
"emails digam respeito ao objeto do processo, à encenação da descoberta do
furto de armas e ao acordo com os autores do furto"; que, mesmo que tais
comunicações se refiram ao tema, "tenham sido efetivamente enviados para a
referida Casa"; e muito menos "que o Presidente da República teve
conhecimento da encenação".
António Costa
intocável Para o diretor do DCIAP, a investigação não pode ir tão longe quanto
os procuradores titulares do cargo queriam. Se Albano Pinto concorda com os
procuradores quando escreveram "que a investigação em processo penal deve
seguir todos os caminhos que são trazidos pela prova produzida e deve ser
norteada pelo objetivo final de esclarecimento de todas as dúvidas",
contrapõe que estas devem apenas dizer respeito ao "objeto da
investigação, devem ser razoáveis e, por isso, assentarem em pressupostos
fundados". Tudo o mais será "futurologia", como escreveu duas
vezes.
Em resumo, Albano
Pinto não vislumbrou "nenhuma razão para que, pelo menos, por ora, Sua
Excelência o Presidente da República seja ouvido e perturbado no exercício das
suas Altas funções". Mais: se essa audição acontecesse, nunca poderia
ocorrer no DCIAP mas sim no âmbito de um inquérito próprio, sob direção do
"Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça". Hipótese que, na
verdade, só ocorreria se Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa fossem
considerados suspeitos - algo que os magistrados do caso de Tancos não referem.
Se em relação ao
Presidente da República Albano Pinto defendeu que as afirmações de Vasco Brazão
não justificam a audição de Marcelo Rebelo de Sousa, "muito menos se
poderá dizer quanto a sua excelência o primeiro-ministro." O raciocínio
foi simples: Azeredo Lopes, entretanto acusado de quatro crimes, negou que
António Costa tivesse sido informado da "investigação paralela efetuada e
da encenação criada".
Ouvido nas
instalações da Unidade Nacional de Contraterrorismo, a 21 de junho deste ano, o
ex-ministro da Defesa negou alguma vez ter transmitido ao primeiro-ministro a
"revolta e o inconformismo do diretor da PJM", disse ter sabido da
recuperação das armas, por telefone, através do seu chefe de gabinete, Martins
Pereira, na manhã de 18 de outubro; garantiu não se lembrar se Martins Pereira
lhe tinha enviado, por telemóvel, o "memorando" entregue pelo coronel
Luís Vieira e pelo major Vasco Brazão; que não comunicou a situação à PGR
porque não lhe deu relevância; e também que não informou o primeiro-ministro na
reunião do conselho de ministros que se seguiu, a 21 de outubro de 2017.
Outro dos
argumentos utilizados para vetar a audição de António Costa foi que o
primeiro-ministro já tinha respondido às questões dos deputados na Comissão
Parlamentar de Inquérito ao caso de Tancos e, nessa altura, negado qualquer
conhecimento sobre a farsa que foi a recuperação das armas roubadas.
Estas cautelas do
diretor do DCIAP com o Presidente da República e o primeiro-ministro não foram
caso único. Do outro lado da rua, no edifício da Polícia Judiciária, as mesmas
cautelas verificaram-se com o ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes. Exemplo: no
mesmo dia em que o ex-ministro foi ouvido como testemunha, a 21 de junho deste
ano, a PJ elaborou um extenso "expediente" de 76 páginas, com a
análise da prova recolhida em relação a alguns suspeitos do assalto e a outros
do encobrimento. No final, a Judiciária propôs a constituição como arguidos e
interrogatórios perante um juiz de instrução de Nuno Reboleira, técnico da
Polícia Judiciária Militar, e dos coronéis da GNR Taciano Correia e Amândio
Marques. A lista não contemplava Azeredo Lopes, nome que os procuradores do MP
acabariam por incluir num despacho para o juiz de instrução, juntamente com os
propostos pela PJ. Aliás, nos corredores do DCIAP comenta-se que a própria
diretora da Unidade Nacional Contraterrorismo, Manuel Santos, terá comentado
com os procuradores que, na sua opinião, Azeredo Lopes terá sido apenas
negligente, não havendo motivo para se suspeitar de crimes.
A apreensão
insólita
Treze dias
depois, Azeredo Lopes voltou a ser chamado ao caso - desta vez para ser
interrogado e constituído arguido por suspeitas dos crimes de denegação de
justiça, prevaricação e abuso de poderes. Acompanhado pelo advogado Germano
Marques da Silva, o ex-ministro da Defesa foi interrogado pelo juiz de
instrução criminal João Bártolo e confrontado com todas as suspeitas que sobre
si recaiam - no fundo, de ter tido conhecimento da farsa que foi a recuperação
das armas de Tancos e de não ter comunicado o que sabia à Procuradoria-Geral da
República.
O interrogatório
ficou marcado por um final atribulado quando a procuradora Cláudia Porto pediu
a Azeredo Lopes que entregasse voluntariamente o telemóvel para ser analisado
no caso.
Azeredo Lopes
(AL): Mas isso é o quê? Eu não tenho o telemóvel. Que telemóvel?
Cláudia Porto: O
senhor professor há pouco tinha um telefone que consultou. É o aparelho para
copiar.
AL: Mas este é o
meu telemóvel pessoal. Que nunca era utilizado… nunca era utilizado.
O MP considerou
que as comunicações constantes do aparelho podiam ser - como se vieram a
revelar - importantes para a investigação. E a magistrada sugeriu que se o
ex-ministro não o entregasse, o mesmo podia ser apreendido. Azeredo Lopes não
ficou satisfeito, estava apenas disponível para entregar o telemóvel do
ministério, se ainda o tivesse e cujo conteúdo, disse, tinha apagado quando
deixou o governo.
AL: Há uma coisa
que me incomoda muito. É a minha vida privada. E a minha vida íntima vai ficar
exposta, quando digo que disponibilizo o telemóvel do ministério se o tiver
como é evidente. Compreende o que quero dizer? É só isso.
A oposição foi
inútil. Ao fim de 8m33s de diálogo, o telemóvel Huawei acabou por ser colocado
em cima da mesa, apreendido e selado para ser analisado. Aí a PJ acabaria por
encontrar mensagens trocadas com o deputado do PS, Tiago Barbosa Ribeiro, em que
admitia, de acordo com a versão do MP, que estava previamente informado da
operação de recuperação das armas.
A extensão do
lápis azul
A intervenção
hierárquica de Albano Pinto não se ficou pela proibição da audição de António
Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. O diretor do DCIAP, que antes de assumir tais
funções foi auditor jurídico no Ministério da Defesa (em acumulação com a
Administração Interna), decidiu ainda avaliar a "utilidade" das
questões que os procuradores queriam colocar à antiga PGR, Joana Marques Vidal,
e, sobretudo a responsáveis militares: o ex-chefe da Casa Militar do Presidente
da República, tenente-general João Cordeiro; o ex-chefe de Estado-Maior General
das Forças Armadas, general Pina Monteiro; o ex-chefe do Estado-Maior do Exército
(CEME), general Rovisco Duarte; o ex-chefe de gabinete do CEME, tenente-general
Fonseca e Sousa; o ex-vice-CEME, tenente-general Fernando Serafino.
Ao todo, foram
mais de 48 as questões que o diretor do DCIAP considerou não terem qualquer
utilidade por envolverem o mais "alto representante da nação" ou
"irrelevantes" por as testemunhas não "terem que comentar ou
exprimir juízos de valor sobre os comportamentos de outras pessoas". Todos
estes responsáveis acabaram por ser questionados, por escrito um mês depois, a
26 de julho deste ano - mas sem qualquer referência direta ao conhecimento que
quer o Presidente da República ou o primeiro-ministro podiam ter sobre o caso
de Tancos.
Todavia, na
acusação deduzida na semana passada, os procuradores acabaram por deixar
algumas referências quer ao Governo quer à presidência da República. Sobre o
Executivo, escreveram que "a recuperação do material subtraído assumia um
papel muito importante na imagem interna do Governo, numa altura em que se
debatia com as nefastas consequências dos incêndios". Já a presidência da
República é atingida por arrasto. Os magistrados consideraram que "a prova
existente" permite "suspeitar que João Cordeiro pudesse estar a
acompanhar, de alguma forma, as diligências" da Polícia judiciária Militar
à "margem do MP e da PJ e que tivesse conhecimento do acordo que foi
efetuado com o autor da subtração". Por esse motivo, foi extraída uma
certidão tendo em vista a instauração de um novo inquérito para investigar a
atuação do ex-chefe da Casa Militar de Marcelo Rebelo de Sousa.
O caso acabou por
ser utilizado pelo líder do PSD, Rui Rio, para atacar António Costa, dizendo
que o partido tem o dever de perguntar se o primeiro-ministro "sabia ou
não sabia" da farsa da recuperação das armas de Tancos. "Se sabia,
foi conivente com um crime; se não sabia, ficamos a saber que os ministros não
informam o primeiro-ministro". António Costa respondeu que a insinuação de
Rio é "absolutamente lamentável" de "uma pessoa que julgava que
seria firme nos seus princípios e que num dia diz que passa de maior inimigo
público do MP para, de repente, ser o maior desconfiado quanto àquilo que é a
competência própria dos tribunais para julgar". Mais tarde, em entrevista
à RTP, explicou: "Até hoje nunca a Justiça me fez qualquer pergunta, se
houvesse alguma dúvida seguramente me teriam feito qualquer
pergunta."
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