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Os partidos a serem vítimas deles próprios
Paulo Ferreira
30 Dezembro 2017
Que líderes partidários têm coragem para anunciar ao país
“decidimos que a subvenção do Estado aos partidos vai aumentar x milhões de
euros”? Sem essa frontalidade, tentam fazer as alterações à socapa
É confrangedor assistir à sucessão de tiros no pé dos
partidos. Primeiro usaram de cobardia política no processo de elaboração da
nova lei de financiamento no Parlamento, criando um esquema de funcionamento do
grupo de trabalho para impedir que se soubesse quem defendeu o quê e porquê.
Depois recorreram à má fé na forma como anunciaram a nova lei, omitindo
deliberadamente os pontos que sabiam polémicos, como a dedução do IVA ou o fim
do limite na angariação de fundos, e referindo apenas questões pacíficas dos
poderes da Entidade de Contas e do Tribunal Constitucional. Agora, mostrando
que ainda não perceberam nada do que está em causa, entraram numa vertigem de
hipocrisia, mentira e desresponsabilização para tentar justificar o injustificável.
Uns dizem que, afinal, não concordam com a lei que acabaram
de negociar e aprovar. Porque a aprovaram então? Outros, apontam o dedo à
Autoridade Tributária e à sua alegada “discricionariedade” como justificação
para as mudanças do IVA. Então e os cidadãos que sofrem com a mesma actuação do
fisco e não podem mudar a seu favor a lei como e quando entendem? E todos
mentem vergonhosamente ao afirmar que as mudanças que aprovaram não têm impacto
financeiro no Estado. Então se vão passar a ser reembolsados de maior
quantidade de IVA esse dinheiro vem de onde?
Já para não falar de se tratar de uma lei feita com os pés,
que está a ser clarificada e interpretada pelos seus autores todos os dias em
conferências de imprensa e declarações públicas, seja em relação à utilização
de imóveis do Estado sejam em relação à sua aplicação a processos legais que
estejam pendentes.
Como é que tanta gente tão experimentada nestas lides,
políticos com carreiras que não começaram ontem, entram nesta espiral de
loucura sem se aperceber da figura que estão a fazer e do descrédito que isso
implica?
Medo. Os partidos têm medo de enfrentar os cidadãos,
olhá-los na cara e dizer-lhes que vão custar mais dinheiro ao país. São
incapazes de assumir isso com frontalidade e de comunicar aos eleitores, com
contexto mas sem rodeios, as notícias que podem ser mal recebidas. É uma
cobardia política que não é de hoje, que se manifesta em vários temas
relacionados sobretudo com dinheiro, e que representa uma das formas mais
perigosas de populismo: não querer tomar ou anunciar medidas que podem ser
impopulares junto dos eleitores.
Ninguém gosta de decidir aumentos de impostos ou cortes
salariais, por exemplo. Do mesmo modo, os políticos fogem de tudo o que possa
ser visto como um aumento das suas regalias ou benefícios, ainda que isso possa
ser justo e fazer sentido. É o caso do financiamento dos partidos.
A democracia tem custos que vale sempre a pena pagar. Nesses
custos estão incluídos os partidos, com todas as suas virtudes e defeitos. Não
há democracia sem partidos e a qualidade destes condiciona largamente a saúde
daquela.
O que é fundamental é garantir, sempre, que o financiamento
partidário não é uma fonte de corrupção, de negócios menos claros com dinheiros
do Estado e que o interesse público, dos cidadãos e dos contribuintes está
salvaguardado e se sobrepõe aos vários interesses particulares que estão sempre
em jogo.
Paulo Ferreira
Ninguém contesta a evidência que os partidos têm que ser
financiados, pode é haver divergências sobre o modelo desse financiamento:
entre o totalmente público e o totalmente privado há vários equilíbrios e
fórmulas possíveis.
O que é fundamental é garantir, sempre, que o financiamento
partidário não é uma fonte de corrupção, de negócios menos claros com dinheiros
do Estado e que o interesse público, dos cidadãos e dos contribuintes está
salvaguardado e se sobrepõe aos vários interesses particulares que estão sempre
em jogo. Ou seja, é preciso criar regras que evitem que a um financiamento
privado corresponda uma contrapartida dada por um deputado, um autarca, um
governante ou outro decisor público como moeda de troca. Pode ser uma lei mais
favorável, a atribuição de um negócio, uma decisão administrativa, seja o que
for.
Salvaguardado isto, que se discuta então como pode e deve a
sociedade pagar os partidos. Mas a cobardia dos partidos impede que este debate
se faça de forma aberta e frontal. Com medo, os partidos não assumem que
precisam de mais dinheiro e preferem recorrer a este tipo de expedientes.
Aumentar as subvenções do Estado aos partidos é impopular?
Então vamos permitir que haja mais devolução de IVA, sempre dá menos nas vistas
e não aparece na soma das subvenções.
São poucos os que fazem donativos individuais para não se
verem envolvidos em polémicas? Aumentamos os limites da angariação de fundos,
mais discretas porque permitem muito menos controlo.
Por exemplo, era mais transparente, mais simples e menos
burocrático para todos que, em vez de aumentar a devolução do IVA, os partidos
reclamassem um aumento das subvenções públicas directas num montante
semelhante. O impacto para o Estado é o mesmo – num caso devolve IVA que tinha
sido pago, no outro tem um aumento de despesa – mas a papelada envolvida é
muito menor no caso do aumento da subvenção.
Mas e coragem? Que líderes partidários têm coragem para dar
uma conferência de imprensa em que anunciam ao país “decidimos que a subvenção
do Estado aos partidos vai aumentar x milhões de euros por ano”? Sem essa
frontalidade, tentam fazer as alterações à socapa e de maneira indirecta e mais
complexa, para que não seja tão evidente.
O mesmo se passa, por exemplo, nos ordenados dos políticos.
Sou dos que acham que muitos dos salários pagos a quem ocupa cargos públicos
são demasiado baixos para o nível de responsabilidade que implicam (esqueçam os
que são incompetentes, esses não deviam sequer estar nos cargos).
Este é um tema tabu, como sabemos, e ninguém tem coragem de
propor aumentos que nem têm que ser generalizados. Até por uma questão de
concorrência com o sector privado na captação de pessoas competentes, esta é
uma matéria que devia ser revista.
Como é que os políticos lidam com isto? Para não aumentarem
as tabelas salariais, que dão muito nas vistas, criam-se umas regalias laterais
mais discretas: subsídios de deslocação, subsídios de habitação, subvenções
vitalícias (que felizmente já acabaram). E depois, como vemos regularmente, há
abusos na atribuição destes “complementos de ordenado”.
Estas são questões em que os partidos são vítimas de si
próprios, do populismo que se revela na tibieza e cobardia para decidir e
explicar sem rodeios, arcando, claro, com os inerentes custos de popularidade.
Por estes dias, tem havido quem tente virar o argumento do
populismo ao contrário, dizendo que ele está na crítica que é feita aos
partidos e, daí, partindo para argumentos radicais, como o facto de se querer
fragilizar os alicerces da democracia. Poderiam ter razão noutras ocasiões, mas
nesta? Poucas vezes como esta foi tão flagrante o desrespeito dos partidos
parlamentares – quase todos, já que o CDS e o PAN votaram contra – para com os
eleitores e para com uma das regras mais básicas da democracia, a transparência
na tomada de decisões.
Mal estaremos quando os partidos não puderem ser criticados
por se comportarem desta forma triste, insistindo depois na mentira ao longo de
dias. Ou quando isso for desaconselhável por fragilizar a sua imagem junto do
público.
Os primeiros a terem que se preocupar seriamente com isso
são os próprios partidos e as suas estruturas. Se a classe política é
desconsiderada, deve-o sobretudo aos seus comportamentos. São práticas como
esta, mas também outras: não os incomoda o tráfico de votos que resultam do pagamento
massivo de quotas partidárias em atraso?
Não os envergonha que haja dezenas de militantes com a mesma
morada nas fichas dos partidos? Acham transparente a forma como são eleitos os
líderes dentro dos partidos e a forma como isso contamina as listas de
candidatos que apresentam aos cidadãos?
Acham que o facto de não serem claros a demarcar-se e a
criticar políticos com práticas corruptas não contribui para a má imagem
colectiva? Pensam que as constantes cambalhotas que dão nas posições sobre
vários assuntos passa despercebida aos cidadãos? Não sabem que a chicana
política que enche os debates parlamentares não é inócua?
São estas práticas e a má governação que minam os partidos.
Deixar de criticá-los por se temer a sua descredibilização é confundir democracia
com partidocracia. Sim, os partidos são fundamentais para a democracia. E
quanto mais fortes, dinâmicos e diversos forem, melhor será. Resta saber se são
estes partidos, com este tipo de
práticas, ou outros.
Mas convém nunca esquecer que são os partidos que estão ao
serviço da democracia e dos cidadãos e não o contrário. No momento em que o
regime viver para alimentar os partidos, as suas estruturas e as suas
clientelas teremos um sério problema. Devíamos evitar chegar a esse ponto.
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