Guerra de preços da cerveja entre bares leva à degradação do
ambiente na Bica
POR O CORVO • 27 SETEMBRO, 2017 •
A competição comercial entre dois pequenos estabelecimentos
de diversão nocturna, no topo da Rua da Bica de Duarte Belo, tem-se agudizado.
Os preços da cerveja, fornecida por marcas rivais, desceram tanto que o local
atrai cada vez mais gente. Os residentes e os comerciantes mais antigos dizem
que se tem assistido ao agravamento do “mau ambiente” e da insegurança. Há
barulho toda a noite, feito de gritos e tambores, lixo, tráfico e consumo de
droga, cerveja e urina a escorrer pelo chão e graffiti cada vez mais visível.
Os donos dos bares em causa, que vendem a imperial a 50 e a 60 cêntimos, dizem
não se sentir responsáveis por tal cenário. A junta da Misericórdia tem outra
opinião e fala na aplicação de sanções aos “prevaricadores”. A Polícia
Municipal está a acompanhar a situação.
Texto: Samuel Alemão
Há mais de quatro
décadas à frente dos destinos do restaurante Alto Minho, no 61 da Rua da Bica
de Duarte Belo, João Antunes, 68 anos, não se lembra de alguma vez ter passado
por tal coisa. “Ando a tomar comprimidos para dormir, pela primeira vez na
minha vida. Durmo três a quatro horas e, depois, já não consigo mais”, conta,
sentado a uma das mesas, numa pausa a meio da tarde, depois de terminado o
reboliço dos almoços.
Residente num dos
pisos situados por cima do estabelecimento, conhece como poucos o arruamento
que tem no ascensor o seu ex-líbris e, este ano, até já deu que falar por ter
ganho uma suposta eleição da “mais bonita rua do mundo”. Mas nunca viu ou ouviu
nada como isto. “Está impossível. A partir das dez da noite, começa a chegar
gente aos magotes, sentam-se e enchem os degraus, fazem barulho, conversam
alto, cantam, batem tambores, há lixo no chão”, queixa-se. “Parece um autêntico
Santo António”, sintetiza.
A feroz competição
pela captação de clientela, através de uma campanha de promoções no preço das
bebidas, sobretudo da cerveja, entre dois bares situados no topo da rua,
abertos no último par de anos, tem feito do local um novo chamariz da vida
nocturna. Mas tem contribuído também, de forma decisiva, para uma alteração
substancial da vivência naquela que, até há não muito tempo, era vista como uma
das zonas emblemáticas da movida lisboeta. À imagem do que sucedeu no Bairro
Alto, a boémia sofisticada e exigente de outrora terá dado lugar a magotes de
gente atraída pelo álcool barato, ouve-se por ali.
Existem reclamações
abundantes sobre o ruído excessivo, o consumo desregrado de álcool – também
alimentado pelo recrudescimento da venda ambulante ilegal de bebidas -, de
drogas leves, de lixo e urina abundantes, bem como a criação de um sentimento
generalizado da existência de “mau-ambiente”. Os residentes e os comerciantes
de longa data falam já de um “nivelamento por baixo” da ambiência na Bica, o
que estará a pôr em causa não apenas a qualidade de vida, mas também a
sustentabilidade dos negócios ali existentes.
“Se isto continua,
vai haver um dia em que não aguentamos mais”, avisa Hugo Sousa, gerente há três
anos do Bicaense, um dos bares mais icónicos da área – e no qual trabalha há 13
anos. O pessimismo é, aliás, a nota dominante entre vários empresários. Uma visão
contestada pelos donos dos bares alvo de todas as críticas, que se queixam da
incompreensão da vizinhança. Embora, admitam, até tenham algumas razões de
queixa.
Elas têm sido em
número suficiente para levar a Junta de Freguesia da Misericórdia a pedir a
intervenção da Câmara de Lisboa e da Polícia Municipal. Há ali um problema
relacionado com o “funcionamento de portas abertas e uso abusivo do espaço
público”, diz a presidente da autarquia, Carla Madeira (PS), que se diz
empenhada em encontrar soluções para devolver tranquilidade a quem ali vive. O
que poderá passara pela aplicação de restrições ao funcionamento dos
estabelecimentos em causa. Até que tal aconteça, as queixas vão-se
multiplicando.
“O preço baixo das bebidas atraiu um novo tipo de clientela,
menos exigente. Assistiu-se a um nivelar por baixo. E isto aconteceu a partir
do momento em que abriu um bar novo, há cerca de dois anos. E, depois, veio
outro logo ao lado”, queixa-se Sara Pinto, gerente do Baliza, juntamente com
Bruno Abreu. O bar, aberto desde 1999, mesmo em frente do Bicaense, formou com
este uma referência incontornável para muita gente que tem da Bica uma outra
imagem que não a que agora se revela. “Passou a assistir-se aqui a coisas que
nunca havíamos visto. Há gente a urinar contra a paredes, sem qualquer problema
e aqui dentro nós a vermos tudo”, conta Bruno, que muitas vezes tem de intervir
para afastar vendedores de substâncias ilícitas da porta.
O tráfico de drogas
leves, até recentemente visto como um fenómeno que apoquentava sobretudo a
vizinha Rua Marechal Saldanha e as imediações do Miradouro do Adamastor, em
Santa Catarina, passou também a fazer parte do quotidiano da Bica. Algo que é
visto por ali como consequência indirecta da actuação de dois polícias gratificados,
pagos por um novo estabelecimento hoteleiro junto ao miradouro para afugentar a
“má frequência”. “Por causa disso, assistiu-se a uma deslocação dos problemas
para aqui”, dizem alguns comerciantes. Os traficantes de estupefacientes
continuam, porém, a operar à luz do dia em toda a área da Marechal Saldanha e
do Adamastor.
Certo é que, ouve-se
por ali em uníssono, a sempre subjectiva qualidade do quotidiano na Rua da Bica
de Duarte Belo desceu a uma velocidade mais acelerada que a do ascensor. “Isto
deixou de ser uma rua pacífica, que funcionava como alternativa ao Bairro Alto
e passou a ser um local inseguro e com mau ambiente. É impossível estar aqui a
partir das 23h”, lamenta Sara, apontando o tráfico de droga e o “problema
gravíssimo da falta de higiene” como principais razões para a pressentida
decadência. Há rios de urina a descerem paralelos ao trilho do ascensor.
Hugo Sousa, do Bicaense, aponta no chão as marcas dessas
escorrências, que se mesclam à cerveja derramada para criar um tapete muito
pouco sedutor. A recente colocação, pelos serviços de higiene da Câmara de
Lisboa, de contentores de lixo fixos em determinados pontos, sobretudo nas ruas
perpendiculares à principal, terá levado ao seu aproveitamento como urinóis
públicos pelos menos dados ao rigor cívico. “Acções não devidamente ponderadas
criam novos problemas”, constata Hugo, apontando ainda a venda desregrada de
cerveja como razão adicional para o estado geral de sujidade. Além da bebida
derramada, há frequentemente garrafas a rebolar, calçada abaixo. E vidros
partidos, claro.
Ana Martins, moradora
na rua e dona da conhecida Tabacaria Martins, no Largo do Calhariz, mesmo ali
ao lado, confirma esta degradação generalizada da vivência naquela que é uma
das áreas do centro de Lisboa mais procuradas pelos turistas. “Isto está a
tornar-se de mais, com o barulho e o certos comportamentos das pessoas. Não posso
entrar na minha casa, sem ter de alçar a perna, pois há sempre gente e
garrafas”, queixa-se, sem deixar de referir o que vê como “abaixamento do nível
dos turistas”, muitos dos quais com comportamentos a denotar a falta de
educação. Nesta zona, mesmo durante o dia, tornou-se comum ver grupos de
indivíduos ruidosos, de copo de cerveja na mão e em tronco nu.
Cenário que piora à
noite. Para tal, dizem comerciantes e residentes, muito contribui uma certa
sensação de impunidade. “Existe uma clara discrepância entre o policiamento
feroz a estabelecimentos que aqui estão há anos, cumprem todos os regulamentos,
pagam todos os impostos e taxas e o que não é feito a outros, que surgem agora.
Há uma óbvia disparidade de actuação”, afirma Hugo Sousa, gerente do Bicaense.
“E isso tem óbvias
consequências financeiras”, conclui Bruno Abreu, do Baliza, lamentando ainda o
que observa como uma certa passividade da Junta de Freguesia da Misericórdia no
que diz respeito à limpeza do espaço público. A contribuir para essa sensação
geral de desleixo está a profusão de graffiti.
Do mesmo se queixa
Sílvia, 48 anos, a gerente do cabeleireiro Wip, revelando que, ao chegar de
manhã ao seu estabelecimento, se depara com uma rua “cheia de lixo, urina,
vidros partidos e vómito”. “É claro que isto tem um impacto negativo aqui. Há
como que uma energia super-má”, considera a espanhola, originária de Toledo e
que se assume como uma bicaense, fruto da sua vivência de década e meia no
bairro. Muito mudou por ali, nos últimos tempos, e não foi necessariamente para
melhor.
O mesmo sente o
português João Costa, 45 anos, a viver na Bica há meia-dúzia de anos e que se
lamenta de não conseguir dormir bem há já seis meses, devido ao “barulho de
batuques”. Uma banda-sonora que acompanha, aliás, muitas das transacções
ilícitas feitas nas redondezas. “Isto é um fenómeno que veio do Adamastor para
aqui. Chegou ao ponto de haver 40 pessoas na rua, 30 eram traficantes”,
garante.
Desiludida com o que
vê, e saudosa de uma época em que à Bica se ia com um espírito diferente,
Sílvia faz uma constatação: “Deixou de haver meio-termo, com esta onda
turística, estamos divididos entre o elitismo e o baixo nível”. É a parte
inferior dessa escala imaginária, todavia, a motivadora de quase todos os
queixumes da comunidade bicaense.
Algo inevitavelmente
relacionado com o baixo preço do álcool, garante-se por ali. “Andam a vender a
imperial a metade do preço do que os outros vendem, isso atrai para aí essa
gente toda”, diz João Antunes, o proprietário do restaurante Alto Minho.
Os visados pelas
acusações assumem a prática concorrencial, mas afastam qualquer
responsabilidade pelo tal “mau ambiente” de que todos falam. “Estamos a fazer o
nosso papel, não temos a culpa dessa gente vir para aqui arranjar problemas”,
diz Carmen Xavier, que com o marido, António Araújo, dirige há pouco mais de
ano e meio a Petiscaria do Elevador. Além de algumas iguarias brasileiras, o
preço da cerveja é um chamariz. 60 cêntimos a imperial é convidativo, admite.
A empresária concorda
ainda que o que se está a viver, por estes dias, no topo da Rua da Bica de
Duarte Belo “é uma bagunça”, mas sacode eventuais culpas pelas degradação a que
se tem assistido. “Se vemos alguém a consumir drogas, ou com um comportamento
indecente, dizemos logo que não queremos nada disso aqui. Estamos aqui para
trabalhar, este é o nosso sustento”, diz, queixando-se ainda “preconceito” dos
que se queixam em relação à sua nacionalidade.
A empresária lamenta
ainda que se tenha espalhado o boato que os seus funcionários teriam intimidado
os funcionários da junta para não procederem à limpeza da rua em frente ao
estabelecimento. “É mentira, apenas lhes dissemos que não fazia sentido limpar
aqui à porta com a mangueira, às 23h, quando a essa hora ainda temos tantos
clientes. Isso só os vais afugentar. Por que não o fazem às 2h, como acontece
no Bairro Alto?”, questiona.
“Os outros armam
confusão e a gente é que fica com a má fama”, lamenta-se Carmen, assumindo
ainda ter baixado o preço da cerveja para 50 cêntimos a imperial, fornecida
pela Sagres, porque o estabelecimento que fica portas-meias, o Let’s Rock,
também o terá descido. A competição é feroz, assume. O marido vai mais longe.
“Sim, é uma guerra, sim, se é isso que eles querem”, declara, assumindo a
importância do que está em jogo. No caso, sua sobrevivência comercial. Para os
que se queixam as bebidas em saldo, avisa: “Não vou mudar o preço”. Uma espécie
de grito de guerra do proprietário da Petiscaria do Elevador.
Coisa que Fábio
Alexandre, o dono do rival Let’s Rock, garante não existir. “O que se passou
foi que, quando abri esta casa, a 15 de outubro de 2015, tinha um acordo com o
meu fornecedor de cerveja para que, ao fim de um ano de actividade, baixássemos
o preço e conseguíssemos ser mais competitivos”, explica o empresário, que se
orgulha de ter ajudado a “dinamizar” aquela parte da rua. “Isto estava
completamente vazio, não havia aqui ninguém”, diz, garantindo a O Corvo ter
decidido investir na abertura do bar naquele sítio como resultado da
experiência acumulada de anos a trabalhar como funcionário de bares do Bairro
Alto e ainda na indústria turística.
A ajuda da Super
Bock, o fornecedor de cerveja, também terá, porém, contado na equação
proveitosa. “Ao longo dos anos em que trabalhei no Bairro Alto, estabeleci
contactos com fornecedores”, admite, afastando, todavia, a possibilidade de que
vender a imperial também a 60 cêntimos estará a contribuir para o acicatar de
um despique comercial com o vizinho. “Não estou aqui para isso, mas apenas para
fazer o meu negócio”, responde, embora admita que os preços que pratica sejam
concorrenciais. O objectivo é, precisamente, chamar gente.
Mas não daquele tipo
que traga problemas, que possa ser vista como desestabilizadora. Tanto que, em
dois anos, Fábio não tem registo de nenhum incidente sério com a clientela. O
empresário garante fazer tudo como mandam as regras. “Só posso controlar quem
entra no meu estabelecimento e aqui não vendo nada em copo de vidro. A minha
calçada, aqui à porta, está sempre limpa, até tenho duas esfregonas”, informa.
Mas o ruído constitui um problema, reconhece. “As pessoas, cá fora, por vezes,
falam demasiado alto. E há um grupo de indivíduos, não sei se são músicos, que
vêm para aí com tambores e pandeiretas. Isso é o que incomoda mais”, consente,
embora sugira que tal situação não lhe diz respeito.
Questionada por escrito por O Corvo, a presidente da Junta
de Freguesia da Misericórdia admite que “existem no topo da Rua da Bica Duarte
Belo alguns estabelecimentos com comportamentos que provocam incómodo junto dos
moradores, tais como funcionamento de portas abertas e uso abusivo do espaço
público, o que provoca bastante ruído durante a noite”. Situação que, garante
Carla Madeira (PS), está já identificada e a ser alvo de fiscalização por parte
da Polícia Municipal.
A autarca reconhece
que os problemas vividos naquela rua “são fruto de uma utilização indevida do
espaço público para consumo de álcool de uma forma massiva”, mas também são a
consequência da “falta de civismo que os frequentadores dos referidos espaços
demonstram. Não só relativamente à higiene urbana mas, principalmente,
relativamente ao ruído que provocam, prejudicando o descanso de quem ali vive”.
Carla Madeira informa
que “os funcionários da junta de freguesia, neste momento, não conseguem fazer
a lavagem do local durante a noite, tal como o faziam anteriormente, dada a não
colaboração por parte dos clientes e dos comerciantes do local”. O que obriga a
que tal operação seja feita durante o dia. “A lavagem é efectuada semanalmente,
mas tal só é visível no dia da lavagem, dado a enorme produção de sujidade
existente no local”, salienta.
Fazendo questão de
sublinhar que não é objectivo da junta por si presidida terminar com a diversão
nocturna na freguesia, a autarca diz estar apostada em encontrar “o desejado
equilíbrio da função residencial com a função comercial”. Motivo pelo qual, diz,
tem estado a acompanhar de perto a situação, juntamente com a CML e a Polícia
Municipal. Ainda na semana passada, o vereador com o pelouro da Segurança,
Carlos Castro, terá estado no local. “Iremos, juntamente com a CML e a PM,
continuar a lutar para devolver aquela rua aos moradores da freguesia,
defendendo a aplicação de restrições aos estabelecimentos prevaricadores e
estando ao lado da nossa população”, afirma.
E acrescenta:
“Continuaremos a lutar com todas as nossas forças para que a rua mais bonita do
mundo volte a ser um local aprazível para quem aqui vive e circula. Não
desistiremos enquanto não devolvermos a qualidade de vida a quem reside nesta
rua!”.
Como se faz o tráfico de droga no
centro de Lisboa
25.09.2017 11:58 por Augusto Freitas de Sousa
O bairro da Bica, em Lisboa, foi
tomado de assalto por traficantes que vendem haxixe de dia e de noite. A PSP da
zona já prendeu 71 pessoas este ano
O tráfico faz-se à vista de todos. E o esquema não difere de
dia para dia. Primeiro chegam os traficantes, por volta da hora de almoço e na
maior parte das vezes por caminhos diferentes. A polícia sabe quem são e de
onde vêm. Segundo uma fonte da PSP são originários de bairros dos arredores de
Lisboa como o "Navegantes" em Oeiras, "Icesa" em Vialonga e
outros na Amadora, Póvoa de Santa Iria e Alta de Lisboa. Habitualmente vendem
haxixe, mas também há relatos de venda de ecstasy.
O movimento aumenta a partir das 18h – e na passada
quarta-feira, 9 de Agosto, a SÁBADO assistiu a todos os passos. Na entrada do
bairro, um ou dois traficantes colocam-se em posição estratégica para alertar
para a possível chegada da polícia. Se desconfiarem de alguma coisa, assobiam –
um som já reconhecido pelos moradores. Entretanto, vão angariando clientes e
acompanham-nos para junto dos outros traficantes que se costumam juntar ao cimo
das escadas que ligam a Rua Marechal Saldanha e a Rua do Almada. São geralmente
dois ou três que aí aguardam pelos clientes ou que vendem directamente a quem
passe no local.
O depoimento secreto do traficante O depoimento secreto do
traficante Guardam parte da droga na mão, no bolso ou escondem-na na roupa. Num
dos casos a que a SÁBADO assistiu, o traficante tirava lixo de um caixote para
poder colocar o haxixe por baixo, enquanto um segundo se virava de costas para
a rua para contar o dinheiro da venda. Um minuto depois, na esquina mais
próxima, outro traficante tirava a droga escondida atrás de um cartaz descolado
da parede. Após a transacção, concluída em poucos segundos, as placas de
haxixe, que variam entre os cinco e os 10 euros, voltaram ao esconderijo.
Quando a droga chega ao fim, desaparecem nas ruas em redor
para se abastecerem em casas do bairro onde moradores cúmplices guardam as
maiores quantidades. Voltam rapidamente e o ciclo volta a cumprir-se. Como se
fosse um vídeo repetido. Já os consumidores seguem quase sempre para o
miradouro de Santa Catarina. Um corrupio que não pára e que não passa
despercebido a ninguém.
Em Março deste ano, os moradores entregaram à Câmara
Municipal de Lisboa uma petição com mais de 300 assinaturas a pedir o
"patrulhamento em permanência da Polícia Municipal ou da PSP nos locais
afectados até à reposição da tranquilidade pública e dissuasão do tráfico de
droga". Os signatários davam conta que o "território foi colonizado
pelo tráfico e consumo de droga bem como pelo binge drinking [consumo rápido de
grandes quantidades de álcool] de centenas de jovens.
Quem entra na zona da Bica pela Rua Marechal Saldanha, que
termina no miradouro de Santa Catarina, não tem como fugir às perguntas e
sinais dos traficantes. Kees Eijrondl, um holandês que se prepara para abrir um
hotel de luxo na zona, conta à SÁBADO que a conhecida jornalista brasileira
Glória Maria desistiu de visitar o seu hotel porque, quando esperava que
baixassem o pilarete da rua para poder passar com o carro, onde seguiam duas
crianças, lhe perguntaram várias vezes se queria comprar droga. Conta o
holandês que, mais tarde, a jornalista lhe telefonou para dizer que não levava duas
crianças para um ambiente como aquele. Morador no bairro há 20 anos, diz que
tudo se agravou nos últimos cinco anos numa zona onde "clientes e turistas
não se sentem confortáveis com os pequenos gangues que circulam pelas
ruas".
Câmara pediu mais polícia
Contactada pela SÁBADO, a Polícia de Segurança Pública
afirmou que, desde o início do ano, os responsáveis da esquadra do bairro alto
detiveram "71 pessoas, das quais 33 por tráfico ou posse de
estupefacientes. Destes detidos, 21 foram apanhados no Miradouro de Santa
Catarina (conhecido por Adamastor) ou nas imediações". A polícia confirma
ainda estar "a par das reivindicações de comerciantes e moradores" e
afirma ter reforçado as equipas mas reconhece estar "perante criminalidade
com algum grau de organização, que exige processos de investigação
criminal".
Já os moradores e comerciantes acusam a Junta de Freguesia
da Misericórdia de não acautelar os interesses da população e reconhecem que a
PSP pouco pode fazer. António Mestre, um comerciante local, diz à SÁBADO que
"toda a gente sabe quem são os traficantes, onde escondem a droga e quem
são os colaboradores do bairro. Miguel Ferreira, outro comerciante, acrescenta
que são os próprios agentes da PSP que, relativamente às detenções, deixam um
lamento: "rei morto, rei posto".
Contactada pela SÁBADO, a CML confirma a entrega da petição
e garante ter solicitado com regularidade o "reforço do policiamento da
PSP no local, por inúmeras queixas que recebe de munícipes relativas a tráfico
de droga". A autarquia reconhece, porém, que "terá de ser mais
efectivo o reforço de policiamento neste local" e disponibiliza os seus
meios para "qualquer acção conjunta que a PSP deseje efectuar no âmbito da
segurança interna."
Já a presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, Carla
Madeira, não respondeu às questões da SÁBADO até ao fecho desta edição.