Entrevista
"Entre ter má floresta e não ter floresta, é preferível
não ter floresta"
Miguel Freitas afirma que as limitações à plantação de
eucaliptos não vão ter impactes económicos na indústria. E afirma que o debate
ideológico sobre a reforma da floresta acabou.
Manuel Carvalho
1 de setembro de 2017, 6:31
O Secretário de Estado acredita no regresso da floresta ao
“centro das atenções políticas” e afirma que a operacionalização da reforma
florestal exige um “compromisso” que abarca não apenas as forças partidárias
mas toda a sociedade.
O ministro da Agricultura diz que a reforma florestal é a
maior desde o tempo de D. Dinis. Não é uma apreciação algo exagerada?
O importante é que temos uma reforma que é uma grande
reforma florestal. A mim cabe-me acima de tudo responder em articulação com o
ministro à operacionalização dessa reforma. O ministro está convicto que esta é
uma grande reforma. O primeiro-ministro está absolutamente convicto que esta é
uma grande reforma. Portanto, com o apoio de todo do Governo e com o empenho do
ministro, eu tenho a certeza que é possível pela primeira vez olhar de uma
forma diferente para as questões florestais. Estamos a assistir à possibilidade
de colocar a floresta no centro das atenções políticas em termos nacionais. E
isso deve-se muito ao trabalho que foi desenvolvido pelo ministro na reforma
florestal…
E também por causa dos incêndios…
Naturalmente. Estou de acordo com isso. É claro que o país
desperta normalmente para estas questões com os incêndios. Mas temos de olhar
para a frente e procurar compromissos. A ideia do compromisso é chave.
Compromissos partidários?
Em primeiro lugar de um compromisso político. E fundamental
perceber que a questão política e ideológica fechou-se com a reforma florestal.
Temos agora de passar à sua operacionalização e essa operacionalização passa
por compromissos alargados na Assembleia da República. Mas o compromisso deve
ser também social. Com os proprietários florestais, que têm deveres e
obrigações. Têm de perceber que têm de cumprir as suas obrigações. Naturalmente
muitos não são capazes de o fazer e têm de recorre a modelos de organização que
façam a gestão da sua parcela melhor e mais barato. Depois, temos de ter
compromissos com os outros agentes do espaço rural. Com os pastores, com os
agricultores. Muito do fogo acontece por algumas más práticas da sua
actividade. Tem de haver também um compromisso com os autarcas. Os autarcas têm
de perceber o valor que tem o espaço rural, particularmente o espaço florestal.
Até agora não têm percebido?
O que eu digo é que têm de perceber melhor. Não tem havido
investimento municipal também neste domínio. Queremos trabalhar com os autarcas
no sentido de um compromisso para melhorar aquilo que é a gestão do espaço
rural.
O diploma para a criação do Banco de Terras foi chumbado
pelo PCP. Sem o Banco de Terras, uma peça fundamental, a coerência da reforma
da floresta não fica em causa?
O Banco de Terras era um instrumento importante para a
política que queríamos implementar. Mas é evidente que, não tendo sido
aprovado, temos de encontrar outras soluções. Vamos trabalhar no quadro da
bolsa de terra que existe e no quadro da margem de manobra que nos permite o
Código Civil…
O regime legal para a plantação de eucaliptos foi muito para
lá da proposta do Governo por força do Bloco de Esquerda. Já não está apenas em
causa o congelamento da área actual da espécie, mas a sua redução a prazo. Essa
alteração não é mais ideológica do que ecológica ou económica?
Há aí um sinal. E o sinal político claro é a necessidade de
percebermos que as espécies devem estar essencialmente onde têm elevada ou
média aptidão.
Mas isso implicava uma redução da área plantada?
Já vou lá. Essa é uma questão que deve ser rigorosamente
estudada. Temos cerca de 100 mil hectares de eucalipto neste momento em áreas
marginais, que não têm produtividade suficiente, e que estão no fim de vida
útil – já tiveram mais de três cortes. O que nós queremos fazer é passar dessa
área para novas áreas com elevada ou média aptidão. Isto é: a ideia-chave desta
legislação é acima de tudo melhorar a produtividade do eucalipto. Portanto,
diria que há aqui uma questão política, mas não há uma questão económica e é
isso que vale a pena discutir. Passando o eucalipto de zonas marginais para
zonas de maior aptidão, nós vamos recuperar rapidamente a produção necessária
para a nossa indústria.
A Navigator Company, ex-Portucel, admite deixar de investir
na floresta em Portugal e apostar na Galiza.
Essas declarações são feitas num quadro psicológico que
rapidamente se ultrapassará.
Mas acha que alguém vai deixar uma área de 100 hectares numa
zona do interior para plantar apenas 50 no Litoral. Isso tem racionalidade
económica?
Tem de pensar desta maneira: essa empresa tem hoje 100
hectares improdutivos, não tem lá nada. Se necessário e possível, queremos que
eles façam a reconversão dessa área noutras espécies.
Essa medida vai penalizar o interior, onde estão as
plantações menos produtivas de eucalipto?
Temos de começar a olhar para estas questões com a ideia que
o país não é todo para florestar. Isso não é assim. Entre ter má floresta e não
ter floresta, é preferível não ter floresta.
Sempre se disse que os matos e incultos eram espaços
florestais em potência.
Os matos têm a sua função ecológica. Temos de ser claros.
Não podemos admitir que haja floresta em todos os espaços. Estamos a fazer a
revisão dos PROF (Planos Regionais de Ordenamento Florestal). Esses planos
definem o que são as boas zonas para a floresta. É nesse quadro que temos de
ter coragem para tomar as decisões. Temos de fazer as escolhas certas para não
termos de chegar todos os anos ao Verão e ver o país a arder. A questão é esta:
pensámos que podíamos ter todo o país submetido a uma monocultura florestal.
Temos de alterar esse pensamento. Há escolhas, estamos a fazer um caminho para
quebrar ciclos. Se a ideia é mantermos este modelo, vamos continuar a ter fogos
florestais.