Boaventura rima com ditadura
Queria esclarecer que o professor Boaventura Sousa Santos
não é um idiota, ao contrário do que pensam vários amigos meus de direita.
João Miguel Tavares
3 de Agosto de 2017, 6:32
Em primeiro lugar, queria agradecer publicamente ao
professor Boaventura Sousa Santos a coragem de continuar a afirmar-se como um
defensor da revolução bolivariana, apesar de tudo o que está a acontecer em
Caracas (ver o seu texto “Em defesa da Venezuela”, publicado neste jornal a 29
de Julho). Muitos dos roedores portugueses que noutros tempos manifestavam o
seu enorme apreço por Hugo Chávez começaram, nos últimos tempos, a abandonar o
navio – Boaventura, ao menos, manteve-se firme, e bem. Chávez e Maduro são dois
filhos da mesma mãe. Não há porque adorar um e odiar o outro. Nisso, o
professor Boaventura é impecavelmente coerente.
Em segundo lugar, queria deixar aqui um pedido público para
que o professor Boaventura nos dê o imenso prazer de escrevinhar uma sequela
para o singelo artigo “Em defesa da Venezuela”, agora que as eleições para a
Assembleia Constituinte foram finalmente realizadas, com mais 16 mortos, a
prisão de dois líderes da oposição, a presença entre os eleitos da mulher de
Nicolás Maduro e do seu filho Nicolasito (a sério, é assim que lhe chamam), a
acusação de manipulação de votos por parte da empresa que organizou o acto
eleitoral, e a notícia de que a União Europeia – Portugal incluído – recusa
reconhecer o resultado de tais eleições. Neste momento, resta a Maduro a
solidariedade de Cuba, do PCP e do professor Boaventura, uma troika de notáveis
aliados e inspiradores faróis.
Em terceiro lugar, queria esclarecer que o professor
Boaventura Sousa Santos não é um idiota, ao contrário do que pensam vários
amigos meus de direita. Ele é um académico prestigiado e autor de alguns textos
bastante recomendáveis. Há, aliás, um ensaio seu, chamado “Onze teses por
ocasião de mais uma descoberta de Portugal” (está publicado em Pela Mão de
Alice), de que gosto particularmente – e não, não estou a ironizar. É uma
análise muito inteligente e bem construída do discurso mitológico e
psicanalítico que está sempre a cair em cima do país. Como bom marxista que é,
o problema do professor Boaventura não está na crítica à situação, que consegue
ser bastante esperta, mas nas soluções práticas que apresenta para sair dela,
que conseguem ser bastante estúpidas – como é o caso da defesa do regime
venezuelano e da “revolução bolivariana”, que só foi romântica na sua cabeça e
na de Nicolás Maduro, a quem o falecido Chávez um dia falou através de um
passarinho.
Nesse aspecto, o professor Boaventura não inventa nada:
limita-se a seguir os passos de uma longa fileira de intelectuais
inteligentíssimos dos séculos XX e XXI, cujo ódio à democracia liberal e ao
capitalismo os levaram (e ainda levam) a entregar-se nos braços de qualquer
regime disposto a enfrentar o “imperialismo americano” e a dinamitar o fim da
História anunciado por Fukuyama. Embora me chateie um bocadinho que seja um
homem com este tipo de pensamento a formar em Coimbra, via Centro de Estudos
Sociais, o corpo expedicionário do Bloco de Esquerda e do PCP, através de um
exército de descamisados doutorados de que em tempos já falei nesta página, não
há muito a fazer. É a vida, e não exclusivamente portuguesa – tem sido assim um
pouco por todo o mundo. Manda a democracia que os nossos impostos paguem os
salários até dos inimigos da democracia. O que convém nunca perdermos é isto: a
capacidade de lembrar a toda a gente, de cada vez que um “Em defesa da
Venezuela” é publicado, que Boaventura rima com ditadura. É isso que estou aqui
a fazer.
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