Londres
distrai-se com a intriga, a economia dá "sinais claros" de
choque
ANA FONSECA PEREIRA
01/07/2016 – PÚBLICO
Governo
britânico desiste da meta de chegar a 2020 sem défice nas contas
públicas. Michael Gove diz que fez "quase tudo o que podia"
para não ser candidato à sucessão de Cameron
Enquanto no Partido
Conservador se contam espingardas e no Labour se aguarda o próximo
capítulo da rebelião contra Jeremy Corbyn, começam a
materializar-se os primeiros efeitos da anunciada saída do Reino
Unido da União Europeia. Nesta sexta-feira, o ministro das Finanças
abandonou aquela que era uma das peças centrais do programa de
Governo, confirmando que o “Brexit” impedirá o país de chegar
ao final da legislatura com excedente orçamental.
O vazio de liderança
– o primeiro-ministro demissionário, David Cameron, tem limitado
ao mínimo as suas intervenções e os dois maiores partidos estão
imersos nas suas contendas internas – agrava o clima de incerteza,
que os líderes europeus tentam aliviar insistindo na pressão sobre
Londres para que concretize a decisão tomada no referendo de 23 de
Junho. “A decisão foi tomada, não pode ser adiada nem anulada”,
afirmou o Presidente francês, François Hollande, durante as
comemorações do centenário do início da batalha do Somme. “Não
há tempo a perder” para concretizar o divórcio, insistiu o
presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
Mas os dois
candidatos na frente da corrida à liderança dos conservadores – e
por inerência a ocupar o nº 10 de Downing Street – não dão
mostras de ter pressa: o ainda ministro da Justiça, Michael Gove,
disse que não planeia desencadear o processo “antes do final do
ano”, um prazo idêntico ao previsto por Theresa May, que tutela a
Administração Interna.
A economia, no
entanto, não gosta de impasses e, depois de uma semana em que a
libra atingiu mínimos em 30 anos e a bolsa londrina sofreu perdas
sucessivas, George Osborne confirmou o inevitável. “Vamos
continuar a ser inflexíveis com o défice, mas temos de ser
realistas sobre [a hipótese] de atingir um superavit até ao final
da década”, reconheceu o ministro das Finanças, acrescentando que
a economia está já a dar “sinais claros” do choque causado pela
vitória do “Brexit”.
Na véspera, o
governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, afirmou que a
instituição terá durante este Verão de criar um “estímulo
monetário” para contrariar as tendências recessivas. E na frente
empresarial, a Easyjet juntou-se ao rol de companhias que já
anunciaram planos de contingência, revelando que pediu o certificado
de transportador aéreo noutro país da UE, para garantir que não
perderá o livre acesso ao espaço aéreo europeu.
Indiferente aos
alarmes, a política britânica mantém-se presa às intrigas de
Westminster. E nesta sexta-feira, as atenções estiveram centradas
em Gove, protagonista de um golpe – “traição” é a palavra
mais usada pela imprensa desta sexta-feira – que afastou Boris
Johnson da corrida à sucessão de Cameron.
No discurso de
apresentação, Gove repetiu que fez “quase tudo o que podia para
não ser candidato” e foi ao ponto de admitir que não tem muitas
das qualidades que se atribuem a um primeiro-ministro: “Seja
carisma o que for, eu não o tenho.” Mas diz ter chegado à
conclusão de que o antigo mayor de Londres “não era a pessoa
certa” para unir o país. Sobre os planos de saída da UE,
comprometeu-se a pôr fim à liberdade de circulação de
trabalhadores (sem mencionar que isso custará ao Reino Unido a
exclusão do mercado único) e a dedicar ao serviço nacional de
saúde um terço das verbas que o país envia actualmente para
Bruxelas.
Os primeiros sinais
não lhe parecem, no entanto, muito auspiciosos, com May a surgir
como favorita em várias frentes: tem já o apoio de dezenas de
deputados (apenas cinco parlamentares estiveram na apresentação de
Gove) e também do jornal Daily Mail, onde a mulher de Gove é uma
das principais colunistas.
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