Santander
surpreendido por não ficar dono de imóveis do Banif no valor de 100
milhões
CRISTINA FERREIRA
03/02/2016 - PÚBLICO
No
dia em que a comissão de inquérito toma posse, fica a saber-se que
o Santander não foi autorizado a usar o seu símbolo no edifício
sede do Banif, que pertence a um fundo onde o grupo espanhol só tem
20%.
Com a compra dos
activos bons do Banif, o Santander Totta esperava ficar com activos
imóveis avaliados em cerca de 100 milhões euros, mas acabou por
descobrir que é dono de apenas 20% desse património.
Este é um dos casos
que, à medida que o tempo vai passando, deixam antever um quadro de
resolução de grande pressão por parte das autoridades europeias
(BCE e DGCOM, articuladas com o Banco de Portugal), que acabaram por
deixar “pontas soltas”.
Ainda não tinham
passado nove horas desde a divulgação da venda do Banif ao
Santander (20 de Dezembro, domingo, ao final da noite), já o grupo
espanhol enviava, ao início da manhã de segunda-feira, para a sede
da instituição, na Avenida José Malhoa, uma equipa de quatro
elementos, chefiada por Vieira Monteiro, o presidente do Santander.
Chegados ao 10.º
piso do edifício sede, pediram para aos antigos gestores do Banif
ali presentes que abandonassem os três andares ocupados pela
anterior gestão, pois necessitavam de espaço para trabalhar. Mas
Vieira Monteiro seria informado mais tarde que todos os edifícios
afectos à exploração (incluindo o prédio da sede onde se
encontravam, bem como as agências) estavam debaixo do fundo de
investimento imobiliário Banif Property e, portanto, não pertenciam
ao Santander, o que ditou a retirada do símbolo do grupo espanhol
entretanto colocado no elevador.
Na semana passada,
na apresentação das contas de 2015, onde revelou lucros de 291
milhões, Vieira Monteiro referiu que “encontrou situações
inesperadas no Banif, a todos os níveis”, mas não especificou.
Neste momento, o banco espanhol apenas ocupa o 10.º andar do prédio
na Avenida José Malhoa (e uma parte reduzida de um outro andar, onde
permanecem alguns directores comerciais). A parte restante do imóvel
está preenchida pelos trabalhadores que ficaram na Oitante, o
veículo do Fundo de Resolução, e cujos três administradores têm
gabinetes no 9.º piso.
As unidades de
participação do fundo de investimento imobiliário Property são
detidas em 48% pela Oitante (que recebeu todos os activos
imobiliários e de crédito mal parado do grupo Banif), estando 32%
disseminadas por clientes do Banif. O Santander apenas ficou com 20%
das unidades de participação. Em Junho de 2015, o valor do Property
era de quase 103,8 milhões de euros, mas retirando os empréstimos,
de 26,49 milhões, o seu valor líquido é de 75,8 milhões.
Desconhece-se qual a renda que o Santander está a pagar ao Fundo de
Resolução pelos espaços pertencentes a este fundo e que ocupa.
Outro tema que está
a dar origem a um diferendo de bastidores entre autoridades europeias
e nacionais está relacionado com a dimensão do “haircut” de 75%
e de 66% dos activos imobiliários do ex-Banif considerados
problemáticos e que ficaram para a Oitante, o veículo do Fundo de
Resolução. A deliberação agravou em pelo menos 400 milhões as
perdas para o Estado (o Governo defendia um corte de apenas 50%), não
sendo claro qual o regulamento que sustentou a deliberação, dado
que o contexto era o de uma liquidação (a da Oitante). Os activos
que transitaram para a Oitante, e que foram rejeitados pelo
Santander, estavam contabilizados pelo Banif em 2200 milhões.
Comissão de
inquérito arranca
A comissão
parlamentar de inquérito (CPI) à intervenção e resolução do
Banif, que vai ser presidida pelo deputado comunista António Filipe,
arranca nesta quarta-feira com a tomada de posse dos 17 deputados
indicados pelos partidos.
Os trabalhos em São
Bento vão prolongar-se por quatro meses e serão chamadas a depor
personalidades, cujos testemunhos, em conjunto, possam contribuir
para o apuramento de responsabilidades políticas no desfecho de um
banco, controlado em 61% pelo Estado (depois de ter sido em 98%), e
cuja venda ao Santander implica 3400 milhões de euros de fundos
públicos (com apoio directo ao grupo espanhol).
O PSD avançou com
os nomes de Marques Guedes, Miguel Morgado, Carlos Abreu Amorim, Inês
Domingos, Margarida Mano, Pedro do Ó Ramos e Rubina Bastos. Já o PS
indicou João Galamba, Neto Brandão, Carlos Pereira, Lara Martinho,
Brilhante Dias, Hortense Martins e Luís Testa. As bancadas do CDS,
BE e PCP têm apenas direito a indicar um deputado efectivo. O BE e o
PCP repetem, respectivamente, Mariana Mortágua e Miguel Tiago (já
presente na comissão de inquérito ao BES) e o CDS/PP avançou com
João Almeida.
Não haverá nesta
quarta-feira ainda listas com os nomes que serão chamados ao
Parlamento, mas o ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar, hoje no
FMI, a sua ex-secretária de Estado das Finanças, Maria Luís
Albuquerque, ex-ministra e actual deputada, bem como o actual titular
da pasta das Finanças, Mário Centeno, e o seu número dois, Ricardo
Mourinho Félix, são incontornáveis da lista. Será difícil aos
deputados justificarem a opção de não chamarem o
ex-primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, que optou por se
distanciar do dossier, e o actual chefe de Governo, António Costa,
que se envolveu na procura de uma solução. Carlos Costa, o
governador do Banco de Portugal, e a sua equipa, como António Varela
(administrador do BdP com a supervisão, e até Setembro de 2014,
administrador do Banif), são outras figuras que vão estar
presentes. E Carlos Tavares, da CMVM, deverá voltar a esta CPI.
Também não faltarão à chamada, velhos e novos accionistas do
banco, auditores e os administradores do Banif, liderados por Jorge
Tomé, onde se sentavam dois representantes do Estado, Miguel Barbosa
e Issufa Ahmad.
Sem comentários:
Enviar um comentário