Passado
um ano de Syriza, a turbulência regressa às ruas gregas
FÉLIX RIBEIRO
04/02/2016 - PÚBLICO
Governo
cumpriu até agora as exigências dos credores, mas não aceita novos
cortes nas pensões. Syriza enfrenta terceira greve geral em três
meses e uma queda abrupta nas sondagens.
Os olhos europeus
desviaram-se da enfermidade económica grega para se focarem, pelo
menos por enquanto, nas bátegas de refugiados que todos os dias
chegam às costas do homem doente da Europa. Em condições normais,
porém, Bruxelas continuaria o seu já habitual nervosismo sobre o
andamento das finanças gregas, mesmo que nos últimos meses o
Governo grego tenha disciplinadamente executado as exigências dos
credores, a muito custo para a sua imagem: quase exactamente um ano
depois do partido de esquerda-radical Syriza ter chegado ao poder, a
promessa de mudança pela qual foi eleito – e depois reeleito –
esbate-se drasticamente.
A contestação
política regressa rapidamente às ruas e esse é apenas o primeiro
de muitos obstáculos que a coligação do Syriza com os Gregos
Independentes terá de enfrentar nos próximos meses. Esta
quinta-feira é dia de nova greve-geral e o culminar de semanas de
protestos contra o plano para reformar o sistema de pensões. O
Governo liderado por Alexis Tsipras quer fazer alterações que não
agradam aos credores nem à população: aumentar as contribuições
sociais dos trabalhadores em 0,5% e 1% no caso dos patrões, ao mesmo
tempo que revoluciona o pesadelo burocrático de mais de 900 esquemas
diferentes e os reduz a um único modelo.
A troika, que
aterrou esta semana em Atenas para a primeira avaliação ao terceiro
resgate, diz que isso não chega para atingir o objectivo do corte de
1% do PIB na despesa com pensionistas. Quer nova redução nos
valores, mas o Executivo recusa-se a fazê-lo. É o seu primeiro
grande finca-pé desde que em Julho capitulou aos credores sob a
ameaça de sair do euro, num fim-de-semana alucinante em Bruxelas.
Desde então,
aprovou uma reforma ao sistema financeiro que permite entregar casos
dos cerca de 100 mil milhões de euros em crédito malparado grego a
entidades externas – Tsipras antes chamava-lhes “fundos abutres”.
Cumpriu também nas privatizações: vendeu 49% da distribuidora
eléctrica nacional e 67% da sua participação no porto de Pireu.
Mas a reforma no
sistema de pensões é um assunto delicado na Grécia. Com o
desemprego na casa dos 25% – o mais alto na Europa –, grande
parte das famílias depende de pensões para sobreviver. No último
ano, à volta de metade das pessoas disseram que essa era a sua
principal fonte de rendimento. “Não haverá reduções”,
garantiu Tsipras no Parlamento. “Uma pensão é o vencimento
completo de uma família.”
O Governo enfrenta
mesmo assim a ira das ruas. A simplificação do sistema significa
que algumas profissões vão ter que pagar o triplo de contribuições,
como agricultores e trabalhadores por conta própria. “E pensar que
votei no Tsipras e no partido dele”, queixava-se há dias o
sindicalista agrícola Yannis Vangos, que, como centenas de outros,
passou o primeiro mês do novo ano na estrada, a erguer barricadas de
tractores em protesto contra o pleno do Governo. “E pensar que eram
a nossa grande esperança. Agora nem os quero ver à frente!”
Fragilidade e
turbulência
Vangos e os
agricultores não estão sozinhos. Para a greve-geral desta
quinta-feira juntaram-se várias profissões liberais, como médicos,
advogados e engenheiros, também afectados pela reorganização nas
pensões. Os jornalistas anteciparam o protesto um dia e não foram
trabalhar esta quarta-feira. Se Tsipras venceu as eleições
antecipadas convencendo os eleitores de que se bateu com o que tinha
contra um inimigo mais poderoso, a sua imagem “quixotesca” –
termo repetido por vários observadores – parece desvanecer-se.
As pensões foram
sempre uma prioridade para os credores desde o primeiro resgate
grego, em 2010. Era então, como agora, o modelo mais caro em toda a
União Europeia e o maior símbolo do que os credores dizem ser um
sistema de segurança social demasiado generoso e, acima de tudo,
insustentável. Em cerca de cinco anos, fizeram-se nada menos do que
11 cortes, ao ponto de o valor das pensões cair perto de 30%. O
Governo recusa-se a fazer o 12.º corte.
Esta é a terceira
greve-geral desde as eleições de Setembro. O passo das reformas e
acusações ao Syriza de ter vendido a “alma ao poder” – nas
palavras do ex-deputado e dissidente Costas Palavitsas, no jornal
Guardian – condenaram o partido e a coligação a uma queda
estrondosa de popularidade. As sondagens dão agora vantagem ao Nova
Democracia, que há poucas semanas escolheu um novo líder, Kyriakos
Mitsotakis, uma figura jovem e carismática à imagem do próprio
Tsipras. A última consulta do jornal Proto Thema dá apenas 18% ao
Syriza, contra 21,3% da oposição de centro-direita.
A reforma nas
pensões não é o único aspecto preocupante para a Grécia. O
Governo tem de encontrar maneira de poupar mais 600 milhões de euros
ainda este ano – fala-se de nova subida de impostos para os
rendimentos mais altos. Cada medida difícil pode acabar com a frágil
maioria parlamentar: a coligação tem apenas 153 deputados num
parlamento com 300 lugares, que já disse não estar disposto a
aprovar diplomas polémicos, como quando a oposição aprovou o
terceiro resgate no Verão passado.
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