segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O bloco de direita / MANUEL CARVALHO


Em função dos desenvolvimentos internacionais na Europa onde a Europa Federal está morta, embora ainda não oficialmente enterrada, a “Direita” Portuguesa vai ser obrigada a rever e a renovar a sua perspectiva ideológica.
Vendida a uma ideia “liberal” dominada pelo projecto de Globalização baseado numa Filosofia exclusivamente Financeira determinada por Ayn Rand e executada pelos seus discipulos na Finança Internacional, que não apresenta nenhum resíduo da referência ética do Liberalismo Clássico vindo do Iluminismo ou de Responsabilidade Patriótica, ela deixou à esquerda nomeadamente ao PCP a representatividade política do Patriotismo.
Esta posição é a médio e longo prazo, ideológicamente insustentável.
A Direita, tradicionalmente, sempre submeteu o Capital à Nação.
Sempre, embora estimulando o empreendorismo e a dinâmica económica, os disciplinou e submeteu ao interesse da Nação.
É imperativo retornar ao pensamento Económico Estratégico e libertar-se progressivamente do Calvinismo Financeiro, imposto pelos outros.
OVOODOCORVO

O bloco de direita
MANUEL CARVALHO 06/12/2015 - PÚBLICO

Há-de ser difícil a Portas e a Passos vestirem a farda da oposição normal no presente contexto.

1. Não há Parlamento digno do nome que não tenha um Bloco de Esquerda para animar as hostes. Ainda é cedo para acreditar que a integração de Catarina Martins nos BFF de António Costa vá enterrar a proverbial contundência argumentativa, a crítica implacável ou a necessidade da denúncia que habitualmente marcavam as intervenções do Bloco na Assembleia. Mas, para o caso de esse papel se esbater ou desaparecer, já há quem esteja na fila para o substituir: o CDS de Paulo Portas, agora despido da pose de Estado que a governação lhe outorgava. Pelo que se viu e ouviu nos últimos dias, o papel de “quebra louça” parlamentar encontrou um protagonista à altura dos melhores exemplos de estridência e ferocidade. O novo CDS transborda de radicalismo, não poupa na truculência, ostenta uns certos laivos de messianismo pós-apocalíptico e não larga a primeira linha do combate contra a ilegitimidade política do novo Governo e contra os best friends forever do seu chefe. A dureza de Portas, de Telmo Correia ou de Nuno Magalhães faz de Heloísa Apolónia uma aprendiz da revolução.

A tese da “ilegitimidade política”, ou, nas palavras mais polidas de Pedro Passos Coelho, do “pecado original” de um Governo e de um chefe criados nas “costas do povo”, foi uma tentação estratégica irrecusável para os partidos da coligação que ganhou as últimas eleições. Não há dúvidas de que muitos eleitores do PS centrista e moderado ficaram com motivos para se sentirem ludibriados ao darem conta de que votaram gato por lebre. Não há dúvidas de que há-de haver uma parte significativa de portugueses a deplorar a vitória de um candidato derrotado e a sentir que as regras do jogo foram interpretadas à luz de uma muito estrita conveniência pessoal de António Costa. Mas já passaram mais de dois meses para se digerir essa inesperada inversão das tradições. Com a ajuda de Cavaco Silva, o Governo de Costa tornou-se inevitável não só por ser insuspeito de inconstitucionalidade mas também porque, no actual quadro, não se vislumbrava qualquer alternativa consistente. O remoer da tese da ilegitimidade por parte do CDS, e de forma mais ténue do PSD, deixou, por isso, de ser percebido como uma estratégia política inteligente para se transformar numa manobra que tresanda a maus fígados e a ressabiamento. Ou seja, deixou de ser um activo político para se tornar num estandarte do mau perder.

Custa, por isso, perceber o que ganham o CDS e o PSD em insistir nas teses golpistas ou da usurpação. O texto da moção de rejeição apresentada pelos dois partidos permite fazer alguma luz sobre o que poderá estar em causa, ao afirmar que o teor das suas denúncias contra a “radicalização” vai adquirir um “valor político de testemunho, clareza e registo para o futuro”. Com base nesta espécie de manual de instruções, o bloco da direita pode desatar a chumbar medidas do Governo a eito. E, mais, deixa desde já firme uma mensagem para o próximo Presidente da República, que é desta forma aliciado a resolver de vez o problema que Cavaco Silva não pôde resolver por manifesta falta de poderes constitucionais. Como? Bastava ouvir uma das palavras de ordem das bancadas da direita para o perceber: “eleições”.

Bem sabemos que há-de ser difícil a Paulo Portas e a Pedro Passos Coelho vestirem a farda da oposição normal no presente contexto, é fácil até perceber que há nas palavras ecuménicas ou nos apelos ao compromisso de Augusto Santos Silva ou de António Costa um cinismo que requer calmantes. Mas vale a pena indagar sobre se o comportamento bloquista de alguns deputados da direita (chamar a ministros da República “tralha socrática” é, no mínimo, deselegante) é um caminho de sucesso. Uma estratégia de permanente bota-abaixo pode ser útil para manter as hostes mais ultramontanas de direita que se agregam em torno do CDS mobilizadas, mas afastará, sem dúvida, o eleitorado moderado. Os cidadãos sensíveis à decência no trato entre deputados, que gostavam de assistir a debates construtivos e focados no interesse nacional, não hão-de certamente olhar para uma oposição radicalizada à direita com simpatia. Com o regresso da normalidade, ou o CDS muda de tom ou arrisca a tornar-se um monólito da direita e a perder a aura institucional que era até capaz de anular as diatribes de Portas e dos “jacintos leite capelo rego” para se apresentar de fato engomado nos retratos da governação.

2. O PCP diz, e repete sempre que pode, que o PS não vai governar com o programa “patriótico e de esquerda” que os comunistas defendem. Vai daí, Jerónimo e seus pares tratam de o executar aproveitando a fragmentação do Parlamento. Com a cumplicidade do PS e o empenho do Bloco, o PCP tinha já anulado os exames do quarto ano e tinha tentado até reverter por completo as concessões dos transportes públicos metropolitanos. Agora, volta à carga tentando reescrever na assembleia a lei dos baldios e a alteração da natureza institucional da Casa do Douro. Já que não governa directamente, o PCP sente-se investido do direito de pernada no Parlamento em matérias que estão profundamente associadas ao legado histórico do partido, como o são a posse e o usufruto de terras comunitárias ou a natureza pública da Casa do Douro, a única fórmula capaz de evitar a “exploração” dos lavradores durienses pelo capitalismo dos exportadores de vinho do Porto.

A nova lei dos baldios é a morte anunciada de uma ancestral ligação das comunidades rurais aos seus territórios, mas é principalmente um ataque directo às comissões de compartes fortemente infiltradas pelo PCP. A nova Casa do Douro, agora despida das suas prerrogativas públicas que tornavam obrigatória a inscrição de todos os produtores de vinho, vai pôr cobro a uma lenta e inexorável decadência e vai punir a irresponsabilidade de uma série de equipas de gestão que deixaram como lastro uma dívida de 167 milhões de euros assumida pelo Estado. Mas vai igualmente limitar o raio da acção da associação de produtores que gravita na órbita do PCP e que foi derrotada no concurso para a gestão do organismo duriense.


Com estas iniciativas, o que se torna evidente é a tentativa dos comunistas de se substituírem ao Governo. O que pensa Capoulas Santos, o ministro da Agricultura dos baldios ou da Casa do Douro? Para o PCP, essa pergunta é irrelevante. A estratégia de ocupar espaço político e legislativo, sem que se conheça qualquer articulação com o Governo, é uma forma óbvia de o condicionar. Costa promete não apresentar na assembleia nenhum diploma que saiba ser do desagrado do PCP, mas o PCP avança a eito com alterações legislativas sem se importar com o que pensa o PS. No final, pode ser que haja uma negociação e um compromisso sobre este e outros temas. Mas, quem tem a iniciativa nestes processos, fica sempre com um crédito sobre quem reage. Se há argumentos capazes de denunciar a natureza frágil e instável do Governo, este é, por isso, um deles. Quando a corda é puxada por diferentes fontes de poder, é muito natural que um dia rompa.

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