quinta-feira, 3 de julho de 2014

No deserto. por VASCO PULIDO VALENTE


OPINIÃO
No deserto
VASCO PULIDO VALENTE 04/07/2014 / PÚBLICO

Parece que Paul Krugman, o economista querido da esquerda, percebeu agora que o seu plano para resolver a crise não era politicamente possível. Entre a direita do Partido Republicano e uma boa parte do seu próprio partido, Obama está paralisado. Em Inglaterra, Cameron, com o UKIP de um lado e a coligação do outro, também não se pode mexer. Em França, Hollande é uma personagem gratuitamente acrescentada à paisagem, a direita democrática dividida e desprestigiada não se consegue recompor e já se começa a falar no regresso fatal ao parlamentarismo da IV República. Há ainda o referendo da Escócia e o referendo da Catalunha, que inevitavelmente vão complicar as coisas na “Europa”. O mundo em que vivemos desde 1948 começa a cair aos bocados; e não se vê um remédio razoável no horizonte.

A desculpa tradicional dos portugueses para as suas desgraças costuma ser a de que “também sucede lá fora”. Desta vez, não é mentira. A extrema-esquerda, para efeitos práticos, não existe. O PS, em guerra civil, não inspira confiança a ninguém: Seguro e Costa, com ligeiras variantes de tom, propõem a mesma receita utópica de salvação. O PSD e o CDS falharam e o Tribunal Constitucional não se irá embora amanhã. O Presidente da República, reduzido a pregar o entendimento e o “consenso” a uma multidão política que se odeia, e a um eleitorado na miséria, não serve para nada. Pouco a pouco, o país foi ficando ingovernável, no meio da resignação pública e privada. E não se imagina nenhuma força, ou conjunto de forças, capaz de restabelecer uma ordem e um desígnio.


Isto não teria grande importância em tempos normais. Mas sucede que os problemas de Portugal não se resolveram com o programa de “ajustamento”, que se limitou a um exercício contabilístico e recuou perante as verdadeiras reformas. Nem o desgraçado défice se “consolidou” abaixo do que a Europa manda, nem a dívida diminuiu, nem o “crescimento” e o “pleno emprego” saíram miraculosamente da cabeça de Passos Coelho. Voltámos, depois de muita gritaria e autêntica pobreza, à situação de 2010-2011. Com algumas diferenças. O tal “povo que aguenta tudo” não aguentará uma nova dose de “austeridade”. A direita e o dr. Cavaco, que em 2011 eram de certa maneira um recurso, perderam a confiança e o respeito dos portugueses. No deserto de hoje o mínimo solavanco sério é a porta para um desastre como nunca antes conhecemos.

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