Dívida. O debate sobre a
reestruturação maldita já está na rua
Por Ana Sá Lopes
publicado em 9 Jul
2014 in
(jornal) i online
Os subscritores
do Manifesto dos 74 começam a apresentar propostas concretas. Francisco Louçã e
os outros três economistas querem reestruturar, além da dívida pública, o
passivo da banca e mudar o sistema fiscal.
A palavra é
maldita para o governo, direcção do PS, muitos economistas à direita e à
esquerda. Mas vários subscritores do manifesto dos 74 relançaram ontem o debate
em torno da maldição - a reestruturação da dívida. De manhã, o
"Público" noticiou a proposta de Francisco Louçã, Ricardo Cabral (os
dois também subscritores do manifesto dos 74), Eugénia Pires e Pedro Nuno
Santos. À tarde, João Cravinho lançou o seu livro "A dívida pública
portuguesa" sobre o manifesto dos 74 "e as propostas europeias de
reestruturação", apresentado por Bagão Félix, outro dos subscritores, e
ex-ministro das Finanças. Mas a comprovar a maldição da palavra, o seu
sucessor, Luís Campos e Cunha, o primeiro ministro das Finanças de Sócrates,
veio ontem dizer que é "absurdo reclamar a reestruturação da dívida".
"É igual a um 'haircut'. Desse ponto de vista, no dia seguinte, o Estado
teria de estar a ajudar o sector bancário português e o sector financeiro em
geral", defendeu Campos e Cunha.
Pedro Lains,
economista que tem criticado a política económica deste governo, está com
"grande expectativa relativamente ao livro de João Cravinho", uma
expectativa maior do que a manifestada perante a proposta subscrita por
Francisco Louçã, que classifica como "um dos extremos no espectro das
possibilidades". "É um bocado exagerada. Eles querem resolver tudo de
uma assentada. E o que é necessário fazer é resolver as coisas passo a passo",
afirma ao i . Para Lains, o essencial "é fazer com que os encargos dos
juros vão diminuindo. O montante da dívida não é tão importante como os
encargos". O economista defende que o facto dos autores da proposta
ligarem a reestruturação da dívida à reestruturação do sistema bancário é um
handicap: "Aquilo não é possível fazer". Independentemente das
críticas, saúda o contributo para o debate: "Há aqui uma questão
importante: finalmente estamos a discutir a reestruturação".
A proposta
assinada por Francisco Louçã e Pedro Nuno Santos defende "a substituição
de todos os títulos de dívida bruta não consolidada das Administrações Públicas
e Sector Empresarial do Estado por Novas Obrigações do Tesouro, a serem
resgatadas integralmente em prestações iguais entre 2045 e 2054 com um cupão de
1%". O objectivo desta primeira medida "seria reduzir o valor
presente dessa dívida, líquida de depósitos, para 63% do PIB, ou, na óptica de
Maastricht, para 74%, já considerando a necessária recapitalização da Segurança
Social e de outros fundos do Estado". Segundo defendem os autores, "o
fluxo de pagamentos de juros da dívida pública seria reduzido anualmente em
cerca de 5 mil milhões, criando uma margem importante para investimento e
recuperação económica". A proposta inclui também "um processo de
resolução bancária sistémica, reestruturando 32% dos passivos bancários actuais
e reduzindo a dívida bancária em cerca de 24%, de modo a assegurar a
recuperação, a solvabilidade e a credibilidade do sistema bancário". As
duas medidas teriam que ser acompanhadas por "uma mudança profunda do
sistema fiscal, conduziriam à redução da dívida externa líquida portuguesa para
24% do PIB (ou da dívida externa bruta para 145% do PIB) e a uma melhoria do
superavit da balança corrente e de capital para mais de 5% do PIB em
2015". Sem se demorarem na mudança do sistema fiscal, os autores defendem
"a redução dos custos fiscais de sectores transaccionáveis e mais sujeitos
à concorrência, aumentando os custos fiscais de monopólios e sectores
protegidos da concorrência".
Os autores querem
que os pequenos aforradores, subscritores de certificados de aforro ou
certificados do Tesouro sejam protegidos. Os existentes seriam declarados nulos
e "seriam emitidos Novos Certificados de Aforro (NCT), com cupão de 1% e
maturidade de 3 anos (40% do valor facial total de Certificados de Aforro e de
Certificados de Tesouro) e de 6 anos (60% do valor facial total de Certificados
de Aforro e de Certificados de Tesouro). Aos que decidissem reinvestir nos
novos haveria lugar a um prémio de poupança.
Direcção do PS ataca proposta de
"um dos ideólogos" de Costa
Por Rita Tavares
publicado em 9 Jul
2014 in
(jornal) i online
Dois dos
principais rostos de cada um dos lados da barricada socialista trocam críticas
sobre tema consensual no partido
Com mais ou menos
cuidado na escolha da palavra (renegociação ou reestruturação), é unânime no PS
a necessidade de rever as condições de pagamento da dívida pública. Mas até
onde há consenso, há discórdia, no actual momento socialista. Entre os quatro
economistas que amanhã vão apresentar um programa de reestruturação da dívida
está Pedro Nuno Santos, deputado socialista, apoiante de António Costa. A
frente-Seguro no PS chama-lhe "um dos ideólogos" do autarca e ataca o
que diz ser meio caminho para "um resgate à banca".
"Um dos
ideólogos de António Costa assume que deve haver perdas para os detentores de
certificados de aforro e certificados do tesouro. Para esta proposta os pequenos
aforradores são tratados como qualquer outro credor", escreveu logo ontem
de manhã o secretário nacional do PS, António Galamba, na sua página pública do
Facebook. A reacção saía pronta à notícia do "Público" e, mais tarde,
juntava-se Eurico Brilhante Dias. Ao i, este membro da direcção de Seguro
considerou que a proposta dos quatro economistas "no limite traz um
resgate à banca, com um bail in. Parte do resgate é pago pelos depósitos acima
dos 100 mil euros e os pequenos aforradores não são protegidos".
Contactado pelo
i, Pedro Nuno Santos frisou que a proposta que subscreve "não compromete
mais ninguém", ou seja, descola António Costa da ideia. E responde à
crítica de Brilhante Dias: "Não leu o relatório". O socialista admite
preocupação com os riscos que o programa proposto pode trazer para os pequenos
aforradores, mas garante que a questão ficou acautelada. "Os certificados
de aforro e do tesouro seriam substituídos por novos, com maturidade de três e
seis anos, e teriam um prémio de permanência em função do crescimento real do
PIB. A opção foi diferenciar e proteger os pequenos aforradores", explicou
ao i.
NACIONALIZAÇÃO?
A divergência não
fica por aqui. Eurico Dias vê também perigos na entrada do Fundo de Garantia de
Depósitos na banca, como defende a proposta quando se refere à reestruturação
no sector bancário, que diz ser essencial que corra paralelamente a todo o
processo. "O que propõe é uma solução que desembocará na necessidade de
intervenção estatal. O Fundo de Garantia de Depósitos seria um dos principais
accionistas dos bancos. É uma autêntica nacionalização da banca", atirou
Eurico Dias que ainda rematou o raciocínio com a necessidade de ouvir o rival
do momento: "Qual é a opinião do Dr. António Costa?"
O economista do
PS que assina o documento afasta a ideia de nacionalização, dizendo que a
"entrada pública é temporária" e visa "proteger os
depositantes". Sobre o desafio a Costa, nem uma palavra. E ao i diz não
querer "misturar planos", mas Pedro Nuno Santos é um dos principais
apoiantes de António Costa e a ideia acaba por surgir em plena campanha interna
para as primárias que vão escolher o candidato do PS a primeiro-ministro. Contactada
pelo i, a candidatura de António Costa não se mostrou disponível para tomar uma
posição sobre o documento noticiado ontem. Um dos seus mais recentes apoiantes,
o ex-ministro das Finanças Campos e Cunha, já disse que o que foi proposto é
"absurdo".
O tema tem sido
contornado por António Costa que até aqui pouco de concreto disse sobre o
assunto. Recentemente, no programa "Quadratura do Círculo" admitiu
que a "questão está colocada em cima da mesa", enquanto Lobo Xavier
defendia que "a renegociação dos prazos da dívida é provável que
aconteça".
No caso de
António José Seguro, a posição tem sido a da defesa da mutualização da dívida. No
Conselho de Estado da semana passada, o secretário-geral do PS chegou a colocar
o tema da "renegociação" em cima da mesa. "O país tem um grave
problema que é o peso elevadíssimo dos juros da nossa dívida pública e isso
precisa obter uma resposta e uma resposta consensual", disse à saída da
reunião. Mas o comunicado do encontro de Belém não trazia uma linha sobre o
assunto. "O comunicado expressa aquilo que é consensual", disse
Seguro, deixando supor que a questão não obteve consenso no Conselho de Estado.
Uma revolução financeira
ANTÓNIO COSTA
D. ECONÓMICO
-9-7-2014
antonio.costa@economico.pt
Quatro
economistas, entre os quais Francisco Louçã, apresentaram "Um programa
sustentável para a reestruturação da dívida portuguesa", a primeira
proposta concreta sobre uma ideia que já estava no famoso ‘manifesto dos 74',
mas, desta vez, a coisa é para levar a sério.
Não é um rabisco
com fins partidários, é uma tese que mostra, se preciso fosse, o que está em
causa quando se fala em reestruturação de dívida pública de um país nas
condições de Portugal.
Francisco Louçã,
Ricardo Cabral, Eugénio Pires e Pedro Nuno Santos desenvolvem um exercício que
vale a pena ler com atenção. Seria, se os credores, todos os credores,
aceitassem, uma solução para resolvermos os nossos problemas e, está implícito,
uma oportunidade para voltarmos a ter uma década de aumento da despesa pública
para financiar o investimento público, como a que tivemos entre 2000 e 2009. Com
os resultados que se sabem...
Este programa de
reestruturação da dívida é claro nos propósitos, não é um plano mal-disfarçado
de não pagamento das dívidas que, durante anos, Portugal acumulou para suportar
um nível de vida que notoriamente não tinha condições para ter, nem para manter.
Era o ponto de partida do ‘manifesto dos 74'. Esta proposta é uma revolução
financeira de consequências imprevisíveis, do ponto de vista económico e
social. Mesmo que os credores aceitassem a proposta de redução de dívida, com
perdas, claro, através de alteração dos juros e dos prazos e do saneamento dos
passivos dos bancos. Por milagre, a dívida pública líquida passaria para 63% do
Produto Interno Bruto (PIB). E os custos anuais com juros diminuiriam de forma
significativa. Poderíamos, assim, manter o Estado que temos, sem reformas do
Estado. Pelo menos, tão cedo. Pelo meio, por causa das perdas dos bancos, o
Estado passaria a ser dono do sistema bancário. Qual é a dificuldade?
Além da
impossibilidade prática de negociar estas condições com os credores, uma
condição definida pelos subscritores desta tese, quando garantem que não querem
um perdão de dívida, mas uma negociação com os credores, não há uma resposta
ainda mais importante? E no dia seguinte?
Ninguém é poupado
à reestruturação da dívida pública, desde logo os pequenos aforradores que,
tantas vezes, aparecem como um grupo defendido por economistas na linha de
Louçã perante a voracidade fiscal do Governo. E teríamos de levar a estratégia
de ‘albanização' do país ao limite, porque a partir de um projecto de
reestruturação como este, não poderíamos voltar a ter défices. Porque não
haveria ninguém, simplesmente, a financiá-lo, nem externo, nem em Portugal. Qual
seria o português a investir, outra vez, em certificados de aforro? O Estado
social que dizem estar em causa seria testado de um dia para o outro. Se o
programa de ajustamento da ‘troika' era brusco, e precisávamos de mais tempo,
este seria um choque financeiro. E económico, e social.
O programa de
Louçã, Ricardo Cabral, Eugénio Pires e Pedro Nuno Santos - este último um
apoiante destacado, e próximo de António Costa na corrida ao poder no PS - tem
o mérito de nos confrontarmos com a realidade de uma reestruturação da dívida
pública feita nestes termos. Chegará para todos perceberem que a questão da
dívida será colocada, um dia, no quadro europeu, e não de forma voluntarista, e
suicida, a partir de Lisboa?
Não pagar metade da dívida? É
fácil: expropiam-se os bancos
José Manuel
Fernandes 8/7/2014, OBSERVADOR
Primeiro cobraram impostos até ao limite do tolerável. Quando o dinheiro
dos outros se acabou, endividaram-se. Agora chegou a altura de não quererem
pagar as dívidas. Gastar menos é que não é com eles
"Um programa
sustentável para a reestruturação da dívida portuguesa"
É bom saber ao
que vêm. É bom conhecermos os custos de uma reestruturação substancial da
dívida. É bom sabermos que tudo tem um preço – assim, ao menos, já não é
possível falar de soluções milagrosas.
Falo,
naturalmente, da proposta de quatro economistas – Francisco Louçã, ex-dirigente
do Bloco de Esquerda, Pedro Nuno Santos, deputado do PS e grande apoiante de
António Costa, o tal que disse estar-se “a marimbar para os credores”, Ricardo
Cabral, professor da Universidade da Madeira, e Eugénia Pires, uma estudante de
doutoramento ligada ao RMF, um think-thank anti-capitalista e à chamada
“Auditoria Cidadã à Dívida” – sobre sobre reestruturação da dívida.
À primeira vista,
tratar-se-ia de um milagre. O Público, entusiasmado, chama-lhe mesmo “um guião
para resolver o problema da dívida”. Pudera: a dívida seria cortada para
metade, e sem “haircut”, isto é, sem redução do montante em dívida. Tudo se
conseguiria apenas por via da redução dos juros e do dilatamento dos prazos de
pagamento.
É preciso ler as
letras pequeninas – no caso do Público, o segundo artigo dedicado ao tema –
para perceber como se processaria o “milagre”. E, naturalmente, quem pagaria a
factura. Mas vejamos, em linhas gerais, o que sucederia.
Primeiro, o
Estado declararia que só pagaria a dívida daqui por umas décadas, entre 2045 e
2054; depois, que baixaria os juros para 1%; por fim, em 2015 nem os juros
pagaria. Ninguém escaparia a estas medidas, com excepção dos fundos de pensões.
Isto é, seriam abrangidos todos os pequenos investidores que tivessem comprado,
por exemplo, certificados de aforro.
A consequência
desta medida seria, no plano interno, dramática para a banca, que titula grande
parte da nossa dívida pública. Para evitar o colapso de todo o sistema
financeiro, estes economistas têm uma proposta simples: nos bancos,
protegiam-se os depósitos até 100 mil euros (uma regra da União Europeia); tudo
o resto literalmente esta posto em causa. Por exemplo: “o valor nominal das
acções do banco seria reduzido a zero” – cito o Público –, o que significa que
os actuais accionistas, grandes ou pequenos, seriam na prática expropriados sem
indemnização. Quanto aos credores dos bancos, estes “perderiam a totalidade dos
seus títulos de dívida”. Os depositantes com mais de 100 mil euros –
depositantes que, no caso português, são muito diferentes dos depositantes da
banca cipriota – perderiam também um terço dos seus depósitos.
Juro que li duas
vezes o texto do Público, peguei depois no relatório propriamente dito,
esfreguei os olhos para ver se estava bem acordado, e concluí que sim, era
mesmo isso que estava lá: nacionalizar toda a banca (sem nunca usar esse nome)
e declarar bancarrota (no caso de todos os titulares de créditos sobre a
banca), e acreditar que tudo isto se faz sem instabilidade e sem ruptura no
financiamento do nosso Estado e da nossa economia. E sem provocar uma fuga de
capitais de dimensões homéricas.
Mas vejamos o que
nos sucederia com uma “reestruturação” da dívida neste moldes, deixando de lado
“pormenores” como a liquidação das pequenas poupanças de milhares de famílias –
todas as que investiram em certificados de aforro e em bilhetes do tesouro (não
é pouco: são mais de 12 mil milhões de euros), mais todas as que têm uma mão
cheia de acções dos bancos portugueses (sendo que o valor das restantes
empresas portuguesas cotadas também seria destruído), mais ainda todas as que
têm mais de 100 mil euros de poupanças nalgum banco. Ou “pormenores” como a
ideia de que os actuais accionistas dos bancos portugueses os recapitalizariam
depois de terem sido expropriados do valor das suas participações. Ou ainda
“pormenores” como a ideia de que continuaríamos dentro do Eurosistema depois de
termos declarado que mudávamos as regras de prazos e pagamentos das dívidas que
existem junto desse mesmo Eurosistema.
A primeira
consequência de um movimento deste género é que no minuto seguinte Portugal
perderia de novo acesso aos mercados da dívida pública: ninguém empresta a quem
não cumpre as regras de um empréstimo. Repare-se nisto só para tentar imaginar
como quem empresta ao Estado iria reagir: se eu, pequeno aforrador, tivesse
certificados de dívida pública que vencessem daqui por três ou quatro anos (e
recordemos que muitos desses pequenos aforradores são pessoas idosas), se a
proposta destes economistas fosse por diante só voltaria a ver o meu dinheiro
algures entre 2045 e 2054 e, até lá, pagar-me-iam um juro de apenas 1%. Acham
que depois disso eu voltaria a confiar no Estado português e a emprestar-lhe
dinheiro?
No caso do Estado
e das Administrações Públicas, a impossibilidade de aceder aos mercados
significaria que, de um dia para o outro, o défice público teria de ser
reduzido a zero – ou então teríamos de chamar de novo a troika, se é que alguma
troika aceitaria vir. Escusado será dizer que os “cortes” seriam muito mais
violentos do que tudo o que conhecemos até ao momento. Talvez começassem mesmo
por deixar salários e pensões por pagar.
No sector
privado, e na banca em particular, uma operação de denúncia das dívidas
existentes deixar-nos-ia também sem acesso a financiamentos externos, talvez
também a financiamentos internos. Seria a secura total, ficando a banca ainda
mais dependente do Eurosistema do que hoje está. Restaria saber se esse mesmo
Eurosistema continuaria a aceitar financiar-nos.
É fácil estar-se
“a marimbar para os credores” quando se tem um confortável lugar de deputado –
é impossível marimbar-se para os credores quando se quer manter a economia e o
Estado a funcionar, e nem um, nem outro funcionam sem crédito, sem
financiamento, quer por gerarem défices correntes, quer por necessitarem de
fazer investimentos.
Por isso é
necessário perceber o tipo de motivações que está por detrás destas tentativas
de não pagar, pelo menos em parte, as dívidas que se foram acumulando nas
últimas décadas. A primeira de todas é a recusa em aceitar a necessidade de
profundas reformas capazes de adaptar o país – a sua economia, o seu Estado, os
seus compromissos com despesas sociais crescentes – à economia do século XXI. O
segundo é a ideia de que há sempre dinheiro nalgum lugar para pagar políticas
públicas cada vez mais exigentes e sorvedouras de recursos.
Durante muitas
décadas os socialistas de todas as latitudes acharam que não havia limites para
as suas políticas redistributivas enquanto fosse possível cobrar mais e mais
impostos. Quando o dinheiro dos outros acabou, passaram a fazer dívida,
acreditando no milagre do crescimento futuro. Quando o crescimento não veio e
as dívidas se tornaram incomportáveis, passaram a falar em não pagar as
dívidas. É nessa fase que estamos. Nunca lhes ocorreu que, pura e simplesmente,
era necessário mudar de vida. Qualquer mudança de vida foi sempre apresentada
como uma recusa da própria democracia.
O ponto de um
debate construtivo – e não de mais uma fuga em frente, sem olhar bem às
consequências, como sucederia no caso das propostas deste “relatório” – terá
sempre de ser outro. É possível pensar em processos de renegociação da dívida –
que eu mesmo já defendi –, mas isso terá sempre de implicar três condições. A
primeira, e mais importante, é que se faça o trabalho de casa em cada país, um
trabalho de casa feito de reformas que Portugal, contra ventos e marés, lá tem
vindo a fazer, como ainda agora acaba de demonstrar o mais recente relatório da
OCDE, mas que está longe de concluir. A segunda é que uma renegociação é uma
negociação, logo deve ser discreta – como foi a que, apesar de tudo, foi feita
em 2013 ainda por Vítor Gaspar – e não pode ser um processo virtualmente
unilateral, como parece resultar do que se conhece desta proposta. Por fim é
essencial que tanto o Estado como o sector privado possam continuar a aceder ao
mercado da dívida, algo só possível se houver confiança, e confiança é o
contrário de reestruturações que, no fundo, são incumprimentos.
PS. Pedro Nuno
Santos, um dos subscritores deste relatório, é também um destacado apoiante de
António Costa. Era bom por isso que Costa dissesse o que pensa das propostas do
seu fogoso acólito.
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