domingo, 6 de julho de 2014

A estranha história da concessão do Eleven.A empresa que ganhou a concessão do restaurante Eleven só se registou nas Finanças na véspera do concurso. Os documentos oficiais que apresentou para concorrer desapareceram dos processos camarários.




Câmara entregou concessão de restaurante Eleven a empresa sem atividade no setor
6/7/2014, 22:00
A empresa que ganhou a concessão do restaurante Eleven só se registou nas Finanças na véspera do concurso. Os documentos oficiais que apresentou para concorrer desapareceram dos processos camarários.
ANA CASTANHO /  OBSERVADOR.

A concessão daquele que veio a ser o restaurante Eleven, um estabelecimento de luxo inaugurado em 2004 no Jardim do Alto do Parque Eduardo VII, foi entregue, em 2001, a uma sociedade que se registou nas Finanças na véspera do concurso e que nunca tinha tido qualquer atividade, não satisfazendo assim uma das condições que era exigida para participar na hasta pública lançada em 1999.

De acordo com uma investigação de José António Cerejo no jornal Público, a concessão foi atribuída à sociedade Estalagem de Monsaraz Ldª (EM Ldª), uma firma pertencente a dois dos irmãos de João Alberto Correia, um arquiteto que foi nomeado gerente da EM Ldª três dias antes da realização da hasta pública. João Alberto Correia era filho de João Rosado Correira, antigo ministro socialista e ex-Grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, falecido em 2002. O arquiteto, e também maçon, ocupou o cargo de diretor-geral de Infra-estruturas e Equipamentos do Ministério da Administração Interna até fevereiro deste ano e encontra-se preso desde o início de maio, por suspeitas de corrupção relacionadas com as funções que desempenhava até se ter demitido.

O programa da hasta pública foi publicado no Boletim Municipal em junho de 1999 e elencava os documentos necessários para apresentar uma candidatura à concessão do restaurante (era obrigatório apresentar um “documento comprovativo da entrega da Declaração de rendimentos”), bem como os critérios a ter em conta na seleção do concessionário. De acordo com o programa, a adjudicação seria feita à proposta mais vantajosa, que seria escolhida em função de cinco critérios: “integração do projeto no parque; garantias oferecidas pelos concorrentes em relação à boa execução e qualidade técnica do projeto; experiência na exploração de “equipamentos congéneres”; prazo da execução; e preço proposto”.

Os documentos que a EM Ldª terá apresentado para concorrer desapareceram dos processos camarários. O Público consultou um dos processos e comprovou que a prova de entrega da declaração de IRC, já que se tratava de uma empresa, não foi apresentada. A declaração de início de atividade da EM Ldª foi entregue às Finanças na véspera do concurso, pelo que a empresa também não poderia ter entregue a declaração de IRC. Questionada sobre o paradeiro desta e outras peças do processo, como as declarações de inexistência de dívidas às Finanças e a certidão do registo comercial da firma, a resposta do Departamento de Comunicação da Câmara Municipal de Lisboa ao Público foi clara: “Esses documentos não foram encontrados, ninguém sabe onde é que eles estão”.

A proposta da EM Ldª acabou por ser a vencedora. Mas se os critérios tivessem sido respeitados, a empresa vencedora nem teria sido admitida a concurso. Porquê? O programa impunha que o futuro concessionário tivesse já alguma experiência na área da restauração. Ora, a EM Ldª não tinha qualquer experiência no setor e não apresentava “garantias de boa execução” e de “qualidade de construção” de equipamentos semelhantes.

Além da EM Ldª, concorreram dois empresários implantados no setor da restauração em Lisboa, que apresentaram todos os documentos exigidos. Alfredo de Jesus, na altura dirigente da associação empresarial do ramo (ARESP), e que era proprietário de uma rede de pastelarias e restaurantes, e Abílio Fernandes, o então dono de restaurantes como a Lagosta Real e a Gamba d’Ouro. “Cheguei a preparar uma queixa-crime contra a câmara, mas depois aconselharam-me a não me meter nisso porque havia política no caso”, recordou Abílio Fernandes, citado pelo Público. Para o empresário “houve ali fretes e compadrios” que o deixaram “muito incomodado com a situação”. Na altura, e ainda antes de considerar a hipótese da queixa-crime, Abílio apresentou uma reclamação à Câmara. Uma reclamação que também desapareceu dos arquivos camarários.

A EM Ldª, que se tornou na atual Eleven SA, foi criada em 1991 por João Correia e pelo empresário José Conchinha com o nome Reguengos Hotel Ldª e tinha por objetivo a construção de um hotel. O projeto acabaria por ser abandonado e a sociedade não chegou a iniciar atividade. Em 1993 a empresa mudou a sua designação para Estalagem de Monsaraz Ldª (EM Ldª). De acordo com uma escritura do Cartório Notarial de Portel, à qual o Público teve acesso, José Conchinha vendeu a sua quota da empresa a um irmão de João Correia e este vendeu a sua a uma irmã. Ao jornalista do Público, José Conchinha desmentiu a venda da sua parte da empresa. “Eu nunca vendi quota nenhuma, não conheço o irmão do senhor João Correia de parte nenhuma e nunca entrei no Cartório de Portel”, garantiu.


Em 2001, depois de ter sido entregue a adjudicação provisória da hasta à EM Ldª, João Correira comprou as quotas dos irmãos e tornou-se o único proprietário da empresa. Em 2002, a adjudicação é ratificada pela maioria PS/PSD e a sociedade é transformada em sociedade anónima, ficando como acionistas, além do próprio João Correia, o advogado José Miguel Júdice e mais nove sócios, entre os quais o industrial Américo Amorim. A empresa propôs abrir o restaurante dez meses depois da aprovação do projeto mas tal só aconteceu em novembro de 2004, mais de dois anos depois da data da ratificação. Em 2007 a EM Ldª mudou a sua denominação para Eleven – Restauração e Catering SA.

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