quinta-feira, 8 de maio de 2014

Turistas dos três cruzeiros só gastaram 500 mil euros


Turistas dos três cruzeiros só gastaram 500 mil euros
Por Marta F. Reis
publicado em 8 Maio 2014 / in (jornal) i online

Rede Multibanco estima que turistas terão gasto 500 mil euros e não um milhão como era esperado. Na ruas de Sintra e Lisboa, comerciantes concluem que não foi a loucura que se esperava
No dia da enchente de cruzeiros no Tejo, Américo Santos pegou em 30 euros conseguidos em dois dias de trabalho e foi de excursão para Santarém com a namorada. "Já me disseram que não rendeu nada. Vinham todos de ténis", não se lamenta por aí além o engraxador de 60 anos, desde os oito nas ruas da capital e ontem de volta ao posto no Rossio. "Dia bom com barcos só me lembro de uma vez que parou aí um navio da marinha americana. Um militar que mais parecia um bezerro grande deu-me três contos e meio para lhe tratar das botas. Os turistas é mais ténis e chinelos, tirando alguns ingleses."

Ontem na Baixa lisboeta encontravam-se argumentos de todo o tipo para o que os comerciantes resumem a um dia de "muita parra e pouca uva" ou, nos melhores casos como na chapelaria Azevedo Rua, de "movimento habitual". Nas televisões ouviram falar da chegada inédita de seis barcos ao terminal de Santa Apolónia na terça-feira, 18 mil turistas prontos a largar um milhão de euros na economia local. Embora já seja hábito terem afixado horários com a hora de chegada e partida de navios, o dia carregado de promessas foi uma decepção: os turistas lá apareceram mas o negócio não foi melhor que o do fim-de-semana.

Enquanto uns desfiam as mágoas da economia, outros confiam que alguém terá colhido os frutos: Sintra e Cascais é o palpite mais comum, outros admitem que viram as esplanadas cheias. De porta em porta, contudo, a expressão é sempre a mesma: não foi nada de especial.

Se o dia não correu particularmente bem aos engraxadores (uns metros abaixo Manuel Santos corrobora que 90% andava de ténis), não foi melhor para as restantes vendas de rua. Irene tem um carrinho de gelados e se é verdade que os estrangeiros são os únicos que ainda escolhem livremente do cartaz da Olá - as mães e pais portugueses traçam uma linha invisível depois dos cornetos e só deixam os filhos escolher dali para baixo - terça-feira as vendas não subiram.

Muntasbano, à frente de um quiosque na praça do Rossio onde a câmara só a deixa vender tabaco, imprensa e postais, conta que os únicos pedidos que aumentaram foi por indicações, serviço pro bono que não ajuda a pagar a concessão. Filipa Gaspar, que herdou o carro de morangos do sogro, não precisa de recuar muito para ter melhores memórias: um dia bom foi o 1º de Maio. "Pararam poucos autocarros no centro. Se é para isso que é o terminal de Santa Apolónia, para os ir buscar aos barcos e levar para fora não nos serve de nada", critica.

Na Joalheiros - Ferreira Marques & Filhos, a ourivesaria conhecida pelos anéis de noivado de James Bond, Filipe Marques não desdenha o impacto dos barcos e arrisca uma conta na calculadora: se traziam um milhão, calhou-lhes um quinhão de zero vírgula qualquer coisa por cento. "Entraram uns 15 e três levaram peças de filigrana, o artigo mais procurado por turistas" A questão do turismo em Lisboa é complexa e quem está no negócio aprende que mais vale não falar muito, começa. Mas vai dando umas pistas: tudo depende dos guias e dos sítios onde deixam os turistas. Comissões "fantásticas" por esse serviço é como as bruxas: "que as há, há, onde não sei."

"PARA INGLÊS VER"
 Na rua Augusta, as esplanadas vão enchendo para a hora de almoço. Na terça-feira começaram a encher mais cedo, cortesia dos cruzeiros que atracaram pelas 9h. "Só isso", diz Paulo Jorge, funcionário da casa Brasileira. De poucas palavras, diz que enquanto "não se investir a sério", os turistas não consomem. Começava por deixarem-no pôr uma cobertura na esplanada, para ficar mais acolhedor. "Não sei onde estiveram os 18 mil, aqui não foi."

Na Casa Macário, as notícias até levaram a escalar mais um funcionário. Foram seis ao balcão, a servir para provar Porto com 20 anos e a embrulhar garrafas de cinco euros. "Tanto barulho que fizeram sobre cruzeiros, foi para inglês ver", dizem os gerentes da mercearia centenária. "Fizemos menos que no sábado só com dois cruzeiros", resumem, acusando os governantes que foram apertar a mão aos comandantes de "propaganda pré-eleitoral". Para o negócio, os melhores turistas são os russos e chineses, que não vinham nos barcos onde dominavam ingleses e australianos e sobretudo turistas seniores. "A terceira idade compra menos", concluem, outra explicação comum para o "flop". "Depende muito dos barcos, quantidade não é sinónimo de mais vendas", remata Miguel Abreu, sócio da Casa da Cerâmica, de souvenirs. Com oferta para todos os gostos, o galo de Barcelos continua a ser o item mais vendido e terça-feira não foi excepção. "Foi um dia normal, mais para o menos." Bertolino Simões Nunes, encarregado da pastelaria Suíça, é o mais optimista e garante que o aumento de movimento foi "notório" e que mesmo quando é bom, é da natureza do comerciante não ficar satisfeito. "Não imagino o que seria a nossa cidade sem os barcos", declara. "Há só um pequeno pormenor", diz como quem domina os cantos a uma casa que se estende Rossio fora. "Passam-se horas e não vemos passar um polícia. Há cada vez menos policiamento quando todos os dias há assaltos. Os turistas queixam-se da insegurança e com razão. Até aqui na esplanada são roubados." E sem carteira, acabam por ter de fazer fiado. "Fazemos queixa mas não sei se dá em alguma coisa, pelo menos continua a haver roubos diários por isso não deve ser uma pena dissuasora."

SORTE GRANDE EM SINTRA?
Como foi um dos palpites, arriscamos um salto a Sintra. "Aqui só tivemos dois grupos", diz Tiago de Gonçalves, ao balcão da casa Vidi, uma das lojas de artesanato mais antigas da vila. "Os barcos pesam 5% na indústria do turismo, nunca é nada excepcional. A única diferença é que compram mais cerâmica", resume. Pela "boa publicidade" que teve o desembarque histórico, estavam à espera de mais afluência. "Ficaram em Lisboa ou se calhar foram para Fátima", admite.

Na pastelaria Piriquita, famosa pelos travesseiros, o dia também não deixa lembrança. "Reforçaram a equipa de 30 funcionários com mais dois, mas não valeu a pena. "Via-se gente na rua mas não foi a loucura de que estávamos à espera, foi muito mais fraco que o sábado e domingo." Dias memoráveis para a família que gere o negócio são os que levaram Brad Pitt ou Mick Jagger em Sintra e fizeram a casa rebentar pelas costuras. "Pensamos que se terão focado mais no vinho", dizem-nos.

No Cantinho Gourmet, garrafeira no centro histórico da vila, João Paulo não está com meias medidas. "Os barcos são uma bodega para os vinhos, muitos nem deixam os turistas entrar com garrafas. Para mais na época dos cruzeiros de terceira idade, que muitas vezes já não consegue andar carregada." Nesta casa, terça foi até ver o dia mais fraco do mês.


Em dia de balanço, não foram só os comerciantes a rever em baixo as estimativas iniciais. A rede Multibanco anunciou que em comparação com o mesmo dia no ano passado, os viajantes terão deixado 500 mil euros em Portugal, dois terços em pagamentos com cartão e o resto em levantamentos.

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