Ricardo Salgado vai deixar a presidência executiva do BES por imposição do
Banco de Portugal (BdP), soube o SOL. Depois de forçar mudanças profundas no
grupo, que implicaram assumir prejuízos que não estavam registados nas contas e
clarificar as relações entre sociedades da família Espírito Santo, o supervisor
pressionou o gestor a deixar o cargo, como passo final da reestruturação. A
saída vai ocorrer em breve e pode começar a ser discutida já na
assembleia-geral de 5 de Maio.
por João Madeira
in SOL online
Crise e troika obrigaram bancos
portugueses a limpar as contas
CRISTINA FERREIRA
05/05/2014 - PÚBLICO
Só entre 2011 e 2013, os quatro maiores bancos, o CGD, BCP, BES e BPI,
somaram prejuízos no valor global de 5116 milhões de euros.
Em Junho de 2011
quando os responsáveis da troika aterraram no aeroporto da Portela, em Lisboa,
para aplicar o programa de assistência internacional, já a banca portuguesa
estava em pleno ajustamento cumprindo as novas regras impostas por Bruxelas ao
sistema financeiro europeu, depois da crise anglo-saxónica ter chegado ao
continente europeu e contaminado a moeda única.
Qualquer análise
à evolução do sector bancário nos últimos três anos não se pode, portanto,
circunscrever à intervenção da troika, ainda que o memorando de entendimento
assinado com o Estado português tenha incorporado o tema financeiro. Mas parte
substancial do plano de reestruturação da banca, nomeadamente dos quatro
maiores bancos (CGD, BCP, BES, BPI, Santander Totta e Banif) começou em
2010/2011, com a resposta da União Europeia à crise internacional que incluiu
um pacote restritivo que obrigou o Banco Central Europeu (BCE) a rever as suas
práticas de regulação e de vigilância. Medidas que abrangeram todos os países
debaixo, ou não, de programas de ajuda externa.
O período de
permanência da missão externa em Portugal coincidiu com a criação da União
Bancária Europeia (UBE) que está a mudar os alicerces do sistema financeiro. Ao
longo de 2014 no quadro da supervisão que vai passar a ser feita pelo BCE (um
dos pilares da UBE), os grandes bancos europeus vão estar sujeitos a novos
processos de avaliação mais completos, nomeadamente, destinados a aferir a
qualidade dos seus activos. O governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos
Costa, já veio assegurar que quer a entidade que lidera, quer as bancos que
supervisiona, “não estão impreparados para fazer face ao processo que se vai
iniciar com a união bancária”.
Assim, quando em
Junho os delegados da troika se desviarem do Terreiro do Paço, os bancos
portugueses deverão, em princípio, apresentar balanços mais limpos e
indicadores mais fortes: menos imparidades e menos activos tóxicos, menor grau
de endividamento e capitais mais robustos. Um bom sinal para os clientes e
contribuintes dado que o risco de colapso a adversidades inesperadas é agora
menor.
Já do ponto de
vista dos accionistas, nos próximos anos, é expectável que o sector continue,
por força das medidas de reestruturação, a apresentar-se menos lucrativo. Entre
2011 e 2013, só os quatro maiores bancos (CGD, BCP, BES e BPI) somaram
prejuízos no valor global de 5116 milhões de euros. O pior caso foi o BCP que,
em três anos, já soma perdas de 2746 milhões de euros, seguindo-se o banco do
Estado, com 1459 milhões.
Por isso, é
provável que daqui em diante o grande desafio dos banqueiros seja o de, a
partir de contas saneadas, reporem as anteriores condições de rentabilidade
para remunerar os seus investidores e atrair novos.
Banca "mais
sólida"
Para o economista
António Nogueira Leite, ex-vice-presidente da CGD, o pedido de ajuda ao FMI, UE
e BCE “trouxe auditorias especiais e análises circunstanciadas em cada visita”
da missão a Portugal e coincidiu “com os esforços europeus e internacionais de ter
uma banca mais sólida”. E, nesse sentido, ajudou a que “o sistema esteja hoje
mais capitalizado, com uma supervisão muito mais atenta e actuante e os piores
excessos do passado estejam longe de ter voltado”.
Fonte oficial do
BCP, através de email, considerou que “a ajuda externa foi fundamental para
assegurar a estabilidade do financiamento da banca e permitir acomodar os
efeitos da degradação do rating aquando da alteração abrupta das condições
financeiras”, lembrando que a banca portuguesa “ ajustou os seus balanços e
também a sua estrutura, para se adequar a um novo ciclo económico.”
Mas o memorando
assinado com a troika veio, em parte, enquadrar os termos europeus do
ajustamento bancário. Desde logo impondo aos grupos considerados de risco
sistémico (cujo colapso tem efeito de contaminação) a redução de custos. O que
levou ao encerramento, entre Dezembro de 2010 e de 2013, de 650 balcões e à
diminuição de 10% dos efectivos, com especial ênfase para os bancos que pediram
ajuda pública: o BCP, o BPI, e o Banif. A CGD, de capitais públicos, assumiu
também o compromisso de promover a saída de 900 colaboradores mas, tal como fez
o BPI, por via de reformas antecipadas.
O quadro de
pessoal, nos três anos em causa, registou um rombo de 4250 funcionários (o que
foi negociado vai implicar a saída de mais 1500]. Fernando Ulrich, CEO do BPI,
afirmou mesmo: "Choca-me que, numa altura em que a taxa de desemprego é
tão elevada, que a contrapartida da ajuda pública aos bancos seja a redução de
custos com redução de efectivos.”
Em simultâneo, no
mesmo período, a banca procedeu a um movimento de reforço dos seus capitais a
uma escala inédita. A CGD, o BCP, o BPI, o BES e o Banif promoveram operações
superiores a 8,5 mil milhões de euros. Mas esta tendência tinha começado mesmo
antes da entrada da troika, quando o BdP subiu os rácios de capital (que medem
a solidez da instituição) dos 6% recomendados em 2008, antes do colapso do
Lehman Brothers, para 8%, 9% e 10% progressivamente. E quando em Junho de 2011
os técnicos internacionais chegaram a Lisboa, já a média do sector tinha um
rácio core tier 1 de 11,5%, acima dos 9% fixados no memorando de entendimento. Em
2012 a
entidade bancária europeia (EBA, na sigla em inglês) avançou comum novo limite
de 9%, mas agora critérios diferentes dos do BdP.
Esta
quinta-feira, o presidente da Associação de Bancos Portugueses, Fernando Faria
de Oliveira, em declarações à Lusa afirmou que “o rácio core tier 1 está neste
momento nos 12,5%, acima dos 10% exigidos [pelo BdP]”. E sublinhou ainda que “a
adequação dos balanços das instituições à sua realidade patrimonial levou a um
forte provisionamento e ao registo de importantes imparidades”.
De Junho de 2011
até Março deste ano, a análise do risco aos activos dos 8 maiores grupos (CGD,
BCP, BES, BPI, Santander Totta, Banif, Montepio Geral e Caixa de Crédito
Agrícola Mútuo), sujeitos de três em três meses a inspecções, ditou uma
necessidade de reforço de provisões superior a 7,5 mil milhões de euros. Ou
seja: cerca de 5% do PIB nacional de 2013.
A análise do
risco aos activos da banca, sujeita de três em três meses a testes, obrigou as
instituições a reportarem elevadas imparidades, ainda que, segundo tem
declarado Carlos Costa, “estas não reflictam a sua actividade actual, mas a
qualidade do crédito do passado (anterior a 2008).”Para além do crédito mal
parado resultante da recessão económica, que atingiu em particular as pequenas
e médias empresas, os bancos sofreram com decisões erradas tomadas pelas
instituições e pelos banqueiros antes de 2009.
As regras
europeias de reconhecimento da dívida
pública em carteira a preços de mercado
(que obrigaram os bancos nacionais a reforçarem os capitais em mais de 3,7 mil
milhões) e as transferências dos fundos de pensões da banca para o regime geral
de segurança social público tiveram impacto negativo nas contas dos últimos
exercícios. Já a reestruturação da dívida da Grécia, com corte de 65% da dívida
nas mãos dos investidores privados, traduziu-se em mais perdas mas apenas para
dois bancos. No BPI a exposição à dívida grega levou a perdas de 339 milhões de
euros e no BCP a 346 milhões de euros.
“A perda de
acesso aos mercados de capitais na fase inicial do ajustamento, com a descida
dos ratings (que, por sua vez, resultou de um efeito de contágio da descida do
rating soberano) e os impactos da forte recessão vivida nos últimos anos na
economia portuguesa”, foram dificuldades do pós troika, lembra Carlos Andrade,
director do BES. Adianta que “os sectores não transaccionáveis sofreram o
impacto do processo de ajustamento da economia portuguesa”, mas também “o forte
aumento do desemprego” o que “criou, naturalmente, dificuldades, aos bancos com
uma deterioração da qualidade do crédito (aumento do crédito vencido e em
risco)”
Por seu turno, o
BCP observou que “o efeito de rumores constantes de saída do euro e a pressão
implícita nos recursos obrigou os bancos a focarem-se na retenção dos mesmos e
numa política transparente e coordenada com as autoridades para que em Portugal
não se registassem evoluções semelhantes às da Irlanda, da Grécia, do Chipre e
até de Espanha, e que foram devastadoras”.
A “correcção dos
desequilíbrios da economia portuguesa”, por via de um programa de austeridade,
que “condicionou a actividade económica”, acabou por se reflectir “na redução
do negócio bancário e no aumento do crédito em risco.” Houve ainda o efeito na
actividade da evolução da taxa Euribor que em dois anos caiu de 5% para quase
0%.
Foi num contexto
que o tema da recapitalização da banca concentrou o debate nos meses que se
seguiram à entrada da troika. Só que a discussão espelhava a preocupação dos
banqueiros relacionada com os seus accionistas, muitos com excesso de exposição
às próprias instituições. E apelos a mais injecções de fundos, num cenário de
falta de liquidez, não seriam aceites.
A situação ajuda
a compreender por que razão no acordo assinado com a missão externa se incluiu
uma tranche, correspondente a 15,4% do pacote financeiro de apoio ao Estado
português [78 mil milhões de euros], para capitalizar a banca ou via
empréstimos de capital contingente (os CoCos) ou pela entrada directa do
Estado.
Dos 12 mil
milhões de euros (que se manterão activos depois da saída da troika) foram
usados até agora 5,6 mil milhões de euros. O BCP pediu emprestados 3 mil
milhões e o BPI 1,5 mil milhões mas, após ter começado logo a pagar, já
solicitou este ano a antecipação da liquidação da dívida total. O Banif recebeu
1,1 milhões de euros, 700 milhões por entrada do Estado no capital e 400
milhões emprestados (Cocos).
O BES que não
pôde financiara-se junto da linha de 12 mil milhões (apenas a sociedade
controladora, ESFG, o podia fazer) foi levantar fundos ao mercado da ordem dos
2 mil milhões. Já a CGD, pelo facto de estar impedida de aceder ao fundo, o
Estado fez aumentos directos de capital no valor de 900 milões, para compensar
os prejuízos gerado pela operação em Espanha. Em Março deste ano, o BCP, o BPI,
o Banif e a CGD contabilizaram encargos e juros de quase 700 milhões de euros.
Embora o tema
“não seja exclusivo do sector bancário português”, afirma o director do BES,
por email, “após a crise económica e financeira global, e com as respostas de
regulamentação e supervisão a esta crise, os bancos tenderão, em todas as
economias, a enfrentar maiores desafios no que respeita à rentabilidade, no
sentido em que a actividade bancária tenderá a concentrar-se em actividades
mais “core”, ou mais básicas”.
Hoje, os bancos
portugueses estão presentes num número muito menor de empresas. A instituição
financeira do Estado, por exemplo, vendeu 80% do negócio dos seguros aos
chineses da Fosun, e desfez-se também dos activos que detinha na área da saúde,
além de ter alienado posições como a que detinha na Cimpor. Já o BES, que tem
sido alvo de várias inspecções do BdP (que abrangem a ESFG, que já foi este ano
obrigada a constituir imparidades de 700 milhões) saiu do capital da EDP, mas
manteve-se na PT, acompanhando o aumento de capital que faz parte da fusão com
a brasileira Oi.
No programa da
troika, extra pacote europeu, consta ainda a orientação de desalavancagem
(redução do endividamento das instituições) para um rácio de créditos sobre
depósitos de 120% (os bancos só podem conceder de crédito mais 20% do que têm
em depósitos). Os banqueiros chamaram a atenção para o facto de tender a
acentuar o quadro recessivo, pois levaria à contracção do crédito, com impacto
na economia (sobretudo nas PME). Segundo Faria de Oliveira o rácio médio do
sector já está nos 117%. No caso do BPI está já caiu para 96%.
No BCP o rácio de
crédito sobre depósitos passou de 145% em 2011 para 117% em 2013. “Procuramos
encontrar um equilíbrio entre a desalavancagem e a manutenção de financiamento
à economia, o que implicou grande rigor e responsabilidade na afectação de
recursos escassos, selecção na exposição e reforço de mecanismos alternativos
de financiamento”, explicou o banco liderado por Nuno Amado.
“Ainda com muitos
riscos e com dificuldade em atrair novos accionistas, o sector bancário tem
prosseguido o seu ajustamento gradual: mais capitalizado, com balanços
avaliados a preços crescentemente mais próximos da realidade e com critérios de
análise de risco mais prudentes, a evolução do sector superou largamente as
piores expectativas de meados de 2011” ,
concluiu Nogueira Leite.
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