EDITORIAL
A vós, que ides votar – e pagar o
que falta
DIRECÇÃO EDITORIAL/ PÚBLICO 05/05/2014 -
Passos dirigiu-se aos portugueses, agradecendo-lhes a “saída limpa”. A Europa vigia e o voto está à porta.
No discurso onde
ontem Passos Coelho anunciou ao país a “saída limpa” do Programa do
Assistência, as palavras que mais sobressaem, confiando nas tais “nuvens” que
um algoritmo permite fabricar, são “foi” (repetida 15 vezes), “portugueses”
(14) e “mais” (13). A primeira surge sobretudo pela explicação do passado, a
segunda pela escolha do interlocutor privilegiado (não o país, não a Europa,
mas os portugueses no seu todo) e a terceira pelas promessas do que aí, confia
ele, virá: “mais e melhores empregos”, “mais oportunidades”, “mais sólidas e
sustentáveis”, etc. E isto com uma voz “mais credível e respeitada” na Europa e
no mundo. Foi um cenário de alívio, que Passos não teve pejo em comparar à
libertação de há 40 anos, afirmando “que o 17 de Maio de 2014 ficará na nossa
história como um dia de homenagem a todos os Portugueses [assim mesmo, com
maiúscula] porque sem o esforço de todos não teria sido possível chegar até
aqui.” E foi o público agradecimento pela austeridade carregada nos últimos
três anos e que trouxe, como a oposição teimou em recordar, desemprego,
emigração, fome e desesperança.
Só que o
primeiro-ministro acentuou a palavra “foi” para lembrar aos “portugueses” a
palavra “mais”. E para que, na contemplação desse “mais” lhe dêem o benefício
da dúvida depois de “vencida” a dívida, passe o trocadilho. Até porque a dívida
continua por pagar, sob o olhar da Europa. Os que agora irão a votos são os
mesmos que continuarão a pagá-la, da forma que o Governo entender “mais amiga”
(palavras de Passos) do desenvolvimento económico. O presente, como se vê,
sorri ao Governo. Há 10 mil milhões nos cofres (darão para um ano, em termos de
tesouraria), juros baixos e alguma acalmia na crise do euro. Mas como o futuro
é feito de imponderáveis, nada garante que tudo isto se mantenha. Passos
acredita que sim. Por isso dirige-se a quem paga, pedindo nas entrelinhas o seu
voto.
Saímos sem muletas mas a coxear
Por Eduardo
Oliveira Silva
publicado em 5
Maio 2014 in
(jornal) i online
É provável que a troika exija ainda compromissos claros para nos dar nota
positiva na última avaliação
Depois de três
semanas altamente atribuladas em que o governo se baralhou, desdisse e mentiu
sucessivamente aos portugueses, a quem tinha prometido não aumentar mais
impostos, Passos Coelho surgiu ontem a anunciar o que se previa: uma saída
limpa, ou seja directamente para os mercados, sem recurso a qualquer programa
cautelar.
Já há três meses
que neste espaço de editorial se tinha referido taxativamente que a solução
seria essa, desde logo porque a Europa queria. De facto, poucos seriam os
países dispostos a avalizar nova ajuda a Portugal em vésperas de eleições
europeias e depois de terem também imposto uma saída directa à Irlanda.
Além disso, há
hoje condições de liquidez nos mercados e pontos de instabilidade em zonas do
mundo que deixaram de ser confiáveis, permitindo que mesmo os países europeus
mais frágeis (como Portugal e a Grécia) voltassem a ser atractivos para os
investidores, designadamente os institucionais.
Simultaneamente,
o governo decidiu criar uma almofada financeira de qualquer coisa como 15 mil
milhões de euros, o que constitui um pé-de-meia relativamente confortável para
evitar perturbações excessivas se porventura os mercados voltarem a dar sinais
negativos. Tratou-se de uma opção aceitável do ponto de vista político, mas
duvidosa no plano financeiro uma vez que se foi comprar dinheiro que fica
parado a juros bastante acima de 4,5% (sexta-feira já tinham descido para
3,57%), custando aos portugueses a brutalidade de 400 milhões de euros por ano.
Independentemente
desta leitura factual e com aspectos negativos que o primeiro-ministro fez
questão de omitir, a verdade é que Passos Coelho cumpriu com o que lhe foi
exigido veementemente pela troika e pela Alemanha, permitindo que Portugal faça
hoje boa figura.
O problema de
fundo, porém, mantém-se e é certo que vamos continuar a ter a troika à perna,
agora já não de forma tão óbvia, mas actuando como um credor de primeira linha
que certamente nos quererá amarrar a compromissos para os próximos meses, antes
de nos dar nota positiva na última avaliação.
Estruturalmente
muito do que estava mal em 2008 e em 2011 quando este governo chegou continua
sem ter sido resolvido. Não houve nem haverá antes de legislativas qualquer
reforma do Estado ao contrário do que Paulo Portas anunciou mais de uma dúzia
de vezes como algo de iminente que iria modernizar decisivamente o país.
Nada disso
aconteceu. As melhorias verificadas nas contas públicas foram obtidas à conta
de cortes em salários, do aumento do desemprego, da diminuição das pensões, do
fecho ou paralisação de serviços essenciais, além de aumentos de impostos
absolutamente esmagadores.
Em substância
pouco ou nada mudou na organização do país. Portugal só aparentemente está mais
forte. Por isso, não é certo que o passo em frente, dado ontem, afaste de vez a
hipótese de se dar uns quantos para trás dentro de alguns meses, na sequência
de uma eventual mudança de conjuntura internacional. Esperemos
patrioticamente que não.
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