domingo, 4 de maio de 2014

Portugal vai continuar sob vigilância dos credores externos até pagar o essencial dos empréstimos / OPINIÃO …E se o BCE não agir?!


Portugal vai continuar sob vigilância dos credores externos até pagar o essencial dos empréstimos
ISABEL ARRIAGA E CUNHA (Bruxelas) 04/05/2014 - PÚBLICO
Ministra das Finanças vai a Bruxelas esta segunda-feira para comunicar formalmente a decisão portuguesa ao Eurogrupo.

A decisão do Governo de sair do programa de ajuda externa pelo seu próprio pé e sem o apoio de qualquer rede de segurança da zona euro vai ser formalmente comunicada esta segunda-feira pela ministra das finanças, Maria Luís Albuquerque, aos seus parceiros da zona euro.

 Esta opção por uma saída dita “limpa” do programa não constitui qualquer surpresa para os restantes países do euro, que já a davam como praticamente adquirida desde há várias semanas. Neste contexto, os ministros dos 18 países deverão congratular-se com o facto de o segundo país sob ajuda externa se dispor a regressar ao mercado da dívida para assegurar o seu financiamento depois de três anos de ajuda externa europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Com esta decisão, o Governo seguiu os passos da Irlanda, que em Dezembro operou o que decidiu chamar uma “saída limpa” do programa de ajuda.

Há já várias semanas que os países do euro assumiram que Portugal abdicaria da possibilidade de pedir um programa “cautelar”, uma linha de crédito a ser usada caso o país não conseguisse levantar dinheiro suficiente para se financiar no mercado. Esta opção foi durante muto tempo defendida pela ministra das finanças, pelo presidente da República, Cavaco Silva, e pelo Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.

A vantagem do programa cautelar seria proteger o país de uma eventual volatilidade excessiva nos mercados financeiros que impedissem o seu financiamento. Por enquanto este problema não se coloca, porque Portugal tem em caixa dinheiro suficiente para se financiar até Março de 2015. Em caso de problema, no entanto, o país poderá sempre e a qualquer momento pedir um programa cautelar, que o obrigará a assumir um novo programa de ajustamento económico e financeiro, embora mais ligeiro que o actual. Esta “condicionalidade” macroeconómica constituía a segunda grande vantagem para os defensores de um programa cautelar porque amarraria qualquer Governo durante dois anos com a continuação da disciplina orçamental dos últimos três anos.

A partir da saída do programa de ajuda externa, prevista para 17 de Maio mas que só ficará totalmente concluída em Junho, Portugal terá de todos os modos de manter a trajectória de redução do défice  orçamental e da dívida pública e prosseguir as reformas da economia com que se comprometeu. Este processo será vigiado pela Comissão Europeia ao abrigo das regras europeias, ou seja, o pacto de estabilidade do euro completado pelos novos procedimentos de “governação económica” adoptadas pelos Governos europeus durante a crise do euro.

Com a saída do programa de ajuda, igualmente, o país continuará a ser vigiado de perto pelos credores externos, embora a um ritmo semestral em substituição das actuais missões trimestrais que vigoraram desde Maio de 2011. Esta vigilância orçamental, económica e financeira tem como objectivo garantir que o país dispõe do dinheiro necessário no orçamento de Estado para assegurar o reembolso dos empréstimos europeus e os respectivos juros. Estas missões prosseguirão até que 75% dos empréstimos de um dos três fundos que garantiram um terço (26 mil milhões de euros) do montante total – o EFSM, garantido pelo orçamento da União Europeia – tenham sido reembolsados.

No caso do outro fundo (EFSF, garantido pelos Governos do euro, que foi substituído pelo novo mecanismo europeu de estabilidade ESM), que forneceu outro terço da ajuda, a vigilância prosseguirá até ao reembolso da totalidade dos empréstimos. Os prazos de reembolso de todos os empréstimos europeus têm uma duração média de 22 anos.

Já o FMI, que forneceu o último terço dos empréstimos, tem como regra manter a vigilância sobre os países ajudados enquanto a respectiva dívida pública estiver acima de 200% da sua quota no fundo, embora possa decidir flexibilizar a regra.



OPINIÃO
…E se o BCE não agir?!
JOÃO FERREIRA DA CRUZ 05/05/2014 - PÚBLICO
De Março a Abril, a inflação na zona euro registou uma ligeira subida, de 0,5% para 0,7%. Ou seja, a zona euro continua com níveis de inflação muito abaixo do objectivo do BCE (quase 2%). Apesar de reduzido, o risco de deflação persiste, o que não deixa de potenciar a estagnação da economia. Draghi tem afirmado que o BCE tomará decisões para evitar inflação demasiado baixa por um período muito prolongado. O que fará? Possivelmente, nova descida da taxa de juro de referência (0,25%, hoje), ou cedência ilimitada de liquidez aos bancos, ou compra de títulos de dívida no mercado secundário. Para esta semana, aguardemos pelas decisões do BCE, pressionado a agir para manter a estabilidade dos preços após quatro meses seguidos de inflação abaixo de 1%. Convém lembrar que o Bundesbank limitará sempre qualquer acção mais heterodoxa. É nesta conjuntura que se compreende a euforia em torno das obrigações soberanas dos países do Sul. As yield das obrigações atingem mínimos históricos ou estão nessa vizinhança, quer nas operações sindicadas da Grécia, quer nos leilões, da Irlanda, Itália e mais recentemente na colocação de dívida portuguesa e espanhola. Portugal até pode ver facilitada a “saída limpa”. O que torna sedutoras as afirmações de que a crise do euro acabou, que os sacrifícios valeram a pena e que as yield baixam prenunciando investimento e crescimento. Tentações enganadoras, que se desfazem num piparote, pelo efeito da bola de neve. Com preços a cair, adiam-se decisões de compra, na expectativa que desçam ainda mais, a procura cai, a oferta retrai-se, aumentam stocks, diminui a produção, reduz-se a actividade, os salários também e aumentam os desempregados. A “aritmética cruel” da deflação é implacável, deverá ser combatida antes de acontecer, sob pena de reacender a crise da dívida soberana.


Economista

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