Portugal já cumpriu o Protocolo
de Quioto
RICARDO GARCIA
10/05/2014 - PÚBLICO
Emissões de CO2 aumentaram 19%, quando podiam ter subido até 27%.
Portugal cumpriu
o Protocolo de Quioto, o acordo internacional de 1997 que obrigava os países
desenvolvidos a limitarem a libertação de gases com efeito de estufa. Numa
trajectória de altos e baixos, o país chegou a 2012 com emissões bem abaixo da
meta que lhe cabia, segundo o mais recente inventário que Portugal entregou ao
secretariado da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações
Climáticas e que fecha o primeiro ciclo de Quioto.
As indústrias,
automóveis, aterros sanitários, campos agrícolas e outras actividades no país
não podiam lançar mais do que 382 milhões de toneladas de dióxido de carbono
(CO2) para o ar, na soma dos cinco anos entre 2008 e 2012. Os valores ficaram,
porém, em 362 milhões de toneladas. Se daí for descontado o CO2 que foi
absorvido pelas florestas e o efeito das transformações do uso do solo, as
contas são ainda mais favoráveis: 283 milhões de toneladas.
O Protocolo de
Quioto tinha fixado uma meta de 8% de redução das emissões de CO2 para a União
Europeia em 2008-2012, em relação a 1990. Este esforço foi repartido entre os
Estados-membros. Com uma economia ainda menos desenvolvida, a Portugal foi
permitido que aumentasse em 27% as suas emissões. De acordo com os últimos
dados, o aumento ficou-se pelos 19%, sem contar o efeito das florestas.
Os valores são ainda
preliminares. Os definitivos estavam a ser concluídos esta sexta-feira e vão
agora ser entregues às Nações Unidas. Até ao Outono serão alvo de revisão e só
então será oficialmente declarado que o país de facto passou no teste de
Quioto. A União Europeia, como um todo, também cumprirá o Protocolo.
A evolução das
emissões de CO2 no país não foi linear. Subiram vertiginosamente na década de
1990, à medida em que o país se desenvolvia e os portugueses passavam a andar
cada vez mais de automóvel. Na última década, foi o contrário: caíram. E nos
últimos anos a crise contribuiu ainda mais para a redução das emissões – 12%
entre 2008 e 2012.
O secretário de
Estado do Ambiente, Paulo Lemos, diz que a estagnação da economia não é o
factor central. “A tendência de decréscimo vem desde 2005. Não duvido que haja
um efeito da crise mais recente, mas há o efeito de políticas como a das
renováveis, da eficiência energética, da fiscalidade automóvel”, afirma.
O sector da
electricidade é o que mais contribuiu para redução de emissões. Fruto da crise
e da eficiência energética, em 2012
a produção eléctrica foi praticamente igual à de 2005,
segundo dados da Direcção-Geral de Energia e Geologia. Mas as chaminés das
centrais térmicas libertaram um terço a menos (-33%) de CO2. Os parques eólicos
e as barragens assumiram maior protagonismo.
Na indústria
houve também uma queda acentuada. As emissões do uso da energia nas fábricas
subiram de 9,6 milhões de toneladas de CO2 em 1990 para 10,6 milhões em 2005. Depois,
começaram a cair, chegando a 2012 com 7,4 milhões – menos 30% do que em 2005.
Paulo Lemos
acredita que parte desta tendência resulta do Comércio Europeu de Licenças de
Emissões – o sistema lançado na UE em 2005 que fixa quotas anuais de CO2 para
cada unidade industrial. Como mercado, o sistema até agora tem falhado, pois há
excesso de licenças de emissões e o preço do carbono caiu a níveis irrisórios,
sem funcionar como incentivo à redução do CO2. Mas terá obrigado as empresas a
pensar no carbono a longo prazo. “A indústria já assumiu a questão do CO2 como
um factor de competitividade”, afirma o secretário de Estado.
Nos transportes,
o cenário é diferente. As emissões dos automóveis duplicaram entre 1990 e 2005.
Desde então também têm caído, mas a um ritmo menor. Em 2012 eram 14% mais
baixas do que em 2005. Com isso, os transportes rodoviários passaram a ser o
sector que mais liberta CO2 em Portugal, ultrapassando o da produção eléctrica.
“Poderia ter sido
melhor se tivéssemos feitos opções que não fizemos”, avalia Francisco Ferreira,
da associação ambientalista Quercus. O país, diz Ferreira, preferiu investir em
auto-estradas e não olhou como devia ser para o transporte de mercadorias. “Portugal
precisa de um programa a sério de mobilidade sustentável”, reclama.
Francisco
Ferreira considera que o cumprimento de Quioto “é uma boa notícia” mas alerta
para o facto de parte do sucesso dever-se a políticas lançadas há mais de dez
anos e que agora estão ser alteradas ou mesmo paradas. O principal exemplo é o
dos incentivos às energias renováveis, que foram substancialmente reduzidos. “O
nosso medo é que esta paragem tenha repercussões no futuro”, alerta o dirigente da Quercus.
A UE já assumiu o
objectivo de diminuir em 80% as suas emissões de carbono até 2050 e está agora
a discutir uma redução de 40% já para 2030. E até 2020, Portugal tem de
garantir que 31% de toda a energia utilizada no país é de fonte renovável.
O presidente da
Associação de Energias Renováveis (Apren), António Sá da Costa, diz que só a
electricidade verde não é suficiente para se chegar lá. De toda a energia
consumida no país, 38% estão nos transportes e 34% nas necessidades de
aquecimento e arrefecimento de casas, estabelecimentos comerciais e indústria.
O uso de painéis
solares para aquecer água, por exemplo, é uma das áreas que não estão a
avançar. “São medidas que estão esquecidas e estão a ficar para trás”, afirma
Sá da Costa. E mesmo o que está em vigor deixa a desejar, como a
obrigatoriedade de painéis solares em edifícios novos. “E o que é que há de
edifícios novos?”, questiona o presidente da Apren. “Esta medida não tem efeito
prático”, completa.
Apesar da “saída
limpa” dos compromissos de Quioto, há sinais de que as emissões possam voltar a
subir. A quantidade CO2 resultante apenas da queima de combustíveis fósseis –
petroléo, carvão e gás natural – aumentou 3,6% em 2013, segundo dados do
Eurostat divulgados quarta-feira. Esta subida estará associada aos sinais de
retoma do segundo semeste.
O secretário de
Estado do Ambiente diz, no entanto, que estes dados são ainda provisórios e
apenas cobrem parte das emissões de CO2 do país. Quando as contas de 2013
estiverem feitas – em 2015 – “nada nos indica que o total não continue a
diminuir”, refere Paulo Lemos.
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