Sociedade Aberta
Paulo Ferreira
Acabou a emergência, falta a inteligência
PAULO FERREIRA in
DE online
Sem o
acompanhamento permanente, a tutela e a pressão da ‘troika’ vamos ter
capacidade para desenhar e colocar no terreno as medidas difíceis que continuam
a ser necessárias? É isso que vamos verificar nos próximos meses.
Chegámos então à
dita "saída limpa". Isso quer dizer que o "trabalho sujo"
dos últimos três anos foi bem feito - e quem quer que estivesse no Governo
teria que o fazer com poucos graus de liberdade; era isso ou uma sucessão de
memorandos para garantir que no mês seguinte continuaríamos a ter dinheiro para
pagar salários e pensões, como se vê na Grécia.
Sofremos uma
série de cortes cegos, "à bruta", com objectivos quase exclusivamente
contabilísticos - escrevo "quase" porque alguns têm uma bondade
própria, como os das rendas das energias e das auto-estradas, para dar dois
exemplos.
Foi o momento da
emergência. Agora, para que tudo isto tenho algum sentido, é preciso passar à
fase da inteligência. Vamos tê-la? E vamos manter a coragem política - que este
Governo tem indubitavelmente, goste-se ou não dele, das suas medidas e da forma
como têm sido executadas e explicadas - que continua a ser necessária? Mais:
sem o acompanhamento permanente, a tutela e a pressão da ‘troika' vamos ter
capacidade para desenhar e colocar no terreno as medidas difíceis que continuam
a ser necessárias? É isso que vamos verificar nos próximos meses.
A agenda que se
segue deveria passar por três pontos essenciais:
1 - Libertar o país do Estado ineficiente e pouco
produtivo.
Ainda há muita
falta de racionalidade em várias áreas do Estado. Entidades que não fazem
sentido, metade do Estado a trabalhar para a outra metade, papéis a mais,
processos com um desenho do tempo do "papel selado", demasiada
transpiração e pouca inspiração. A reforma do Estado ainda está por fazer e
terá de passar por uma política de gestão de pessoas que promova o prémio do
mérito a quem o tem. Esse é um respeito que é devido aos contribuintes, uma vez
que os desperdícios do Estado são pagos com os impostos de todos.
2 - Libertar o Estado dos interesses corporativos
e privados que se sentam à mesa do orçamento.
O que se passou
com algumas parcerias-público privadas, com as célebres rendas da energia, com
benefícios fiscais que se mantêm para grandes grupos económicos sabe-se lá
porquê e com a desgraça que foi o suposto desenvolvimento baseado no betão e na
construção civil, serviram essencialmente para transferir milhares de milhões
de dinheiro dos contribuintes para empresas privadas. O mesmo se passa com as
consultadorias de gestão, fiscais, informáticas ou legais que o Estado paga a
peso de ouro. E também a captura que muitas corporações profissionais fazem da
máquina e dinheiros públicos em áreas como a Justiça ou a Saúde. Não há país
para alimentar tanta gente, tão bem paga e tão pouco escrutinada.
3 - Libertar consumidores e empresas dos abusos de
monopólios e de posições dominantes em vários sectores.
Energia cara,
combustíveis caros, telecomunicações caras, portagens caras, contratos leoninos
entre a grande distribuição e os seus fornecedores... Os accionistas e gestores
são sempre muito liberais quando falam do Estado e do sector do vizinho. Mas
quando toca à própria empresa, tudo fazem para evitar a concorrência e para
abusar das posições dominantes que mantêm. A asfixia de muitas PME não acontece
apenas pela carga fiscal e burocrática. Muitos fornecimentos de serviços
básicos são feitos também com uma transferência ilegítima de recursos para os
"grandes".
Pois é, esta é a
agenda difícil, que não se resolve num Conselho de Ministros com mais um
aumento do IVA. É a agenda que pode mexer a sério com interesses instalados e
muito bem organizados. Tão bem organizados que ajudaram a trazer o país ao
ponto em que estamos. Mas sem ela tudo isto poderá ter sido em vão.
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