quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

O Cinema Londres está morto mas não faltam ideias para lhe dar uma nova vida


O Cinema Londres está morto mas não faltam ideias para lhe dar uma nova vida
INÊS BOAVENTURA 06/02/2014 – in Público
Num debate promovido pelos comerciantes da zona de Alvalade, falou-se na criação de um pólo cultural associado a um negócio âncora, como um café, um restaurante, escritórios, uma incubadora de empresas ou um salão de bowling.

Mais de 50 pessoas juntaram-se à volta de uma mesa para discutir o futuro do Cinema Londres, na Avenida de Roma, em Lisboa. Depois de emitirem a certidão de óbito do espaço, e de concordarem que este não poderá voltar a ser o que um dia foi, os participantes no debate foram praticamente unânimes em defender que ainda não é tempo de “atirar a toalha ao chão” e que é possível criar um pólo cultural que contribua para estancar a “decadência” de Alvalade.

O encontro aconteceu quarta-feira à noite, na pastelaria Mexicana, e prolongou-se por cerca de duas horas. Ao longo desse tempo, mais de duas dezenas de pessoas, muitas delas residentes ou trabalhadoras na zona, recordaram com nostalgia o Cinema Londres de outros tempos e lançaram ideias alternativas à anunciada transformação do espaço numa loja de venda de produtos chineses.

No início do debate houve quem acusasse o Movimento de Comerciantes da Avenida Guerra Junqueiro, Praça de Londres e Avenida de Roma, que se tem batido contra essa transformação, de falta de “pragmatismo” e quem antecipasse que só “um empresário maluco” estaria disposto a pegar no espaço. Mas com o avançar da noite, foram-se ouvindo propostas concretas para uma possível nova vida do imóvel na Avenida de Roma, que fechou as portas no início de 2013.

“Estou absolutamente convencido de que não pode voltar a ser o Cinema Londres, porque já não lá estão as coisas e porque um modelo daquele tipo não tem razão de ser hoje em dia. Mas isso não significa que não possa haver um cinema de rua”, afirmou Carlos Moura-Carvalho. O porta-voz do movimento de comerciantes notou que “os cinemas pequenos, de bairro, existem cada vez mais pela Europa fora, geridos por cooperativas, associações ou empresas, e com um negócio âncora agregado”.

E que negócio pode ser esse? “Um café, restaurante ou um escritório de co-working”, sugeriu Carlos Moura-Carvalho, acrescentando que sem essa âncora “é impossível viabilizar o negócio, nem que surja o maior dos mecenas”. Para este comerciante, um cinema que venha a substituir o Londres terá de apostar em nichos de mercado, como o dos filmes europeus, dos documentários ou das reposições.

Vários dos intervenientes na discussão mostraram concordar com a ideia da existência de uma valência além da cultural e lançaram ideias para discussão. Houve quem sugerisse a instalação de um pólo da incubadora de empresas Start Up Lisboa, de um espaço onde as pessoas se pudessem encontrar, comer e beber (à semelhança do Mercado de Campo de Ourique) ou um regresso às origens do espaço, com a criação de um salão de bowling.

“O projecto tem de ser eminentemente cultural. Tem de manter a raiz de sala de cinema e os outros aspectos têm de ser complementares, senão é descaracterizar”, alertou a escritora Lídia Jorge. Já o produtor cinematográfico Fernando Centeio e a actriz Sofia de Portugal garantiram que a esse novo espaço não faltariam conteúdos para exibição nem público.

“Existe muita produção portuguesa que não chega a ver a luz do dia. Há uma lacuna de espaços”, disse o produtor, acrescentando que esse é um problema com que se debate cada vez que termina um projecto. “Não há falta de público. Temos é falta de espaços, por exemplo para teatro infantil”, corroborou Sofia de Portugal.

A actriz, moradora em Alvalade, defendeu que o Londres deve transformar-se “num ponto cultural, de encontro, com componente comercial ou não” e manifestou a “esperança” de que ainda seja possível travar a perda de “mais um” cinema nesta zona de Lisboa. Já Elsa Barata, da histórica livraria com o mesmo nome, apontou a hipótese de numa “sala polivalente”, aberta ao cinema, ao teatro, à música e a actividades para crianças, e de um café com espaço para tertúlias.

Neste debate não estiveram presentes os proprietário do Cinema Londres nem os seus actuais arrendatários. “Se quiserem chegar a bom porto vão ter de ter uma relação com o proprietário. É importante manterem uma relação boa”, rematou a directora geral da Eastbanc Portugal (que no ano passado abriu a Embaixada, no Príncipe Real), Catarina Lopes.

Fundador lamenta fim do "melhor cinema de Lisboa"

José Manuel Castello Lopes, o homem que criou com o seu irmão Gérard o Cinema Londres, não esconde a tristeza que sente ao ver aquilo em que se transformou “o melhor cinema de Lisboa”. “Até me custa passar ali ao pé. Foi uma coisa muito bonita”, disse no debate que se realizou quarta-feira, confessando que lhe era muito difícil estar ali, a “assistir ao fim de uma ilusão”.

Para José Manuel Castello Lopes o Londres, inaugurado em 1972, foi “uma aventura”, que nasceu de uma obra que recorda ter sido muito difícil pela necessidade de encaixar “um cinema, um restaurante e um pub num espaço tão esquisito”. Nas suas palavras não foram esquecidas as míticas cadeiras do cinema, de que se lembrarão todos os que lá se sentaram. Segundo conta, foram fabricadas em Portugal, a partir de um modelo que trouxe no seu carro desde França.

“Era um cinema extraordinário, único em Lisboa”, diz, recordando que “a Avenida de Roma era quase mais importante do que a Avenida da Liberdade”. “Quando abriu foi uma grande alegria, era o melhor cinema de Lisboa, com uma programação fora de série e assim andou durante quase 40 anos”, conta José Manuel Castello Lopes.  

“O antigo cinema Londres morreu. Não há nada a fazer, acabou”, disse ainda, acrescentando que “só um milionário” poderia voltar a fazer dele o que um dia foi. Ainda assim, José Manuel Castello Lopes admitiu que “talvez” seja possível “adaptar a área a outra coisa” na área do cinema, com a ajuda de “alguns beneméritos”.  

Sobre essa morte de que fala com pesar o fundador do cinema, João Appleton sublinhou que ela “não pode ser vista isoladamente”, devendo ser entendida como um sinal da “decadência” que ameaça Alvalade. O arquitecto, que é também residente no bairro, criticou a existência de “uma certa desarticulação entre os senhorios e os comerciantes” e deixou o aviso de que “uma loja de chineses vai desvalorizar as lojas à volta e no longo prazo acaba por ser prejudicial para o senhorio”.

“É o sintoma de uma certa decadência”, confirmou a investigadora universitária Sandra Marques Pereira, para quem o novo Londres “deve ser pensado como um motor de desenvolvimento desta zona”.

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