quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Recuperar a credibilidade


Recuperar a credibilidade
Por Luís Rosa
publicado em 7 Fev 2014 in (jornal) i online

É positiva a proactividade do Banco de Portugal ao pressionar o BES e os restantes bancos. Hoje compreende-se melhor porque José Maria Ricciardi se recusou a dar um voto de confiança a Ricardo Salgado como presidente do BES
João Rendeiro apresentou uma espécie de autobiografia em Novembro de 2008 verdadeiramente antológica. Quando já sabia que o seu Banco Privado Português, especialista em gestão de fortunas, estava falido, Rendeiro não teve pudor em apresentar-se numa obra que contava a "história de quem venceu nos mercados", segundo o próprio. Não só foi derrotado, como também não foi uma vítima da crise financeira iniciada com a falência do Lehman Brothers. Passados cinco anos e poucos meses após a longínqua apresentação livreira, João Rendeiro já foi condenado pelo Banco de Portugal e pela CMVM a multas milionárias, vai ser julgado pela justiça por suspeitas de crimes de burla e inventou uma nova abordagem: passou de "vencedor" a vítima dos clientes gananciosos que lhe entregaram a gestão do seu dinheiro.

A história de João Rendeiro, homem que chegou a ter um poder bastante superior à importância financeira do BPP, é um bom exemplo de como os banqueiros perderam a aura dos poderosos intocáveis. Se a confiança do cidadão comum no sector financeiro ficou seriamente abalada com a gestão irresponsável de Oliveira Costa no BPN, o caso de Rendeiro prova que a seriedade que é creditada à alta finança pode não existir.

É neste contexto de crise de credibilidade da banca, a que acrescem as críticas da população aos empréstimos do Estado aos bancos, que o trabalho do Banco de Portugal (BdP) ganha especial relevância. Atacado de forma fundamentada durante anos por inacção durante o caso BPN, o BdP mudou completamente a sua visão da supervisão bancária e, seguindo as directrizes do Banco Central Europeu, tem-se mostrado muito mais proactivo e fiscalizador. A acção do governador Carlos Costa tem assumido particular importância - acção essa que, por ser obrigatoriamente discreta, provavelmente nunca será devidamente premiada.

Nos últimos três anos, o prejuízo total de BCP, BPI, Banif e BES atingiu cerca de 4,2 mil milhões de euros. Porventura noutra altura, o BdP teria aliviado a pressão sobre a banca, mas Carlos Costa decidiu, e bem, apertar ainda mais a supervisão, obrigando os bancos a reforçar as imparidades e a auditar directamente os grupos económicos que têm dívidas relevantes aos bancos. É uma proactividade saudável que só reforça a confiança e a credibilidade do sistema.

O caso do BES assume aqui especial importância. Não só pela importância histórica da família Espírito Santo, mas também pela auditoria específica que o BdP ordenou à holding Espírito Santo International, sedeada no Luxemburgo. Quando um jornal com a credibilidade do "Wall Street Journal" critica a "ginástica financeira do BES" e levanta dúvidas sobre a avaliação dos activos inscritos no balanço, quando o "Jornal de Negócios" diz que uma holding do BES contabiliza participações sociais quatro vezes acima do valor de mercado, a atenção do BdP redobra. Os resultados do último trimestre de 2013 do BES ganham por isso especial importância. Assim, como se compreende melhor hoje a razão pela qual José Maria Ricciardi se recusou a dar um voto de confiança a Ricardo Salgado como presidente do BES. O "único banqueiro português", como era apelidado recentemente de forma bajuladora pelo "Jornal de Negócios", vai viver dias difíceis até ao final do mandato em 2015.


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