Recuperar a credibilidade
Por Luís Rosa
publicado em 7 Fev 2014 in (jornal) i online
É positiva a proactividade do Banco de Portugal ao
pressionar o BES e os restantes bancos. Hoje compreende-se melhor porque José
Maria Ricciardi se recusou a dar um voto de confiança a Ricardo Salgado como
presidente do BES
João Rendeiro apresentou uma espécie de autobiografia em
Novembro de 2008 verdadeiramente antológica. Quando já sabia que o seu Banco
Privado Português, especialista em gestão de fortunas, estava falido, Rendeiro
não teve pudor em apresentar-se numa obra que contava a "história de quem
venceu nos mercados", segundo o próprio. Não só foi derrotado, como também
não foi uma vítima da crise financeira iniciada com a falência do Lehman
Brothers. Passados cinco anos e poucos meses após a longínqua apresentação
livreira, João Rendeiro já foi condenado pelo Banco de Portugal e pela CMVM a
multas milionárias, vai ser julgado pela justiça por suspeitas de crimes de
burla e inventou uma nova abordagem: passou de "vencedor" a vítima
dos clientes gananciosos que lhe entregaram a gestão do seu dinheiro.
A história de João Rendeiro, homem que chegou a ter um poder
bastante superior à importância financeira do BPP, é um bom exemplo de como os
banqueiros perderam a aura dos poderosos intocáveis. Se a confiança do cidadão
comum no sector financeiro ficou seriamente abalada com a gestão irresponsável
de Oliveira Costa no BPN, o caso de Rendeiro prova que a seriedade que é
creditada à alta finança pode não existir.
É neste contexto de crise de credibilidade da banca, a que
acrescem as críticas da população aos empréstimos do Estado aos bancos, que o
trabalho do Banco de Portugal (BdP) ganha especial relevância. Atacado de forma
fundamentada durante anos por inacção durante o caso BPN, o BdP mudou
completamente a sua visão da supervisão bancária e, seguindo as directrizes do
Banco Central Europeu, tem-se mostrado muito mais proactivo e fiscalizador. A
acção do governador Carlos Costa tem assumido particular importância - acção
essa que, por ser obrigatoriamente discreta, provavelmente nunca será
devidamente premiada.
Nos últimos três anos, o prejuízo total de BCP, BPI, Banif e
BES atingiu cerca de 4,2 mil milhões de euros. Porventura noutra altura, o BdP
teria aliviado a pressão sobre a banca, mas Carlos Costa decidiu, e bem,
apertar ainda mais a supervisão, obrigando os bancos a reforçar as imparidades
e a auditar directamente os grupos económicos que têm dívidas relevantes aos
bancos. É uma proactividade saudável que só reforça a confiança e a
credibilidade do sistema.
O caso do BES assume aqui especial importância. Não só pela
importância histórica da família Espírito Santo, mas também pela auditoria
específica que o BdP ordenou à holding Espírito Santo International, sedeada no
Luxemburgo. Quando um jornal com a credibilidade do "Wall Street
Journal" critica a "ginástica financeira do BES" e levanta
dúvidas sobre a avaliação dos activos inscritos no balanço, quando o
"Jornal de Negócios" diz que uma holding do BES contabiliza
participações sociais quatro vezes acima do valor de mercado, a atenção do BdP
redobra. Os resultados do último trimestre de 2013 do BES ganham por isso
especial importância. Assim, como se compreende melhor hoje a razão pela qual
José Maria Ricciardi se recusou a dar um voto de confiança a Ricardo Salgado
como presidente do BES. O "único banqueiro português", como era
apelidado recentemente de forma bajuladora pelo "Jornal de Negócios",
vai viver dias difíceis até ao final do mandato em 2015.
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