quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Colecção Miró ainda está em Londres e Parvalorem espera contacto da leiloeira. A colecção Miró é um tesouro? OPINIÃO por Isabel Salema.Pacheco Pereira diz que governo venderia qualquer património cultural para saldar a dívida.


Colecção Miró ainda está em Londres e Parvalorem espera contacto da leiloeira
CLÁUDIA CARVALHO 07/02/2014 – in Público
Governo espera pelo regresso das obras para poder iniciar um novo processo de alienação. Procuradora-geral da República defende que as obras devem ficar em Portugal.
Depois de ter anulado a venda das 85 obras de Joan Miró, herdadas pelo Estado aquando da nacionalização do Banco Português de Negócios (BPN), a Christie’s continua com a colecção na sua posse, sem ter feito ainda um contacto formal com a Parvolorem ou o com o Governo Português.

Ainda é prematuro falar sobre a realização de um novo leilão desta colecção quando a Christie’s e a Parvalorem (sociedade criada no âmbito do Ministério das Finanças para recuperar créditos do BPN e assim proprietária das obras) ainda não falaram formalmente sobre o que realmente aconteceu esta semana. Ao PÚBLICO, Francisco Nogueira Leite, presidente do conselho de administração da Parvalorem, explicou que o contacto por parte da Christie’s “é indispensável para as partes acordarem a evolução e a solução” para este “problema”.

Apesar destas obras não terem chegado a ser vendidas, a Chrisitie’s manteve o leilão The Art of Surreal agendado, levando à praça outras peças – motivo que ocupou a leiloeira nestes últimos dois dias. Espera-se agora que a leiloeira internacional, que já mostrou vontade em marcar um novo leilão, entre em contacto com a Parvalorem. Até agora, existiu apenas um “contacto verbal” entre os advogados de ambas as partes terça-feira, dia em que a Christie’s cancelou a venda por falta de segurança, depois de conhecidas as ilegalidades no processo de expedição das obras.

No momento em que a venda foi anulada, as obras foram retiradas de vista e guardadas, mantendo-se até hoje à guarda da Christie’s. Estarão embaladas em segurança nas instalações da leiloeira. Esta é uma questão que, para o presidente da Parvalorem, tem de ser “imediatamente resolvida”. O objectivo é que as obras regressem a Portugal para que depois se inicie então um novo processo de alienação – desta vez seguindo todos os procedimentos legais.

Ainda anteontem, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho garantiu que a decisão está tomada e que a venda desta colecção que percorre a vida artística do catalão é a única possibilidade para este Governo. A manutenção destas obras em Portugal não é nem será uma hipótese. A menos que o Tribunal impeça a sua venda, uma vez que correm ainda duas providências cautelares no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TACL).

Esta foi aliás a vontade demonstrada pela procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, em entrevista à RTP1, onde defendeu que esta colecção é “um acervo que não deve sair do património cultural do país”. E justificou as duas acções até agora interpostas pelo Ministério Público (MP) como uma “obrigação” deste organismo.

As duas acções foram apresentadas no início desta semana, segunda e terça-feira, na sequência da iniciativa lançada por cinco deputados do PS, entre eles a ex-ministra da Cultura do governo socialista, Gabriela Canavilhas. A primeira pretendia impedir a venda dos quadros no leilão – tendo dado luz verde à venda mas detectado ilegalidades no processo – e a segunda visa directamente a ministra das Finanças, o secretário de Estado da Cultura e a própria Christie’s, alegadamente responsáveis pelas ilegalidades no processo que permitiu a saída das obras do nosso país.

O facto de a juíza do TACL, Guida Jorge, não ter deferido a primeira providência cautelar – decisão que, no entanto, não viabilizou na prática a venda das obras, já que a Christie’s decidiu retirá-las do leilão –, não significa que o processo tenha ficado concluído.

Joana Marques Vidal explicou, na RTP, que “as providências cautelares são procedimentos jurídicos que antecedem uma acção principal”. E admitiu mesmo como “natural” que o MP venha a interpor novas acções, "tanto num caso como no outro”.

Em última análise, o objectivo do MP, notou a procuradora-geral da República, é que o tribunal, pelos seus meios próprios, evite a saída do país de um património cultural que foi avaliado pela Christie’s em 35 milhões de euros.

Apesar destes dois processos, Francisco Nogueira Leite garante que “em matéria de responsabilidades a Parvalorem está confortável”, defendendo-se novamente com o contrato celebrado com a leiloeira, no qual terá ficado acordado que seria esta a tratar de todas as diligências para a realização do leilão. O responsável da Parvalorem não põe no entanto em causa do trabalho da Christie’s, lembrando que se trata de uma leiloeira prestigiada e cumpridora.


Sobre o possível pagamento de uma indemnização à Christie’s pelo cancelamento da venda, Nogueira Leite garantiu que o pagamento desta não está previsto, uma vez que foi a própria leiloeira a cancelar o processo.


OPINIÃO
A colecção Miró é um tesouro?
ISABEL SALEMA 06/02/2014 in Público

Quando os 85 Mirós voltarem a Portugal, qualquer que seja o destino posterior a dar-lhes, o que o Estado e as sociedades suas proprietárias podem fazer é uma exposição temporária com a agora famosa colecção.

Não será difícil contratar a empresa Everything is New, que já mostrou no passado interesse no assunto e em quem a Secretaria de Estado da Cultura confia agora para organizar as suas exposições mais importantes no Museu Nacional de Arte Antiga, como a do Prado, que está nas Janelas Verdes neste momento.

Será o momento ideal para todos (o país) avaliarmos a colecção Miró, o que aparentemente foi um processo que a Direcção-Geral do Património Cultural não conseguiu levar até ao fim. Aqui vale também a pena perguntar porque é que os Mirós saíram sem que se desse por isso (o tribunal não conseguiu apurar a data de saída), talvez porque consciente ou inconscientemente se previsse que o país pudesse descobrir os Mirós e ficasse deliciado a olhar para eles. É para estes casos que serve a Lei de Bases do Património Cultural, que com os atropelos do Crivelli e deste agora pode estar seriamente em causa. Começa também a perceber-se porque é que Isabel Cordeiro terá saído da Direcção-Geral do Património Cultural, alegando divergências profundas com a tutela.

Por esta altura já não é preciso explicar que Joan Miró é um dos mais importantes pintores do século XX. O que talvez valha a pena também perguntar é: na história de arte portuguesa alguma vez houve uma oportunidade como esta, de ficar com uma colecção de 85 obras que provavelmente fazem um núcleo com imenso potencial museológico em qualquer parte do mundo? A resposta é não. Não temos sido especialmente expeditos a identificar tesouros ao longo da história. As nossas colecções de pintura não são particularmente ricas porque, ao contrário do que se tem escrito, sempre pensámos assim. Quanto aos directores dos museus quererem os Mirós nas suas colecções, é para isso que servem os museus, para guardar coisas valiosas e que custam muito dinheiro - o Hieronymus Bosch do Museu de Arte Antiga valerá centenas de milhões.


O que estamos a discutir é se daqui a 500 anos a colecção Miró não será tão património nacional como as Tentações de Santo Antão de Bosch ou o Mosteiro dos Jerónimos. A Direcção-Geral do Património Cultural tem agora de levar o processo até ao fim e determinar se a colecção deverá ou não ser classificada como património nacional. Só depois o primeiro-ministro e o secretário de Estado da Cultura poderão tomar a decisão política de vender a colecção.

Pacheco Pereira diz que governo venderia qualquer património cultural para saldar a dívida
Por Beatriz Silva
publicado em 6 Fev 2014 in (jornal) i online
Após a polémica da venda ilegal dos quadros de Miró, Pacheco Pereira diz que governo opera em ilegalidade

“É uma mistura de má fé, engano e muita incompetência e agora há custos dessa incompetência”, considerou José Pacheco Pereira, sobre a venda dos quadros de Miró. Na passada quarta-feira, o Ministério Público avançou com uma nova providência cautelar no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa. Esta segunda providência cautelar baseou-se na ilegalidade da saída das obras do pintor de Portugal.

A colecção Miró é o principal activo artístico do ex-BPN. Em 2012, os quadros na posse da Parvalorem tinham um valor de balanço de 62,4 milhões de euros. Descontada a perda, o valor líquido dos activos desce para 36,2 milhões de euros, em linha com a base de licitação fixada para o leilão das obras de Miró. No entanto, em 2012, a Parvalorem só tinha 68 obras. As restantes estavam em sociedades participadas. O valor de 36 milhões, diz o relatório da Parvalorem, foi "apurado a partir da média ponderada entre preços de referência definidos por avaliadores internacionais independentes e propostas de compra recebidas".

No comentário semanal da SIC Notícias, “Quadratura do Ciclo”, o militante do PSD afirmou que o governo “está a trabalhar na ilegalidade.” “Compreendo que o governo tenha tomado a decisão de os Vender. O que não é compreensível é o modo como isto acontece.”

“Tenho a certeza de que fariam o mesmo a qualquer património cultural. Não me admira que vendessem o Mosteiro dos Jerónimos só para saldar a dívida. O valor de uma determinada obra é secundária para este governo”, acrescentou, referindo que “há aqui intermediários a ganhar dinheiro com isto.”

O comentador acusa ainda Passos Coelho de subvalorizar a arte e a cultura. “No olhar do primeiro-ministro tudo são empresas e o que interessa é o valor material das coisas e a sua ilegalidade é irrelevante.” Pacheco Pereira sublinha que a polémica gerada em torno dos quadros já gerou “custos ao país.”

Lobo Xavier, por seu turno, não acredita que o governo fosse capaz de vender o património cultural, mas reconheceu que o executivo de Passos Coelho “não sabe dar explicações.”

“Era preciso explicar que 85 quadros de Miró não são exactamente uma colecção. E não há uma explicação plausível para comprar as 85 peças. Não me lembro de nenhum país da Europa que se comprasse arte desta maneira e nem a Espanha se manifestou sobre o assunto”, concluiu.


A fixação do valor patrimonial da colecção Miró em 60 milhões de euros é referida no processo da PGR e corresponde ao montante dos créditos em relação aos quais as obras de arte serviam de garantia. Com o incumprimento dos empréstimos do BPN a três sociedades offshore, o banco ficou com os quadros. A venda permite assim recuperar parte do crédito perdido.

Sem comentários: