Colecção Miró ainda está em Londres e Parvalorem
espera contacto da leiloeira
CLÁUDIA CARVALHO 07/02/2014 – in Público
Governo espera pelo regresso das obras para poder iniciar um
novo processo de alienação. Procuradora-geral da República defende que as obras
devem ficar em Portugal.
Depois de ter anulado a venda das 85 obras de Joan Miró,
herdadas pelo Estado aquando da nacionalização do Banco Português de Negócios
(BPN), a Christie’s continua com a colecção na sua posse, sem ter feito ainda
um contacto formal com a Parvolorem ou o com o Governo Português.
Ainda é prematuro falar sobre a realização de um novo leilão
desta colecção quando a Christie’s e a Parvalorem (sociedade criada no âmbito
do Ministério das Finanças para recuperar créditos do BPN e assim proprietária
das obras) ainda não falaram formalmente sobre o que realmente aconteceu esta
semana. Ao PÚBLICO, Francisco Nogueira Leite, presidente do conselho de
administração da Parvalorem, explicou que o contacto por parte da Christie’s “é
indispensável para as partes acordarem a evolução e a solução” para este
“problema”.
Apesar destas obras não terem chegado a ser vendidas, a
Chrisitie’s manteve o leilão The Art of Surreal agendado, levando à praça
outras peças – motivo que ocupou a leiloeira nestes últimos dois dias.
Espera-se agora que a leiloeira internacional, que já mostrou vontade em marcar
um novo leilão, entre em contacto com a Parvalorem. Até agora, existiu apenas
um “contacto verbal” entre os advogados de ambas as partes terça-feira, dia em
que a Christie’s cancelou a venda por falta de segurança, depois de conhecidas
as ilegalidades no processo de expedição das obras.
No momento em que a venda foi anulada, as obras foram
retiradas de vista e guardadas, mantendo-se até hoje à guarda da Christie’s.
Estarão embaladas em segurança nas instalações da leiloeira. Esta é uma questão
que, para o presidente da Parvalorem, tem de ser “imediatamente resolvida”. O
objectivo é que as obras regressem a Portugal para que depois se inicie então
um novo processo de alienação – desta vez seguindo todos os procedimentos
legais.
Ainda anteontem, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho
garantiu que a decisão está tomada e que a venda desta colecção que percorre a
vida artística do catalão é a única possibilidade para este Governo. A
manutenção destas obras em Portugal não é nem será uma hipótese. A menos que o
Tribunal impeça a sua venda, uma vez que correm ainda duas providências
cautelares no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TACL).
Esta foi aliás a vontade demonstrada pela procuradora-geral
da República, Joana Marques Vidal, em entrevista à RTP1, onde defendeu que esta
colecção é “um acervo que não deve sair do património cultural do país”. E
justificou as duas acções até agora interpostas pelo Ministério Público (MP)
como uma “obrigação” deste organismo.
As duas acções foram apresentadas no início desta semana,
segunda e terça-feira, na sequência da iniciativa lançada por cinco deputados
do PS, entre eles a ex-ministra da Cultura do governo socialista, Gabriela
Canavilhas. A primeira pretendia impedir a venda dos quadros no leilão – tendo
dado luz verde à venda mas detectado ilegalidades no processo – e a segunda
visa directamente a ministra das Finanças, o secretário de Estado da Cultura e
a própria Christie’s, alegadamente responsáveis pelas ilegalidades no processo
que permitiu a saída das obras do nosso país.
O facto de a juíza do TACL, Guida Jorge, não ter deferido a
primeira providência cautelar – decisão que, no entanto, não viabilizou na
prática a venda das obras, já que a Christie’s decidiu retirá-las do leilão –,
não significa que o processo tenha ficado concluído.
Joana Marques Vidal explicou, na RTP, que “as providências
cautelares são procedimentos jurídicos que antecedem uma acção principal”. E
admitiu mesmo como “natural” que o MP venha a interpor novas acções,
"tanto num caso como no outro”.
Em última análise, o objectivo do MP, notou a
procuradora-geral da República, é que o tribunal, pelos seus meios próprios,
evite a saída do país de um património cultural que foi avaliado pela
Christie’s em 35 milhões de euros.
Apesar destes dois processos, Francisco Nogueira Leite
garante que “em matéria de responsabilidades a Parvalorem está confortável”,
defendendo-se novamente com o contrato celebrado com a leiloeira, no qual terá
ficado acordado que seria esta a tratar de todas as diligências para a
realização do leilão. O responsável da Parvalorem não põe no entanto em causa
do trabalho da Christie’s, lembrando que se trata de uma leiloeira prestigiada
e cumpridora.
Sobre o possível pagamento de uma indemnização à Christie’s
pelo cancelamento da venda, Nogueira Leite garantiu que o pagamento desta não
está previsto, uma vez que foi a própria leiloeira a cancelar o processo.
OPINIÃO
A colecção Miró é um tesouro?
ISABEL SALEMA 06/02/2014 in Público
Quando os 85 Mirós voltarem a Portugal, qualquer que seja o
destino posterior a dar-lhes, o que o Estado e as sociedades suas proprietárias
podem fazer é uma exposição temporária com a agora famosa colecção.
Não será difícil contratar a empresa Everything is New, que
já mostrou no passado interesse no assunto e em quem a Secretaria de Estado da
Cultura confia agora para organizar as suas exposições mais importantes no
Museu Nacional de Arte Antiga, como a do Prado, que está nas Janelas Verdes
neste momento.
Será o momento ideal para todos (o país) avaliarmos a
colecção Miró, o que aparentemente foi um processo que a Direcção-Geral do
Património Cultural não conseguiu levar até ao fim. Aqui vale também a pena
perguntar porque é que os Mirós saíram sem que se desse por isso (o tribunal
não conseguiu apurar a data de saída), talvez porque consciente ou
inconscientemente se previsse que o país pudesse descobrir os Mirós e ficasse
deliciado a olhar para eles. É para estes casos que serve a Lei de Bases do
Património Cultural, que com os atropelos do Crivelli e deste agora pode estar
seriamente em causa. Começa também a perceber-se porque é que Isabel Cordeiro
terá saído da Direcção-Geral do Património Cultural, alegando divergências
profundas com a tutela.
Por esta altura já não é preciso explicar que Joan Miró é um
dos mais importantes pintores do século XX. O que talvez valha a pena também
perguntar é: na história de arte portuguesa alguma vez houve uma oportunidade
como esta, de ficar com uma colecção de 85 obras que provavelmente fazem um
núcleo com imenso potencial museológico em qualquer parte do mundo? A resposta
é não. Não temos sido especialmente expeditos a identificar tesouros ao longo
da história. As nossas colecções de pintura não são particularmente ricas
porque, ao contrário do que se tem escrito, sempre pensámos assim. Quanto aos
directores dos museus quererem os Mirós nas suas colecções, é para isso que
servem os museus, para guardar coisas valiosas e que custam muito dinheiro - o
Hieronymus Bosch do Museu de Arte Antiga valerá centenas de milhões.
O que estamos a discutir é se daqui a 500 anos a colecção
Miró não será tão património nacional como as Tentações de Santo Antão de Bosch
ou o Mosteiro dos Jerónimos. A Direcção-Geral do Património Cultural tem agora
de levar o processo até ao fim e determinar se a colecção deverá ou não ser classificada
como património nacional. Só depois o primeiro-ministro e o secretário de
Estado da Cultura poderão tomar a decisão política de vender a colecção.
Pacheco Pereira diz que governo venderia qualquer
património cultural para saldar a dívida
Por Beatriz Silva
publicado em 6 Fev 2014 in (jornal) i online
Após a polémica da venda
ilegal dos quadros de Miró, Pacheco Pereira diz que governo opera em
ilegalidade
“É uma mistura de má fé, engano e muita incompetência e
agora há custos dessa incompetência”, considerou José Pacheco Pereira, sobre a
venda dos quadros de Miró. Na passada quarta-feira, o Ministério Público
avançou com uma nova providência cautelar no Tribunal Administrativo do Círculo
de Lisboa. Esta segunda providência cautelar baseou-se na ilegalidade da saída
das obras do pintor de Portugal.
A colecção Miró é o principal activo artístico do ex-BPN. Em
2012, os quadros na posse da Parvalorem tinham um valor de balanço de 62,4
milhões de euros. Descontada a perda, o valor líquido dos activos desce para
36,2 milhões de euros, em linha com a base de licitação fixada para o leilão
das obras de Miró. No entanto, em 2012, a Parvalorem só tinha 68 obras. As
restantes estavam em sociedades participadas. O valor de 36 milhões, diz o
relatório da Parvalorem, foi "apurado a partir da média ponderada entre
preços de referência definidos por avaliadores internacionais independentes e
propostas de compra recebidas".
No comentário semanal da SIC Notícias, “Quadratura do
Ciclo”, o militante do PSD afirmou que o governo “está a trabalhar na
ilegalidade.” “Compreendo que o governo tenha tomado a decisão de os Vender. O
que não é compreensível é o modo como isto acontece.”
“Tenho a certeza de que fariam o mesmo a qualquer património
cultural. Não me admira que vendessem o Mosteiro dos Jerónimos só para saldar a
dívida. O valor de uma determinada obra é secundária para este governo”,
acrescentou, referindo que “há aqui intermediários a ganhar dinheiro com isto.”
O comentador acusa ainda Passos Coelho de subvalorizar a
arte e a cultura. “No olhar do primeiro-ministro tudo são empresas e o que
interessa é o valor material das coisas e a sua ilegalidade é irrelevante.”
Pacheco Pereira sublinha que a polémica gerada em torno dos quadros já gerou
“custos ao país.”
Lobo Xavier, por seu turno, não acredita que o governo fosse
capaz de vender o património cultural, mas reconheceu que o executivo de Passos
Coelho “não sabe dar explicações.”
“Era preciso explicar que 85 quadros de Miró não são
exactamente uma colecção. E não há uma explicação plausível para comprar as 85
peças. Não me lembro de nenhum país da Europa que se comprasse arte desta
maneira e nem a Espanha se manifestou sobre o assunto”, concluiu.
A fixação do valor patrimonial da colecção Miró em 60
milhões de euros é referida no processo da PGR e corresponde ao montante dos
créditos em relação aos quais as obras de arte serviam de garantia. Com o
incumprimento dos empréstimos do BPN a três sociedades offshore, o banco ficou
com os quadros. A venda permite assim recuperar parte do crédito perdido.
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