Críticas à falta de visão de conjunto e à actuação da
Câmara de Lisboa
O vereador Manuel Salgado diz
que os pedidos de informação prévia “estão suspensos” e assim continuarão até haver
um programa de salvaguarda e regeneração para a Colina de Santana
Inês Boaventura / 5 fev 2014 / Público
A Câmara de Lisboa esteve
ontem debaixo de fogo naquele que foi o terceiro debate promovido pela
Assembleia Municipal sobre a Colina de Santana. Ao longo de três horas, muitas
foram as vozes que criticaram a forma como o município conduziu este processo e
também a falta de uma visão de conjunto para esta zona da cidade.
“Este processo foi feito do fim para a frente. Foi mal
conduzido”, acusou Helena Roseta, ex-vereadora da equipa de António Costa e
actual presidente da assembleia municipal, eleita pelo movimento Cidadãos por
Lisboa na lista do PS. Antes dela, também o seu ex-colega de vereação Fernando
Nunes da Silva tinha criticado aquilo que considerou ser “a inversão completa
do processo de planeamento”.
O deputado municipal lamentou que a Câmara de Lisboa só
tenha elaborado o chamado Documento Estratégico de Intervenção depois de a
Estamo, a imobiliária de capitais exclusivamente públicos, ter apresentado os
pedidos de informação prévia relativos à realização de operações de loteamento
dos terrenos dos hospitais de Santa Marta, Capuchos, São José e Miguel
Bombarda.
Nunes da Silva considera que os projectos arquitectónicos em
causa são “de grande qualidade”, desde logo porque “não só mantêm o património
como o valorizam”. Ainda assim, o deputado teme que aquela que podia ser “uma
oportunidade para corrigir os problemas” existentes na Colina de Santana, por
exemplo ao nível das acessibilidades, seja “desperdiçada em nome de problemas
de contabilidade financeira entre entidades do Estado”.
No debate, as críticas ao município foram generalizadas,
quer por parte dos oradores convidados, quer por parte daqueles na assistência
que se inscreveram para participar. O facto de a Câmara de Lisboa não ter
optado pela realização de um instrumento de gestão territorial como um plano de
pormenor foi um dos aspectos em discussão, tendo vários intervenientes deixado
no ar a pergunta sobre qual teria sido o instrumento mais adequado.
Mário Moreira, um dos membros do painel deste debate, frisou
que essa “fuga aos instrumentos de planeamento” retira peso à participação
popular, mas também à própria assembleia municipal. O arquitecto considerou que
as propostas apresentadas pela Estamo poderão constituir “bolsas de
requalificação”, mas questionou se estas não estarão “divorciadas da
envolvente”, em nada contribuindo para a sua transformação.
Já o arquitecto João Cabral alertou para o risco de se estar
a apostar na concretização de “intervenções muito sectoriais”. É preciso,
defendeu o professor associado da Faculdade de Arquitectura da Universidade de
Lisboa, “um instrumento que junte as peças todas”, como um Programa de Acção
Territorial ou a delimitação de uma Área de Reabilitação Urbana.
Também Cristina Bastos sublinhou a necessidade de se olhar
para a Colina de Santana “como um todo e não um somatório de intervenções
individuais”. A antropóloga afirmou ainda temer que nesta zona da cidade se
venham a verificar casos como o do Convento dos Inglesinhos, no Bairro Alto,
onde se promoveu o restauro do edificado mas ao mesmo tempo se “esvaziou” a
vida que nele existia.
A última oradora convidada, a geógrafa Teresa Barata
Salgueiro, considerou “inevitável” que os projectos arquitectónicos em causa se
vão traduzir numa gentrificação. “É preciso garantir que também se faça a
reabilitação das zonas de intervenção prioritária e que se possa manter a
população mais idosa e com menos possibilidades”, frisou.
Quem também se inscreveu para intervir no debate foi o
vereador do Planeamento, Urbanismo e Reabilitação Urbana da Câmara de Lisboa,
que disse estar “em total desacordo” com a ideia de que a metodologia seguida
neste processo foi “errada”. Manuel Salgado sublinhou que os pedidos de
informação prévia “estão suspensos” e adiantou que assim continuarão até que
seja aprovado um programa de salvaguarda e regeneração urbana, envolvendo o
município, a Estamo e a Universidade de Lisboa.
Vice-presidente da assembleia municipal alerta para
riscos
A vice-presidente de Assembleia Municipal de Lisboa entende
que o município não deve aprovar os pedidos de informação prévia existentes
para a Colina de Santana sem ter a garantia de que as operações de loteamento
previstas não põem em causa a segurança dos prédios desta zona e de quem lá
vive. Até porque, alerta Margarida Saavedra, muitos desses imóveis sofrem de
patologias decorrentes do abatimento das fundações.
“É como uma cómoda à qual falta um pé”, explica a arquitecta
aos jornalistas, durante uma visita pelas ruas estreitas e inclinadas da Colina
de Santana. Ao longo do percurso, entre o Rossio e o Hospital de S. José,
Margarida Saavedra vai apontando as patologias de que fala: fachadas cobertas
de fendas verticais, paredes com “barrigas”, portas e varandas inclinadas e
aros de janelas partidos, entre outras.
“Quase todos os edifícios, em maior ou menor grau,
apresentam estas patologias”, constata, acrescentando que tal “indica um
assentamento das estruturas, indica que pelo menos uma das fundações abateu”.
E, sublinha Margarida Saavedra, nem edifícios recentemente reabilitados escapam
a esse mal.
“Quando isto acontece em edifícios sucessivos, significa que
toda a zona está com problemas abaixo do solo”. A responsável, do PSD, entende
que a câmara deve determinar “a execução imediata de um plano de salvaguarda,
pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil ou pelo Instituto Superior
Técnico”.
Saavedra sublinha a importância de isso acontecer antes de o
município dar luz verde aos quatro pedidos de informação prévia apresentados
pela Estamo, a imobiliária de capitais públicos que é proprietária dos terrenos
dos hospitais de Santa Marta, Capuchos, S. José e Miguel Bombarda. “Uma vez
aprovados, concedem direitos ao proprietário”, lembra, afirmando que “a câmara
não deve assumir compromissos sem ter a garantia de que a Colina não vai sofrer
consequências”. A arquitecta acredita que será necessário, antes da realização
de qualquer intervenção naqueles terrenos, que o município promova “uma obra de
reforço estrutural”.
Quanto ao fecho dos hospitais e à sua concentração em
Marvila, a arquitecta diz que é fundamental que se pesem os seus custos e
benefícios e que se avalie se as propostas da Estamo vão ou não contribuir para
a “revitalização” da zona.
I.B.
Texto: Francisco Neves Fotografia: Samuel Alemão
CÂMARA QUER, AFINAL, INTERVIR
MAIS NA COLINA DE SANTANA
In “Blog/ O Corvo” / http://ocorvo.pt/2014/02/05/camara-quer-afinal-intervir-mais-na-colina-de-santana/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=camara-quer-afinal-intervir-mais-na-colina-de-santana
O vereador do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa (CML),
Manuel Salgado, anunciou, no final da tarde desta terça-feira, uma mudança da
postura da autarquia face à mega-urbanização prevista para a Colina de Santana.
O município terá maior peso nas mudanças em perspectiva, promete. E anunciou
que foi suspensa a apreciação dos Pedidos de Informação Prévia que a Estamo
apresentou, no ano passado, à câmara para iniciar os processos de loteamento
dos terrenos dos hospitais de São José, Capuchos, Miguel Bombarda e Santa
Marta.
Numa intervenção que não estava prevista, no terceiro dos
cinco debates organizados pela Assembleia Municipal de Lisboa sobre a grande
operação montada para a colina entre as avenidas da Liberdade e de Almirante
Reis, o ex-número dois da CML, aparentemente reagindo ao coro de críticas
ouvido nas três sessões, defendeu uma intervenção urbanística assente num
“programa consertado” entre a Câmara, a Universidade de Lisboa e o dono dos
grandes conjuntos a lotear, a empresa de capitais públicos Estamo.
Caso a negociação seja bem sucedida, a intervenção nesta
área deverá ser coordenada por um gabinete próprio e ter como instrumento de
ordenamento um Plano de Acção Territorial (PAT), defendeu o vereador que chefia
o pelouro do Urbanismo. Seria neste quadro que se aplicaria um “plano de
salvaguarda” para a Colina de Santana, explicou. Salgado considerou que o facto
de áreas tão grandes – cerca de 15 hectares , para onde estão projectados 700
novos fogos – estarem nas mãos de um único dono “é uma oportunidade”, que deve
ser aproveitada pelo município.
O autarca disse ainda que é urgente tomar uma posição. E,
para o provar, deu um exemplo. O Hospital de Arroios já foi vendido pela Estamo
– Participações Imobiliárias, em 2004, encontrado-se o edifício degradado e
desaparecidos os seus azulejos do século XVIII. Depois disso, houve uma
tentativa falhada de vender o Hospital do Desterro.
Nesta terceira sessão de debates – dedicada ao tema do
impacto urbanístico, social e habitacional da operação imobiliária –, foram
retomadas as críticas ao município por ser levado a reboque de um processo que
“começou ao contrário, do fim para o princípio”, nas palavras de Helena Roseta,
presidente da Assembleia Municipal. Já Fernando Nunes da Silva, ex-vereador de
António Costa no mandato anterior e agora deputado da assembleia eleito nas
listas socialistas, criticou o que vê como o exemplo de “uma inversão completa
do planeamento”.
Como foi repetidamente referido nesta terça-feira, o
documento de estratégia municipal para a Colina de Santana foi elaborado muito
depois dos projectos dos loteamentos e, mesmo ele, colhe em seu redor
reticências abrangentes à operação urbanística.
O fecho dos hospitais da zona, em nome do financiamento do
futuro Hospital de Todos os Santos, em Marvila, que não se sabe quando abrirá,
e o loteamento dos seus terrenos foram assim resumidos por Helena Carqueijeiro,
uma arquitecta residente na zona: “Quer-se fazer uma substituição do espaço
público pelo privado”. Para mostrar como os planos da Estamo são um conjunto de
projectos isolados, a que falta uma visão integrada que contemple uma melhoria
dos bairros da colina, acrescentou que, neles, “não há propostas concretas que
venham melhorar a vida das pessoas. Bastava propor uma estação ou uma ligação
ao Metropolitano”, disse.
A proposta da empresa poderá conseguir “bolsas de
requalificação”, mas desligadas da envolvente, disse, por outro lado, um membro
do painel de oradores convidados, Mário Moreira, arquitecto.
A requalificação do edificado existente é urgente, a julgar
pela intervenção da deputada municipal e ex-vereadora Margarida Saavedra (PSD).
Disse ela que, nos estudos divulgados pelo dono dos terrenos, não se conhecem
referências ao risco sísmico da colina, quando os cerca de 550 edifícios em mau
estado, e nomeadamente os da Calçada de Santana, mostram indícios de
assentamento das fundações em resultado de movimentos deslizantes de terras. “É
preciso um plano de salvaguarda para estas habitações”, avisou.
“Isto vai contra o interesse público”, acusou, a dada altura,
o responsável da secção de Ordenamento do Território da Sociedade de Geografia
de Lisboa, Pompeu dos Santos. Este engenheiro começou por dizer que o argumento
dos “custos elevados” dos hospitais ainda por fechar peca por ter sido o
próprio Estado a aumentar os gastos, quando os vendeu à Estamo e se obrigou a
pagar-lhe rendas de seis milhões de euros por ano. Nos três minutos que lhe
couberam, disse ainda que não há estudos credíveis que digam ser melhor
substituir os actuais hospitais da zona por um novo.
Argumenta-se – acrescentou Pompeu dos Santos – “que estão
velhos, mas no seu sítio já podem surgir hotéis ou casas novas. Por que não
fazer, então, obras nos hospitais existentes?”, perguntou. E defendeu a
“suspensão imediata dos processos de licenciamento” [dos quatro hospitais]
entregues da Câmara, a anulação do processo de construção do novo hospital e um
inquérito para “identificação de eventuais irregularidades” no polémico
rearranjo da estrutura hospitalar de Lisboa.
O deputado municipal comunista Modesto Navarro (PCP)
chamou-lhe “uma tramóia” congeminada com o Governo para fazer dinheiro e baixar
o défice. E perguntou se o que a CML quer é “a expulsão dos actuais moradores”
e “construção de condomínios de luxo, hotéis de charme e silos-auto”.
O debate voltou a mostrar que há a ideia de que a
intervenção pensada para a colina vai servir os ricos e esquecer os pobres. Os
trabalhos encomendados pela Estamo não o afirmam de forma tão simples, mas
falam em criar, no espaço do Miguel Bombarda, por exemplo, “uma vivência urbana
de excepção”.
A previsível gentrificação da Colina de Santana, a sua maior
diversificação social “não é negativa, aliás até será necessária ao
financiamento dos projectos”, ressalvou a geógrafa Teresa Barata Salgueiro,
oradora convidada para este debate. Sem esquecer a reabilitação urbana e as
necessidades dos que já lá estão, completou. “Há que aproveitar a
deslocalização dos hospitais” e “pode começar-se pelos dois ou três que já
estão fechados”, sugeriu.
Texto: Francisco Neves Fotografia: Samuel Alemão
Sem comentários:
Enviar um comentário