O pântano segundo Passos Coelho
05/05/2013 Editorial / Público
Passos virou a imagem de Guterres de pernas para o ar e diz que fica, "aconteça o que acontecer"
Pedro Passos Coelho sabe que, no discurso político português, a palavra "pântano" vai muito para além da geologia. "Pântano" foi a palavra que António Guterres usou para se demitir de primeiro-ministro em 2001.
Foi a seguir às eleições autárquicas, nas quais o PS ganhou (34%), mas que, face aos resultados acumulados de PSD e CDS (41%), Guterres leu como uma derrota. Saiu para, nas suas palavras, evitar que o país caísse num "pântano democrático".
Ontem, Passos Coelho criticou quem passa "os dias a contar votos", mas - porque o tempo não pára e as autárquicas são depois do Verão - calçou os sapatos de candidato.
O aviso ficou feito: "aconteça o que acontecer" nas próximas eleições, Passos Coelho não fará o que Guterres fez. Há quem veja nas "eleições uma espécie de pântano, a antecâmara do colapso nacional", disse em Pombal. "Quero dizer que, enquanto eu for primeiro-ministro, não haverá pântanos em Portugal."
Resolvido o fantasma de um possível "pântano democrático" a seguir ao Verão - e calando quem pede eleições antecipadas -, falta a Passos dar respostas aos portugueses que se sentem a afundar num pântano real.
O seu discurso de sexta-feira para anunciar mais austeridade abre e fecha com perguntas: "Sei que os portugueses perguntam: "Porquê mais poupanças?"" E: "Sei que se interrogam se os sacrifícios vão valer a pena." Passos quis mostrar aos portugueses - do cidadão comum a Manuela Ferreira Leite - que não está desligado da realidade, que ouve e pensa nas pessoas. Ontem, disse que vai "deixar aos portugueses um futuro com mais oportunidades, um futuro com um emprego mais sustentável, um futuro mais progressista". O problema é que esses caminhos aparentemente claros não estão a convencer o país. Frases entusiasmadas como "chegou o momento de relançar o investimento privado" (São Bento), ou "agora estamos numa fase nova, estamos na altura em que é essencial abrir uma janela de esperança para o crescimento económico" (Pombal), não convencem e são ouvidas como retórica gasta. Do mesmo modo que o documento Estratégia para o Crescimento, Emprego e Fomento Industrial 2013-2010, apresentado pelo Governo no fim de Abril, foi recebido com frieza. Haverá um fundo de apoio às empresas, mas com o consumo a descer, o desemprego a subir e as dívidas por pagar as empresas não arriscam. Há a intenção de "aumentar para 75% a taxa de emprego dos 20 aos 64 anos até 2020". Mas como?
No mesmo dia em que Passos disse aos portugueses que as medidas agora propostas são "absolutamente indispensáveis", a Comissão Europeia respondeu aos pedidos de Espanha, França e Holanda. Sim, vai suavizar as exigências de austeridade a esses países. Passos diz que não é fácil negociar com a troika. É verdade e os resultados estão à vista.
Passos Coelho garante que não se demite se o PSD perder as autárquicas
Por Rita Brandão Guerra in Público
05/05/2013
Primeiro-ministro elogia "talento" de Paulo Portas e diz que várias das novas medidas decorrem do seu "empenho pessoal". Líder do CDS fala hoje
Aconteça o que acontecer. Pedro Passos Coelho deixou ontem a garantia ao país de que não se demite se o PSD perder as eleições autárquicas deste ano. O primeiro-ministro, que falou em Pombal no almoço de comemoração do 39.º aniversário do PSD, descartou assim uma situação de "pântano em Portugal" enquanto for primeiro-ministro.
Para passar a mensagem aos cerca de 650 militantes presentes, ao país e, sobretudo, ao PS, Passos Coelho recuperou a palavra utilizada pelo primeiro-ministro socialista António Guterres, em 2001. Na altura, o PS ganhou as eleições autárquicas, mas o então chefe de Governo considerou que, face ao resultado do PSD e do CDS juntos, deveria demitir-se para evitar que o país caísse numa situação de "pântano democrático".
Ontem, Passos recuperou a famosa expressão do guterrismo, mas para virar o jogo contra "os que andam a contar votos no dia-a-dia" e a pedir eleições, em vez de se concentrarem na apresentação de soluções para o país.
O destinatário foi o secretário-geral do PS, António José Seguro, que, logo após o discurso que o primeiro-ministro dirigiu aos portugueses na sexta-feira à noite, defendeu que o "país bateu contra uma parede" por responsabilidade de um Governo que insiste em não mudar de receita. Mas o que Passos foi dizer a Pombal, numa zona de conforto para o PSD - o partido teve 66% dos votos no concelho nas últimas legislativas e a autarquia é presidida pelo social-democrata Narciso Mota desde 1989 - é que o Governo está de pedra e cal. "As próximas eleições não vão ser aquilo que tanta gente gostaria que fossem, uma espécie de pântano e uma espécie de antecâmara do colapso nacional. Quero dizer-vos que, enquanto eu for primeiro-ministro, não há pântanos em Portugal."
O presidente do PSD aproveitou para responder às críticas de Seguro, dizendo que Portugal bateu contra a parede, sim, mas há quase dois anos, sob a condução do ex-primeiro-ministro José Sócrates. Agora, é preciso continuar o "combate", não deixar "afundar o país" e "abrir janelas de esperança" para a recuperação económica e para o crescimento. O país está agora "em condições para preparar o futuro pós-troika".
"O que estamos a fazer todos os dias é remover essa parede com tanta força que possamos abrir um horizonte de esperança em Portugal", disse o primeiro-ministro, acrescentando que seria "uma tolice" não reconhecer os progressos de Portugal ao longo de dois anos e os resultados desse esforço, "que já aparecem no dia-a-dia".
Ainda antes do almoço, ao qual chegou acompanhado do vice-presidente do PSD, Jorge Moreira da Silva, o primeiro-ministro tinha no guião algumas palavras para dedicar ao seu parceiro de coligação. Fez rasgados elogios ao "talento" de Paulo Portas para ajudar a encontrar "melhores soluções e mais completas" para os problemas do país. E revelou até que, do "menu das medidas" que apresentou na sexta-feira, "várias" decorreram do "empenho pessoal" do líder do CDS. O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros "tem dado muito trabalho ao Governo" e, apesar das "diferenças, o que interessa é que essas diferenças não impedem os dois partidos de se entenderem". Questionado sobre o conteúdo da declaração que Portas se prepara hoje para fazer, Passos disse que desconhecia e que ontem, até ao início da tarde, os dois ainda não tinham falado.
O ministro dos Negócios Estrangeiros guardou para hoje a sua posição, quebrando o silêncio que existe no CDS desde anteontem. Ao que o PÚBLICO apurou, o tom do líder centrista estará longe de ser o escolhido em Setembro a seguir à proposta da polémica Taxa Social Única. É natural que o líder do CDS faça sobressair algumas diferenças entre os dois partidos - à semelhança de Passos -, mas Portas sempre disse que "uma coligação não é uma fusão". Apesar de as novas medidas exigirem um esforço adicional dos portugueses nos próximos anos, o CDS parece querer sublinhar que se empenhou para que não houvesse uma diminuição do rendimento disponível dos funcionários públicos e pensionistas já este ano, até pelo que pesa a contracção da economia. Dirigentes do CDS têm defendido uma ideia que pode ser um dos pontos do discurso de hoje de Portas: que a meta do défice de 4%, estabelecida na sétima avaliação da troika para o próximo ano, é pouco realista.
Consenso concreto
Ao PS, Passos Coelho voltou ontem a pedir "medidas concretas" e insistiu na disponibilidade do Governo para se sentar à mesa com o principal partido da oposição, até porque tem "esperança num entendimento". Mas também deixou recados. "Ao contrário de outros", disse, sabe "o que custa negociar com a troika, o que custa pedir o acordo dos parceiros para ter dinheiro". Concluiu, por isso, que este não é o momento "para assobiar para o lado" e nem "para contar votos", mas para encontrar soluções para os problemas dos portugueses.
"Um consenso o mais alargado possível" continua a ser um dos pontos sensíveis entre o Governo e António José Seguro. O primeiro-ministro frisou, por isso, a disponibilidade do executivo para "substituir" e "trocar" medidas do Governo pelas propostas do PS, desde que sejam melhores para o país e respeitem as metas do défice e o necessário equilíbrio das contas públicas.
E voltou a dramatizar referindo-se ao cenário de uma eventual saída de Portugal do euro ou de um segundo pedido de resgate financeiro caso o país ceda ao "capricho perigoso" de não cumprir o acordo estabelecido com a troika e não encete as difíceis reformas que se avizinham.
A esse desafio de consenso, o líder do PS respondeu dizendo que, em Pombal, Passos fez "oposição política" aos socialistas. Seguro reiterou que o Governo "não conta com o PS para um corte de 4000 milhões de euros" e que, face às novas medidas de austeridade, não há condições para haver diálogo entre ambos. Mais do que um problema de diálogo, "é um problema de impossibilidade", disse. "Nós não podemos ter um primeiro-ministro que ontem [anteontem] apela ao consenso e hoje [ontem] zurze no PS. E amanhã, se calhar, apela outra vez ao consenso", contrapôs Seguro.
Vozes autorizadas
Sem referir nomes, mas falando também para dentro do PSD, o primeiro-ministro deixou uma pergunta para as "vozes autorizadas e categóricas" que vaticinaram a queda do executivo logo após a divulgação dos resultados da execução orçamental do primeiro trimestre: "Afinal, a execução orçamental foi apresentada e ficámos 500 milhões de euros abaixo do previsto. Essas vozes tão autorizadas e categóricas onde estão hoje?"
"Há muita gente em Portugal que pensa que a sua oportunidade só surgirá se houver revolta e eleições", criticou o primeiro-ministro, dirigindo-se aos que fazem o "repetido o exercício de terror, assustando os portugueses" nos seus espaços de comentários nas televisões. E, perante uma sala cheia mas pouco entusiasmada nos aplausos, o presidente social-democrata deixou mais uma mensagem para o interior do partido: "Há sempre gente mais entusiasmada e mais crente, é com os que cá estão que a gente caminha em frente. Os outros juntaram-se sempre na altura própria." Na plateia, estavam dois ministros: Miguel Macedo e Miguel Poiares Maduro. com Sofia Rodrigues e Maria Lopes.
As excepções incluem, entre outros, os diplomatas e os serviços de informação e segurança |
Apenas 10% dos funcionários públicos ficarão imunes a despedimentos
Por Raquel Martins e Clara Viana in Público
05/05/2013
O Governo encontrou uma forma de abrir a porta à saída definitiva de trabalhadores, que até agora estavam imunes aos despedimentos. Regras serão diferentes do privado
Apenas uma pequena parte dos funcionários públicos ficará de fora das novas regras que, de certa forma, abrem a porta aos despedimentos no Estado. Só os trabalhadores em regime de nomeação (diplomatas, serviços de informação e segurança, investigação criminal, segurança pública e inspecção e pessoal de missões específicas e genéricas das Forças Armadas) escapam à regra que limita a 18 meses a permanência no novo sistema de requalificação, que vem substituir a mobilidade especial. São pouco mais de 10% de um total de 584 mil trabalhadores do Estado.
No diploma que cria o sistema de requalificação dos trabalhadores em funções públicas, que esta segunda-feira começa a ser discutido com os sindicatos, o Governo abre a porta à saída de uma parte significativa dos funcionários públicos que até aqui estavam imunes aos despedimentos.
Os alvos serão os funcionários que até 2009 tinham vínculo de nomeação e que entretanto passaram para o contrato de trabalho em funções públicas (CTFP), mantendo a garantia de que não podiam ser despedidos, excepto por razões disciplinares ou por rescisão amigável.
Os procedimentos não serão os mesmos aplicados no sector privado quando se extingue um posto de trabalho ou quando se efectua um despedimento colectivo, mas terão efeitos semelhantes.
De acordo com a proposta do Governo a que o PÚBLICO teve acesso, os funcionários que não tiverem lugar nos serviços reestruturados ficarão numa situação de risco. Os trabalhadores admitidos depois de 2009 com CTFP verão o seu contrato cessar de imediato e serão despedidos com direito a uma indemnização (agora tinham a possibilidade de passar um ano na mobilidade especial). Os trabalhadores com nomeação definitiva e os nomeados que passaram para o CTFP serão colocados em situação de requalificação.
E é aí que as mudanças mais profundas se operam. A subvenção paga pelo Estado passará a ser 66,7% do salário nos primeiros seis meses, 50% nos seguintes e 33,4% nos últimos seis meses.
Mas enquanto os nomeados podem ficar até à idade da reforma a receber 33,5% do salário, os antigos nomeados com CTFP serão colocados, ao fim dos 18 meses, "em situação de licença sem remuneração" ou terão que optar "pela cessação do contrato de trabalho, sendo devida a indemnização por antiguidade". No diploma nada se diz sobre a possibilidade de estes trabalhadores terem acesso a subsídio de desemprego.
Trata-se de uma mudança significativa face à mobilidade especial que não distinguia os trabalhadores e permitia que todos ficassem nessa situação até se reformarem. Agora, como disse o primeiro-ministro na sexta-feira ao apresentar as medidas de corte na despesa para os próximos anos, "não é justo para a pessoa, nem é boa administração do Estado, perpetuar uma situação remuneratória que já não tem justificação laboral".
Embora fique ao critério do trabalhador pedir para sair, a redução da subvenção dos actuais 50% para 33,4% será um forte incentivo às saídas.
Esta medida afecta transversalmente todas as carreiras, professores, médicos, técnicos superiores. Mas no caso dos professores serão também afectados os que entraram no quadro recentemente.
Em causa estarão os 603 professores contratados que em Abril entraram no quadro no âmbito de um processo de vinculação extraordinária, que arriscam perder o emprego já no próximo ano lectivo, que se inicia em Setembro, embora possam ainda ser salvaguardados deste destino através de uma alteração ao Estatuto da Carreira Docente, também já proposta pelo Governo, que garante a colocação em mobilidade especial de todos os professores do quadro que fiquem com horário zero. Tudo dependerá agora de qual das cláusulas se irá sobrepor a outra: a que aponta para o despedimentos dos que entraram no Estado depois de 2009, caso não tenham lugar, ou se esta do ECD. Desde 2009 entraram no quadro cerca de mil docentes, 400 dos quais no concurso realizado esse ano para possibilitar a transferência de docentes de escola e a entrada no quadro de contratados.
As novas regras, que substituem o regime da mobilidade especial, alteram significativamente o processo de reestruturação dos serviços. Desde logo, a diminuição das transferências do Orçamento do Estado ou a redução das receitas próprias serão motivo suficiente para justificar um processo de reestruturação do serviço e de redução de trabalhadores.
Nesse caso, caberá ao dirigente elaborar um mapa comparativo entre o número de pessoas existentes e os postos de trabalho necessários. Depois terá que seleccionar os trabalhadores que deverão manter-se nesse serviço. E é aqui que se encontra outra das novidades do diploma.
Em vez de usarem a avaliação de desempenho - o método que no regime actual era privilegiado - os dirigentes podem seleccionar os trabalhadores pela avaliação das suas competências profissionais e experiência.
Os trabalhadores em requalificação ficam na dependência do INA (Direcção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas), quando até aqui estavam afectos às secretarias-gerais dos diversos ministérios. Na prática esta direcção-geral passará a ser o equivalente ao Instituto de Emprego e Formação Profissional para o sector público. Nos primeiros seis meses, os funcionários terão que realizar um programa de formação organizado pelo INA "em articulação com o IEFP", diz o ante-projecto de diploma. Os trabalhadores serão incentivados a procurar mais activamente um novo posto de trabalho no Estado.
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