OPINIÃO
A fábrica do populismo
A estratégia do bloqueio do Governo, um pouco por toda a
comunicação social, que acha que está a fazer escrutínio quando está a comer o
que lhe põem no prato, resulta também na ocultação ou confusão.
José Pacheco
Pereira
14 de Janeiro de
2023, 6:02
https://www.publico.pt/2023/01/14/opiniao/opiniao/fabrica-populismo-2035013
A maioria
daqueles que ajudam a fazer crescer a vaga populista que politicamente desagua
na extrema-direita radical jura a pés juntos não ser populista e nada ter que
ver com os partidos que se alimentam desse populismo, como o Chega. Mas não é o
Chega que cresce por si, é um partido demasiado rude, sem quadros, corrupto,
mas que funciona como uma rémora colada a uma baleia. A baleia cresce, a rémora
viaja com ela, alimenta-se e cresce também. Mas é um subproduto, o produto é
outro.
Nestes dias, o
primeiro desses reforçadores do populismo tem sido o Governo. Tem escolhido
mal, tem hesitado em admitir os erros, e depois, encostado à parede, tenta
primeiro encontrar um bode expiatório, até acabar por se render. Não admite,
rende-se. Depois tenta explicar-se e o cheiro a fraqueza, nuns casos, cobardia,
nos outros, atrai os predadores. O rastro que deixa é o pasto para o populismo,
e o populismo não faz distinções, alimenta-se de tudo, no meio da confusão
geral. Alimenta-se de "casos e de casinhos”, porque a distinção fica
diluída na sucessão de erros clamorosos e culpas sem responsáveis.
Mas existem
fornecedores do alimento populista, cuja vida é facilitada pelo Governo, mas
que mesmo assim ajudam a fermentar a podridão de que se alimenta o populismo. E
sabem muito bem o que fazem, e estão a fazê-lo com muito mais profissionalismo
do que os spin doctors governamentais. E estão a ganhar a guerra todos os dias,
uma guerra inorgânica, sem regras, política até ao tutano, com objectivos e
interesses definidos, e que é muito mais eficaz do que os partidos da oposição.
É uma guerra que não faz eleitores para o PSD, mas para o Chega e, com esses
eleitores do Chega, pretendem pôr ordem no PSD. O objectivo não é colocar o
Chega no poder, ou a governar sozinho, é mesmo pôr um PSD fragilizado no poder,
eventualmente aliado à IL ou mesmo ao Chega, um PSD capturado para a sua agenda
de direita radical, e aos interesses que servem. Aproveitam-se da crise do
partido, das ambiguidades em que se tem enterrado, dando-lhe aquilo que lhe
falta, eficácia numa oposição radical, que nada tem de social-democrata.
Os próceres da
direita radical no sistema dos media, como é o caso do Observador, para quem o
PSD é demasiado próximo dos socialistas, o CDS perdeu utilidade, a IL ainda é
muito pequena, o Chega útil mas não frequentável, precisam do PSD, do ponto de
vista da “massa de manobra” do voto e para isso precisam de um populismo forte
como instrumento de pressão.
O problema,
correctamente diagnosticado pela direita radical, está na margem de manobra que
tem o Governo com a sua maioria absoluta, e com a grande distância do PS de uma
oposição dividida e longe do poder. Por isso, o seu objectivo, bem claro no
orgasmo matinal da Rádio Observador, é o bloqueio do Governo, a sua perda de
prestígio, ampliando os seus tropeções e asneiras, tornando impotente o
exercício da governação, enredada nas sucessivas crises. Mesmo que António
Costa diga que não perde um minuto com os “casos e casinhos”, é mais que óbvio
que perde mesmo muitas horas.
Mas esta
estratégia tem um segundo aspecto igualmente bem pensado e melhor executado:
apesar de tudo, o Governo faz algumas coisas bem, outras potencialmente com
capacidade de virem a dar resultados. Eles sabem disso, e por isso a estratégia
do bloqueio, disseminada um pouco por toda a comunicação social, que acha que
está a fazer escrutínio quando está a comer o que lhe põem no prato, tem também
um resultado de ocultação ou confusão.
Voltando de novo
ao orgasmo matinal da Rádio Observador, é muito evidente como uma qualquer
acção governativa pode ser tratada tanto de uma maneira como o seu contrário: o
Governo gastou X, mas devia gastar Y, ou X é demais e devia gastar Y, que é
menos; um dia são despesistas, noutro dia unhas de fome; num dia o controlo do
défice é fundamental, noutro dia o Governo devia abrir os cordões à bolsa; nestes
dias, todos os dias, as greves e manifestações que habitualmente eram
intrinsecamente más, agora, são boas; até um dos casos portugueses é
apresentado como sendo da natureza de “justificação” para a raiva bolsonarista,
enquadrado na culpabilidade de Lula na tentativa de golpe de Estado; uma vez é
porque falam, noutra porque estão calados – há apenas uma constante que nada
tem que ver com escrutínio, mas com o uso político da má-fé. Não é jornalismo,
é propaganda política.
Há apenas uma constante que nada tem que ver com
escrutínio, mas com o uso político da má-fé. Não é jornalismo, é propaganda
A única coisa que
não muda são os alvos, António Costa em primeiro lugar e os ministros que estão
na lista de abate, nalguns casos os que pensam ser mais eficazes e por isso
mais perigosos. E há também um grande silêncio sobre os interesses privados,
quer na TAP, quer na crise hospitalar, quer no comportamento dos senhorios,
quer no contraste entre os baixos salários e os lucros, quer em toda a agenda
económica e social do tipo da IL.
Há um outro
efeito perverso, que é deixar para o populismo a tarefa de erodir o Governo e
manter o PSD capturado, impedindo uma crítica séria e reformista da governação,
que é bem precisa e necessária e que nada tem que ver com isto. E como
acontecerá se chegarem ao poder, vão ver como começam a falar de “populismo de
esquerda” e a pôr na ordem os mesmos que agora atiçam. Com a polícia,
claro.
O autor é colunista do PÚBLICO
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