terça-feira, 21 de junho de 2022

O glorioso aumento das pensões em 2023

 



 EDITORIAL

O glorioso aumento das pensões em 2023

 

Não se censure António Costa por hesitar perante o que desconhece. Mas não se embandeire em arco com as suas promessas gloriosas.

 

Manuel Carvalho

20 de Junho de 2022, 21:30

https://www.publico.pt/2022/06/20/economia/editorial/glorioso-aumento-pensoes-2023-2010719

 

Saber jogar com as palavras é um talento indispensável para quem anda pela alta política, e nesta segunda-feira o primeiro-ministro, António Costa, fez prova desse recurso ao dizer, numa sessão da CNN, que no próximo ano haverá um “aumento histórico” das pensões. António Costa não se furtou depois a explicar a razão dessa magnífica notícia para os pensionistas que nas últimas eleições foram decisivos para a sua maioria absoluta. Não: haveria logo depois de dizer que a lei exige uma actualização das pensões com base na inflação e no crescimento e que ele é servo da lei. O dia, porém, estava ganho: o que ficou no ouvido é que o Governo prepara um aumento glorioso das pensões em 2023.

 

 

Tudo o que vá para lá da decorrência da lei como a que impõe a actualização automática das pensões continua envolto na certeza de que a conjuntura se vai agravar. O Governo e o país vão a caminho de uma tempestade que não se consegue antecipar. Como disse Mário Centeno na mesma sessão, os tempos vão ser difíceis. A inflação deixou de ser um fenómeno passageiro e está aí para corroer os rendimentos e as poupanças. Os juros da dívida disparam. A guerra na Ucrânia está para durar. Os sindicatos, e em especial os da CGTP, prometem um Outono de contestação. O anúncio de um aumento extraordinário é o oásis possível do discurso do Governo.

 

Hão-de chegar entretanto apoios conjunturais às famílias mais carenciadas para fazer esquecer o apoio alimentar retirado a 30 mil pessoas e, como disse António Costa, o turismo impulsionado pela geografia que leva os europeus ricos a viajar para longe do Leste “está fantástico”. As contas públicas continuam a ser geridas com critério. A turbulência nas urgências ou o caos no aeroporto serão tratados com comissões de acompanhamento ou planos de contingência para reparar a falta de decisões estruturais dos últimos anos. Durante o Verão, e até que o momento do tudo ou nada se exponha com o Orçamento de 2023, Portugal vai viver num limbo.

 

Experiente e arguto como é, António Costa já percebeu que, depois da pandemia, vai governar na tormenta. O seu Governo é novo, mas parece cansado. Não sabe, como ninguém sabe, o que está para acontecer. A cada dia que passa, os cidadãos vão dando conta de que não vem aí nada de bom, e é para contradizer esse espírito soturno do tempo que Costa fala de aumentos extraordinários, das maravilhas do turismo ou da certeza das contas certas. Como quem ganha fôlego, navega à bolina. Não se censure por hesitar perante o que desconhece. Mas não se embandeire em arco com as suas promessas gloriosas.

 

tp.ocilbup@ohlavrac.leunam

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