terça-feira, 21 de junho de 2022

O C.G.P. tem as melhores soluções para os ricos




 OPINIÃO

O C.G.P. tem as melhores soluções para os ricos

 

No mundo ideal da IL, não existe Estado capitalizado. O mercado resolve tudo.

 

Carmo Afonso

17 de Junho de 2022, 0:00

https://www.publico.pt/2022/06/17/opiniao/opiniao/cgp-melhores-solucoes-ricos-2010316

 

Alguns terão ouvido Carlos Guimarães Pinto (C.G.P.), na Assembleia da República, esta semana a falar de habitação. Tentarei fazer um pequeno resumo.

 

C.G.P. falou de xenofobia, um problema que sabemos ser grave, mas na versão hostilidade relativamente aos estrangeiros, de classes socioeconómicas altas, que conseguem comprar casas nos centros urbanos, sobretudo no centro de Lisboa.

 

 Num país marcado pelo crescimento da extrema-direita e da consequente discriminação racial e xenófoba das minorias, lembrou-se este político de fazer soar o alarme da xenofobia apontando como vítimas estrangeiros ricos, que chegam a Portugal e que compram casas que os portugueses já não conseguem comprar. Se é possível ser vítima de estigma pertencendo a uma classe social muito privilegiada? C.G.P. acha que sim e denunciou o flagelo. Veremos como se comportarão as autoridades.

 

Não ficou por aí.

 

Falou no direito à habitação, até enquanto direito constitucional, mas com muita calminha: este direito não pode incluir a ambição de comprar casa nas zonas caras. As coisas são como são. C.G.P.​ lembrou que o interior está a desertificar e que faria melhor, em ir para lá, quem anda a pensar comprar casa nestes centros urbanos, que não lhe estão destinados.

 

Já vou tarde para deixar alguma espécie de mistério relativamente à minha inclinação política. Sigo pela esquerda e não sinto na pele a tentação de acreditar nas promessas da Iniciativa Liberal. Mas, mérito lhes seja reconhecido, houve uma percentagem significativa dos portugueses que acreditou. Acreditaram que contribuir para o Estado social significa um prejuízo nos seus rendimentos líquidos, que não compensa os benefícios que dele poderiam recolher. A estes eleitores pouco interessou já terem beneficiado desse Estado social, designadamente na educação e na saúde. Interessou-lhes mais o futuro. Encaram esse futuro com confiança no seu próprio valor e com os seus seguros de saúde. Na verdade, e sem querer ser leitora de mentes, o único obstáculo que os eleitores da IL veem – entre a situação em que atualmente se encontram e o momento em que serão abastados – é o pagamento de impostos excessivos que a governação socialista, marxista mesmo, lhes exige.

 

Nem todos os que votaram na IL são ricos. É ponto assente. E muitos são jovens. A tendência política dos jovens já foi o combate às desigualdades. O BE tinha maior poder de atração, pois a radicalidade que traziam encontrava, nas políticas de combate à precariedade e na luta por melhores salários, um bom domicílio. Essa tendência esmoreceu. Agora nota-se outra: a sua radicalidade encontra no anarcocapitalismo, proposto pela IL, um pouso mais convidativo.

 

Mas o que tem a IL para oferecer a esses jovens?

 

Como é que, a partir do funcionamento livre do mercado, se propõem encontrar soluções para as aspirações, e já sabemos que não são curtas, destes jovens ambiciosos? Confesso a minha curiosidade relativamente às reações perante as palavras de C.G.P.​. Trocaram a luta contra as desigualdades pela promessa de que seriam ricos, mas a primeira é uma luta efetiva e a segunda é um grande zero. Isso terá ficado mais à vista.

 

Querem casa? Vão para o interior que bem precisa de vocês. Preferiam morar no centro de Lisboa? Lamento, mas não vamos bater-nos por isso. Cada um no seu sítio. Os pobres poderão sempre vir grelhar sardinhas nos Santos Populares.

 

A verdade é que o imobiliário é um bom exemplo do que pode acontecer quando deixamos o mercado a funcionar. Não são os promotores imobiliários, que estão no mercado e que procuram o lucro, que devem ser demonizados. É o sistema que não intervém e que permite que seja sobretudo a lógica do mercado a ditar as regras e os preços. Vamos entrar em roda livre.

 

O hábito de falar das políticas que se fazem lá fora, como bons exemplos a seguir, partiu precisamente da IL. Recordemos que existem excelentes exemplos de intervenções do Estado no mercado imobiliário em Berlim, em Amesterdão e, de um modo geral, na Dinamarca. Apoiaram quem precisava e salvaram os centros urbanos de se parecerem com pequenos Dubais.

 

Carlos Guimarães Pinto sabe muito bem que os estrangeiros milionários que estão a comprar casa nos bairros caros são vítimas de preconceito e que correm risco. O que sabemos é que não se trata do risco de terem vizinhos pobres


É mais fácil resolver problemas em países ricos. É sabido. Mas falamos aqui de Estados capitalizados e não de privados ricos. No mundo ideal da IL, não existe Estado capitalizado. O mercado resolve tudo.

 

Acontece que a IL só tem soluções para quem já é rico. Mas não fica por aqui. Para esses, até problemas tem. Tal é a dedicação à classe. A filósofa espanhola Adela Cortina afirmou: “Não rejeitamos estrangeiros se forem turistas, cantores ou atletas famosos, rejeitamos se forem pobres.” Não saberá do que fala. C.G.P.​ sabe muito bem que os estrangeiros milionários que estão a comprar casa nos bairros caros são vítimas de preconceito e que correm risco.

 

O que sabemos é que não se trata do risco de terem vizinhos pobres.

 

A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortogr

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