HENRIQUE PINTO DE
MESQUITA
21/09/2021
08:11
Afirmações sobre a Galp em Matosinhos deixam
primeiro-ministro debaixo de fogo. “Em julho passado, o PS chumbou o nosso
projeto para travar os despedimentos”, lembrou Jerónimo de Sousa.
António Costa
está sob ferro e fogo – e nem levantar a cabeça pode, uma vez que as balas saem
disparadas dos dois lados da barricada. Tanto a esquerda como a direita
reagiram furiosamente às declarações em que prometia “dar uma lição exemplar” à
Galp devido à “insensibilidade” demonstrada pela empresa no processo de
encerramento da refinaria de Matosinhos. E os trabalhadores, 1600 – que, em
vão, suplicaram pela intervenção do Governo –, dizem-se “estupefactos” pela
tomada de posição do primeiro-ministro.
Quanto a
críticas, a esquerda mune-se, sobretudo, da narrativa social no contexto da
defesa dos trabalhadores e acusa Costa de hipocrisia. Já a Direita mune-se,
sobretudo, da narrativa económica no contexto da defesa das liberdades
empresariais e acusa Costa, também, de hipocrisia. Caso raro este em que, uma
declaração – que muitos acusam de ser só uma ‘cenoura eleitoral’ para a cidade
(que já é PS) – fez disparar as armas de todos os cantões da política nacional.
Vamos aos factos:
o primeiro é que o Estado detém uma participação na refinaria da Galp em
Matosinhos. O segundo é que, em maio, António Costa não lançou críticas tão
duras sobre o encerramento da refinaria, considerando-o um ‘pau de dois bicos’:
“[o encerramento] foi um enorme ganho para a redução das emissões, mas, também,
um enorme problema pela necessidade de garantir emprego e todos aqueles que
aqui trabalhavam”. A mesma posição manifestada pelo ministro do Ambiente. Em
quatro meses, o encerramento da refinaria, que representava “um enorme ganho
para a redução das emissões”, passou a ser uma gravíssimo crime laboral ao
ponto de o primeiro-ministro ameaçar a empresa’: “Quem se porta assim tem de
levar uma lição” – atirou Costa em Matosinhos.
Costa “adapta o
discurso à audiência” No entender de Carlos Guimarães Pinto, economista e
antigo líder do IL, o primeiro-ministro “adapta o discurso à audiência”: “Costa
fez essas declarações porque estava em Matosinhos, certamente perante algumas
pessoas que tinham perdido o emprego na refinaria. Se fosse em Lisboa, perante
ambientalistas, dizia que tinha encerrado a refinaria por questões de transição
energética”. Não é, aliás, a primeira vez que o faz, continua, referindo-se ao
caso em que “em frente a uma plateia na Católica [na questão dos cursos de
Medicina], deu os parabéns à instituição por ter conseguido combater as
burocracias do próprio governo que chefia”.
Para Guimarães
Pinto, é “inconcebível” a ideia de que “não tenha havido diálogo com o Governo
sobre a forma como iria fechar a refinaria”. “Isto é típico António Costa:
discurso eleitoralista em que vale tudo”, conclui.
Costa
“descredibilizou a política” Saltando para a barricada esquerda do campo, ao i,
a historiadora Raquel Varela considera as declarações de António Costa
“profundamente oportunistas” e “descredibilizadoras da política”. Tal, deve-se
ao facto de, no contexto do encerramento da Galp, “Costa ter tido oportunidade
de atuar e não o ter feito”. É, por isso, “de um enorme oportunismo, agora, em
campanha eleitoral, enquanto chefe de Governo, dizer isto”.
No entender da
investigadora e professora universitária, é “evidente” que António Costa “tinha
meios políticos para impedir que a Galp encerrasse com esta frieza e
desrespeito pelos trabalhadores”, não deixando escapar um puxão de orelhas ao
socialismo do primeiro-ministro: “Ainda se espera de Costa uma palavra sobre a
renacionalização da Galp, pois essa é a resposta que se esperaria de alguém
socialista. Este era um excelente momento para renacionalizar a Galp, e Costa
não o fez”.
No entender de
Raquel Varela, a “população está profundamente desmoralizada porque a política
profissional se vai desacreditando com a falta de intenção de verdade, com o
oportunismo e com a falta de ética”. Por fim, remata: “Tudo isto contribui para
descredibilizar a política e estas declarações são naturalmente parte desse
oportunismo”.
Costa é “papão
dos empresários” Começando pelos partidos à direita, Francisco Rodrigues dos
Santos, líder do CDS-PP, aconselhou António Costa a não ser um “papão” dos
empresários: “Referia-se, em maio, ao encerramento da refinaria de Matosinhos
como um grande exemplo da aposta nos desafios ambientais e hoje vem, qual papão
dos empresários, dizer que é preciso dar uma lição exemplar à Galp”, disse.
Numa arruada na Madeira, o líder centrista realçou ainda que, em vez de dar
conselhos aos empresários, Costa deve “preocupar-se mais” com as empresas do
Estado, como a TAP, cuja gestão diz ser “absolutamente ruinosa”.
André Ventura,
juntando-se ao coro de críticas, acusou o primeiro-ministro de “hipocrisia”: “É
uma grande hipocrisia do primeiro-ministro para com os trabalhadores, uma vez
que a comissão de trabalhadores tentou sem sucesso falar com António Costa e o
PS e agora ele diz que quer dar uma lição exemplar à Galp. Não o fez, nem o
queria a fazer”. O líder do Chega adiantou, ainda, que o Estado poderia ter
tido influência de forma a evitar o encerramento, encontrando no facto de o PS
estar em campanha eleitoral a razão para o discurso do primeiro-ministro.
“Lágrimas de
crocodilo” Quem também partiu em violento ataque a António Costa foi o líder do
PCP, Jerónimo de Sousa. Evidenciando que o “Estado é o segundo maior acionista”
da refinaria e que esta chegou a este estado devido à “passividade e cooperação
do governo”, Jerónimo afirma que o primeiro-ministro “bem pode vir carpir
mágoas sobre os trabalhadores” que estas não passam de “lágrimas de crocodilo”.
Em campanha em
Odemira, Jerónimo de Sousa disse ainda que o primeiro-ministro falou “como se
os grandes monopolistas tivessem coração em vez de um cifrão”, expondo outro
elemento: “Em julho passado, o PS chumbou o nosso projeto para travar os
despedimentos coletivos em massa [na Galp] e nunca acompanhou as medidas que
propusemos para impedir o encerramento da refinaria de Matosinhos”.
Em Espinho,
Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda, ironizou a situação e acusou
Costa de cinismo: “Estava a ouvir António Costa e pensava: ‘bem, se quem pensa
assim fosse primeiro-ministro e tivesse votado a proposta do BE sobre os
despedimentos…’”. A líder bloquista notou ser “estranho [que] a mesma pessoa
que chumbou as propostas para defender os precários da Galp esteja agora
chocada”, algo que se intensifica por o Estado que governa ser acionista da
empresa. Assim, conclui, sem panos quentes: “A política não pode ser esse
exercício de cinismo”.
Quanto à ”lição
exemplar” prometida pelo primeiro-ministro, não foi concretizada. A
empresa também não fez comentários.

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