OPINIÃO
O Chega inverteu,
e André Ventura gosta mais assim
Se o partido quer
crescer, precisa de tentar conquistar eleitorado, e não vai ser com certeza com
um programa intitulado “A escola pública e o SNS são para implodir”.
JOÃO MIGUEL
TAVARES
7 de Dezembro de
2019, 6:01
Nos últimos dias,
opinantes como Raquel Varela ou Daniel Oliveira resolveram – e bem – alertar os
portugueses para o facto de o Chega propor no seu programa eleitoral o fim da
escola pública e do Sistema Nacional de Saúde como o conhecemos. Apanhado de
surpresa, André Ventura decidiu ir ler a parte final do programa do seu partido
(ainda não tinha tido tempo) e não gostou nem um bocadinho do que encontrou.
André Ventura, coitadito, está em profundo desacordo com o programa que o
elegeu.
Resultado: ele
anunciou de imediato ao Diário de Notícias que na próxima reunião do Conselho
Nacional, lá para Fevereiro, irá propor, no que diz respeito à visão do Chega
sobre o Estado Social, “uma clarificação em sentido inverso em relação ao que é
o espírito do actual programa do partido”. Nunca tinha ouvido esta expressão –
“clarificação em sentido inverso” –, mas passou a ser uma das minhas favoritas
de sempre. A partir de agora, nunca mais vou dizer: “Desculpa, amor, fiz
asneira da grossa.” Mas sim: “Querida, por favor, permite-me fazer uma
clarificação em sentido inverso.” A minha vida doméstica vai melhorar
muitíssimo.
Problema: O Chega
corre o risco de passar a ser conhecido como o partido dos invertidos, o que é
capaz de cair mal junto do seu eleitorado mais conservador. Mas André aguenta
tudo. E, para sermos justos, há que admitir que ele não tinha grande
alternativa, pelo menos se ambicionar ter companhia na bancada durante a
próxima legislatura. Vejamos: o Chega é contra os ciganos, mas os ciganos são
poucos; o Chega é contra os imigrantes, mas a imigração já viu melhores dias; o
Chega é a favor da castração química dos pedófilos, mas não há assim tantos
pedófilos para castrar; o Chega ama os polícias, mas o número de fardas é
limitado; donde, se o partido quer crescer, precisa de tentar conquistar
eleitorado, e não vai ser com certeza com um programa intitulado “A escola
pública e o SNS são para implodir”.
Perguntar-me-ão
os leitores mais ingénuos: mas não é nisso que André Ventura acredita? Caros
leitores ingénuos: André Ventura não acredita em coisa alguma. Ou melhor, ele
acredita, em cada momento, naquilo que lhe dá mais jeito acreditar. André
Ventura é o principal marxista da Assembleia da República, tendência Groucho –
“estes são os meus princípios, e se não gostarem, tenho outros”. Ele é um
populista ambicioso, que quer dar nas vistas e conquistar poder, não por ter
uma grande visão para o país, mas porque tem uma grande visão acerca de si
próprio. Os que preferem ver o copo meio cheio, podem sempre consolar-se por
ele não acreditar nas coisas trogloditas que diz. Os que preferem ver o copo
meio vazio, podem sempre lembrar que ele é ainda menos recomendável por causa
disso, já que os políticos que não acreditam em nada são precisamente aqueles
que têm menos escrúpulos.
Basta escutá-lo
em pose cartilheira na CMTV, a defender fanaticamente os interesses do Benfica
e muito identificado com os seus dirigentes, para perguntarmos como é possível
ser este o mesmo homem que está no Parlamento a gritar contra os políticos e a
perorar contra a corrupção. Uma coisa não bate com a outra. Ainda assim, o
discurso de André Ventura tem potencial para fazer mossa. Mesmo com estas
contradições patéticas, há espaço para crescer. Ventura é da escola
Trump-Bolsonaro: pode conseguir agregar o mal-estar dos eleitores, ainda que as
soluções que tem para apresentar não tenham ponta por onde se lhes pegue.
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