REPORTAGEM
Marcha pelo
Clima: os olhos do mundo estão a pressionar os líderes da COP
Organização da
Marcha pelo Clima diz que mais de 500 mil pessoas desfilaram no centro de
Madrid. Greta Thunberg abandonou o percurso a meio mas regressou ao palco, para
discursar enquanto milhares ainda caminhavam.
Patrícia Carvalho
Patrícia Carvalho
em Madrid 6 de Dezembro de 2019, 22:23
Os discursos no
palco montado nos Nuevos Ministerios, em Madrid, já iam adiantados e ainda se
marchava pelo clima na capital espanhola. Já tinha falado Javier Bardem, já
tinha falado Greta Thunberg e ainda havia milhares de pessoas a caminhar,
segurando cartazes e entoando cânticos. A organização fala em mais de 500 mil
participantes, na manifestação que deixou um recado a quem, a poucos
quilómetros, negoceia novos acordos com fortes implicações no futuro do
planeta, e em concreto, evitar a subida da temperatura acima dos 1,5 graus
Celsius.
Para os que estão
reunidos na 25ª Convenção das Partes (COP25) da Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre as Alterações Climáticas, a mensagem chegou através de um pano
pintado por 190 pessoas, a que deram o nome Os olhos do Mundo. “Os olhos do
mundo estão postos em vocês. Não nos decepcionem”, avisou-se no palco.
Foram muitas
cores, vozes, línguas e idades a encher as ruas de Madrid em nome da justiça
climática. Greta Thunberg, a jovem de 16 anos transformada em estrela na luta
contra as alterações climáticas, percorreu parte do trajecto e acabou por
deixar as ruas, a conselho da polícia, mas regressou para fazer um breve
discurso no palco montado no final do percurso.
“La niña”, como
lhe chamam os espanhóis, repetiu as palavras que já lhe são familiares, arrancando
aplausos aos que já tinham chegado, porque muitos dos outros nem sequer se
aperceberam da sua presença, tão longe vinham ainda. “A esperança não está
dentro do edifício da COP25, mas aqui, connosco”, disse, entusiasmando a
multidão enquanto repetia: “São os povos que são a esperança. Vocês são a
esperança. Precisamos de continuar, precisamos de manter o momentum.”
A quem governa, a
jovem de 16 anos dirigiu-se no tom de aviso que já lhe é habitual. “A mudança
não virá de quem está no poder. Mas das massas, de nós. Somos nós que vamos
trazer a mudança. As pessoas no poder precisam de nos seguir, nós é que estamos
a mostrar o caminho. Eles precisam de assumir as suas responsabilidades e de
fazer o trabalho deles. Porque os nossos líderes estão a trair-nos e não vamos
continuar a deixar que o façam. Dizemos, chega, agora. E a mudança vem aí,
queiram ou não. Porque não temos opção”, disse, antes de se despedir, sob um
imenso aplauso.
Foram mais os que
não a ouviram do que aqueles que já tinham terminado a caminhada iniciada quase
três horas, junto à estação de Atocha. Milhares de pessoas de todo o mundo, que
aproveitaram o protesto para expor todo o tipo de problemas, da mineração, à
devastação das florestas e ao fim do nuclear. Havia indígenas da América
Latina, envergado trajes tradicionais, havia pessoas de máscara, havia crianças
e velhos, criaturas do mar feitas com gaze e luzes, peixes sem corpo, planetas
com uma chama a encimar-lhe a existência.
Até havia um
enorme cartaz especialmente dedicado ao Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro,
que Angel “Titiretero” (fabricante de marionetas, como se identifica), de 77
anos, criou, com várias imagens de animais, incluindo um urso polar. “Porque o
que está a acontecer na Amazónia interessa a todo o mundo”, dizia.
O sentimento de
globalidade vivia-se ali em todos os grupos que se juntaram ao longo do
percurso. A maior parte espanhóis, mas muitos de outras partes do globo. Triana
Wardani, de 33 anos, viajou da Indonésia para Espanha para participar na COP25,
e levar aos interessados em ouvi-la notícias sobre a luta que a associação com
que trabalha tem travado em defesa das mulheres. E também pelo fim da poluição
causada pelos incêndios que, diz, acontece “todos os anos, desde há 22 anos,
sem que os governos a consigam travar”. O resultado é quase um milhão de
pessoas, diz, em 2019, com infecções respiratórias agudas. Ela estava ali para
protestar contra as mudanças climáticas, mas sobretudo contra isso.
A colombiana
Saulay Perez, de 24 anos, está há poucos meses em Madrid a estudar, mas não
sabe se vai regressar à Colômbia. “O país não está bem. É uma combinação de
tudo, das alterações climáticas e do estado político”, diz, enquanto recorda
que há rios da sua infância que hoje, por causa da seca, “já não existem”.
Maria José
Esteban, 59 anos, é dali mesmo, da capital espanhola e suspira quando lhe
perguntam se tem esperança que algo de bom saia da COP25. Mas não quer dizer
que não. “Há muita gente que começa a pensar. Só por isso, já melhorou, mas
ainda falta muito para a mudança. Nós é que temos de solucionar. Haja alguém
que nos escute.”
De Portugal, como
esperado, estiveram cerca de 200 pessoas, entre activistas e políticos. A líder
do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, em declarações aos jornalistas antes da
marcha, salientou a importância da mobilização popular, na tentativa de fazer os
políticos mudar e defendeu que há três pontos cruciais nesta COP25. “São
precisos objectivos claros, vinculativos, que não se fiquem pelo mercado do
carbono, porque não se negoceia o clima. Os mercados são para quem pode pagar
para continuar a poluir. O objectivo não é esse. E é preciso defender a
floresta tropical, a Amazónia e as outras”, disse.
Iris Gil, de 19
anos, era outra portuguesa entre os milhares que percorreram pacificamente as
ruas do centro da capital espanhola, menos cheias da gente habitual, porque era
feriado. Diz que se sentiu motivada a participar na marcha depois de ouvir uma
palestra sobre desobediência civil, na Universidade de Coimbra, onde estuda
agricultura biológica.
As preocupações
com o clima já a fizeram avançar com algumas mudanças na sua vida. “Sou vegan
há quatro anos e comecei a investigar muito sobre estes temas, o que me deixou
com uma grande preocupação”. Quando terminar o curso quer viajar, numa carrinha
movida a painéis solares, que a levem a vários santuários de protecção animal.
Leo Angel, de 8
anos, ainda não sabe o que quer fazer. Está na manifestação acompanhado pela
mãe — uma irlandesa com quem ele fala em inglês, apesar de ser espanhol — e
quando lhe perguntam por que está ali, pensa um segundo e responde: “Para
impedir as pessoas de colocarem plásticos na água.” E mais? Ele diz que por
mais nada, até a mãe o lembrar: “Então e os ursos polares?” Sim, também está
ali pelos ursos polares”, lembra-se, finalmente.
Pacificamente,
com muitas canções pelo meio e algumas intervenções na cabeça da marcha ao
longo do trajecto, a manifestação foi terminando, muito lentamente, junto ao
palco onde a brasileira Sônia Guajajara garantia que “estamos vivendo uma
guerra global contra todos e todas que defendemos a Mãe Terra”, insistindo:
“Não temos muito tempo, precisamos de agir agora.”
“Já” foi também o ultimato deixado pelo actor
e activista Javier Bardem, quando exigiu as mudanças necessárias para alterar o
rumo que, neste momento, está a levar o mundo para um aumento de temperatura
acima dos 3 graus Celsius. “Temos só dez anos para travar as piores
consequências do aquecimento global”, enfatizava.
À sua frente,
milhares ainda marchavam.
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