E se as
alterações climáticas não lhes interessam? Mostrem-lhes o dinheiro
Explicar aos
decisores políticos e aos agentes económicos que investir na economia verde é
mais lucrativo do que insistir nos combustíveis fósseis ou que há um lucro
efectivo em proteger a floresta pode ser mais eficiente do que recorrer apenas
ao argumento ecológico.
Patrícia Carvalho
, em Madrid 7 de Dezembro de 2019, 18:00
A25.ª Convenção das
Partes (COP25) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações
Climáticas estava no seu primeiro dia quando Bertrand Piccard pôs o dedo sobre
uma grande ferida: como se convencem os decisores políticos e económicos que
não se importam com as alterações climáticas ou com o futuro das gerações mais
jovens a fazer as mudanças necessárias para evitar uma catástrofe ambiental?
“Explicando quão lucrativa é a economia verde. Sendo mais lógico e menos
ecológico”, disse.
Não é uma questão
pequena, sobretudo numa COP em que dois dos protagonistas, pela negativa, são
os Presidentes dos Estados Unidos da América e do Brasil, países que estão
entre os principais emissores de gases com efeito de estufa (GEE) mundiais. No
caso de Jair Bolsonaro, ele é também responsável pela maior parte da Amazónia
(60% da floresta está dentro das fronteiras do Brasil), o grande pulmão verde
do planeta. E o anúncio de Donald Trump de que o país vai abandonar o Acordo de
Paris está a ser contestado diariamente na Feira de Madrid, onde decorre a
cimeira até dia 13, com o pavilhão norte-americano (o US Climate Action Center)
em que acontecem palestras constantes por parte de empresas, universidades e
outros organismos a apresentar-se com a frase “We are still in” (Ainda estamos
[no Acordo de Paris]).
Por isso, quando
no primeiro dia da cimeira do clima, numa mesa-redonda em que também participou
o primeiro-ministro português, António Costa, o médico, explorador e investidor
suíço levantou a questão dos que não se importam com as alterações climáticas,
o assunto estava perfeitamente integrado num palco em que as alterações
climáticas são o actor principal. “Há pessoas que não se preocupam de todo com
o ambiente e a próxima geração. E quando se juntam essas pessoas, elas formam
uma maioria. É com eles que temos de falar. Quando falamos aqui, entre nós,
entre pessoas que têm as mesmas preocupações, não é suficiente”, disse Piccard,
fundador da Solar Impulse Foundation e que em 2016 encheu páginas de jornais em
todo o mundo ao tornar-se um dos dois pilotos que completaram uma volta ao
mundo num avião movido a energia solar, o Solar Impulse 2.
A solução,
defendeu, é mudar o centro da questão. “Temos de falar com eles como se as
alterações climáticas não existissem e levá-los a mudar. Como? Explicando quão
lucrativa é a economia verde”, defendeu. “Quando lhes explicarmos o quanto vão
lucrar e os empregos que vão criar, não têm desculpa para abandonar a luta
contra as alterações climáticas. Mesmo os que não se preocupam com isso. É o
dinheiro”, argumentou.
Francisco
Ferreira, da Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável, concorda que o
argumento económico é um bom caminho a seguir. “É preciso que as pessoas
percebam que quanto mais tarde se intervir, mais caro vai ficar [resolver os problemas
decorrentes das alterações climáticas]. E também que grande parte das emissões
estão associadas ao uso de combustíveis fósseis e que os custos das energias
renováveis estão a ficar muito mais atraentes do que o uso desses
combustíveis”, diz.
Este sábado, à
margem de um painel em que se discutiam soluções baseadas na natureza para
combater as emissões de GEE, a directora de Ciência do IPAM - Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazónia, Ane Alencar, também propunha uma solução
baseada na economia para convencer o governo federal de Jair Bolsonoro a
proteger a floresta. “Infelizmente, o sinal que o governo actual tem dado não é
muito bom para combater o desmatamento. Tanto que ele aumentou de uma forma
muito abrupta este ano.
Mas o que se
espera é que o governo federal entenda que o combate ao desmatamento é
fundamental para, por exemplo, o sector do agro-negócio. Este é um dos
principais sectores da nossa economia, que viu a sua reputação internacional
diminuída com esta instabilidade que foi gerada pela questão de falta de
governança ambiental e pela desestruturação que este governo tem feito das leis
ambientais. Isso tem impactado directamente a sustentabilidade do agro-negócio
brasileiro e é importante que o governo perceba isso e comece rapidamente a
desestimular o desmatamento desnecessário e ilegal que representa pelo menos um
terço do desmatamento da região”, disse ao PÚBLICO.
Um caso de
polícia
Pouco antes, Ane
Alencar tinha apresentado a uma sala cheia dados sobre os brutais incêndios de
Agosto na Amazónia, que classificou como “um caso de polícia”, atribuindo a
responsabilidade dos fogos extemporâneos (Setembro costuma ver o pico de
incêndios) e dissociados da ausência de chuva (o ano não tinha sido
particularmente seco) a “pessoas que estavam a especular com a terra”.
A responsável do
IPAM apontou soluções para proteger a floresta - o estabelecimento de algum
tipo de protecção para as áreas que pertencem ao domínio público da Amazónia;
criar incentivos de conservação para as zonas privadas da floresta; e
desenvolver apoios para os pequenos produtores -, mas, quando lhe perguntam se
essas soluções são expectáveis com o actual governo federal, sorri e recorre ao
argumento económico.
E se ele não
funcionar, há sempre a possibilidade de tal como nos Estados Unidos, os
governos estaduais agirem de forma diversa do governo central. “Eles têm um
papel muito importante agora”, diz Ane Alencar. “Temos um consórcio de
governadores da Amazónia que estão vindo para a COP com esse roteiro: o que é
que a gente pode fazer realmente para desincentivar a ilegalidade no
desmatamento e promover as boas práticas na agricultura e na gestão florestal.”
São governadores
que, na sua maioria, apoiaram a eleição de Bolsonaro, diz, mas que lidam de
perto com os problemas criados pela destruição da floresta e que, além disso,
estão a procurar perceber o que Ane Alencar diz ser “um governo actual
confuso”. E explica: “Se, por um lado, vimos os primeiros seis meses de
governação, em que se negou todo o processo de desmantelamento da política
ambiental — que acabou incentivando o desmatamento —, por outro lado temos o
ministro do Ambiente a dizer na COP que o Brasil preserva uma grande parte das
florestas do mundo e que precisa de recursos para continuar a preservar. São
mensagens trocadas e todo o mundo fica sem saber o que está acontecendo.”
A COP25 está a
decorrer em Madrid até ao dia 13 de Dezembro, depois de o Brasil ter recusado
organizar o encontro e de o Chile, que o substituiu, ter abdicado de acolher a
cimeira devido aos protestos que tomaram conta das ruas há semanas.
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