Macron a braços
com uma greve geral que promete paralisar França
Os sindicatos
saem esta quinta-feira à rua para contestar uma lei que ainda não existe, a
reforma do sistema de pensões. Num clima de ansiedade generalizada, teme-se que
o protesto gere violência.
Clara Barata
Clara Barata 4 de
Dezembro de 2019, 20:30
A promessa de
Emmanuel Macron é clara: “Cada euro descontado para a reforma deve dar os
mesmos direitos a todos”. Mas os franceses têm sentimentos contraditórios. Uma
sondagem Odoxa para o jornal Le Figaro revela que 66% desejam que se acabe com
os 42 tipos de regimes de pensões. Mas 65% consideram “justificada” a greve
geral que começa esta quinta-feira contra a reforma que o Presidente francês
quer fazer.
“Um ciclone”. É essa a comparação que surgiu
nas páginas dos media franceses, para explicar aquilo de que o executivo está à
espera com a greve geral. Transportes de Paris paralisados, caminhos-de-ferro,
refinarias, escolas, hospitais – espera-se um clima de inferno para os
cidadãos. Estima-se que apenas 10% dos comboios circulem em todo o território,
e que praticamente nenhum metro circule em Paris. Já na quarta-feira ao fim do
dia houve engarrafamentos monstruosos em Paris.
O Governo impôs
limites ao preço praticado por aplicações como o Uber. O bloqueio de depósitos
de combustível no Oeste de França deixou centenas de estações de serviço sem
combustível.
Na maioria
presidencial, teme-se a radicalização do protesto – evoca-se a violência do
movimento Coletes Amarelos, e a possível radicalização dentro dos próprios
sindicatos. Teme-se que não haja capacidade nos movimentos sindicais para
controlar elementos violentos que surjam nas manifestações. Tem sido um facto recorrente,
houve perturbações violentas até na Marcha pelo Clima, em Paris, em Setembro.
“Há uma
radicalização evidente da sociedade francesa. Uma ‘amarelização’”, disse ao Le
Monde um elemento do gabinete do primeiro-ministro, Edouard Philippe.
Recorda-se também
o movimento grevista de 1995, iniciado no mesmo dia 5 de Dezembro, para
contestar a reforma da Segurança Social e do sistema de pensões que Alain Juppé
tentou lançar. Foi preparada no segredo do seu gabinete, sem que tivessem
sequer participado nas reuniões ministros de sectores visados, e muito menos
sindicatos. Não houve nem uma réstia de concertação social neste esforço. A
reacção ao projecto, que causou um amplo desagrado, foi violenta – e saldou-se
numa derrota para Juppé.
Edouard Philippe,
que foi colaborador de Juppé, diz ter uma recordação “muito viva” deste
falhanço do seu “antigo patrão” e mostra-se disposto a dialogar com os
sindicatos, com uma atitude mais aberta que o Presidente Macron, diz o Le
Monde.
Falta uma lei
As autoridades
prevêem 270 mil pessoas nas ruas a nível nacional, diz o jornal Le Parisien. Há
um vasto leque ideológico de políticos que promete estar presente: de Marine Le
Pen (extrema-direita) a Olivier Faure (socialista), de Jean-Luc Mélenchon
(França Insubmissa, esquerda radical) a Yannick Jadot e Julien Bayou
(Europa-Ecologia-Os Verdes) ou Fabien Roussel (Partido Comunista). Farão frente
comum contra uma lei que na verdade ainda não existe. De fora ficam só A
República em Marcha, do Presidente Macron, e Os Republicanos, de direita.
A greve geral
desta quinta-feira – que pode continuar por tempo indeterminado, a decisão
sobre a continuação vai ser tomada diariamente – não é uma revolta contra
medidas já escritas em letra de forma, nem faz exigências concretas para as
mudar.
O que há é uma
grande animosidade e desconfiança em relação a Macron, baptizado como “o
Presidente dos ricos”, agudizada pela violência policial usada para reprimir os
protestos dos “coletes amarelos”.
A promessa do
Presidente de abolir as mais de quatro dezenas de regimes especiais de pensões
vigentes em França trouxe à tona as ansiedades e receios de classes de
trabalhadores que normalmente têm uma forte mobilização sindical, como os
ferroviários.
Por ora, existem
apenas as ideias que constam de um relatório entregue em Julho por Jean-Paul
Delevoye, alto-comissário para os pensionistas – embora estejam previstos
encontros com os sindicatos e a discussão da lei em Conselho de Ministros até
ao fim do ano.
Delevoye propôs
um regime universal, acabando com os 42 até agora existentes, em que as regras
de cálculo das pensões serão iguais para todos, tanto no público como no
privado, através de um sistema por pontos. O montante da reforma será calculado
a partir do número de pontos adquirido ao longo da carreira contributiva, e não
a partir do número de anos de contribuições. Os pontos dependem dos
rendimentos, mas não só. O nascimento de um filho, por exemplo, que pode
penalizar a carreira dos pais, passará a valer pontos.
Segundo o
relatório Delevoye, a idade legal de reforma continuará a ser de 62 anos, mas
deve ser introduzido o conceito de uma média de idade em que as pessoas se
reformam, que deverá ser de 64 anos. Mas essa idade poderá ser actualizada, ou
instituído um sistema de compensações e penalizações, para incentivar o
trabalho até mais tarde.
Nos regimes
especiais de pensões, que vão acabar com a reforma desejada por Macron, os
trabalhadores vão para a reforma mais cedo. Nos Transportes de Paris (RATP),
por exemplo, a idade média é de 55,7 anos, de acordo com a televisão francesa
LCI. No regime geral a média é de 63 anos e na função pública 61,3 anos.
A maioria dos
pensionistas franceses, no entanto, recebe reformas no regime geral (82%) dos
assalariados. Só 6% tem acesso aos 42 regimes especiais, segundo um relatório
da Direcção de Investigação, Estudos, Avaliação e Estatísticas, citado pelo Le
Monde. No regime geral dos privados, o montante bruto da pensão oscila entre 1260
e 1410 euros. Na função pública francesa, é de 2206 euros. E nos Transportes de
Paris, com menos anos de trabalho, é de pelo menos 2357 euros.
Apesar dos
regimes especiais se aplicarem a uma percentagem pequena de trabalhadores, a
possibilidade de mudança assustou os trabalhadores de sectores chave da
economia francesa. Resta saber se conseguirão fazer Macron recuar ou se o
“ciclone” está para durar.
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Réforme des
retraites : l’heure de vérité pour Emmanuel Macron
Au sein du
gouvernement et dans la majorité, on estime que c’est la fin du quinquennat et
la « capacité à réformer » qui se joue à partir de jeudi.
Par Cédric
Pietralunga et Alexandre Lemarié Publié
aujourd’hui à 10h39, mis à jour à 19h26
Il en a fait sa
marque de fabrique. Sa raison d’être au pouvoir. Lors de la campagne
présidentielle, le candidat Macron s’était présenté comme celui qui mènera une
transformation en profondeur du pays. « Le véritable clivage aujourd’hui est
entre les conservateurs passéistes (…) et les progressistes réformateurs »,
écrivait-il dans son livre Révolution, publié fin 2016 (XO Editions). Trois ans
plus tard, cette posture de l’audacieux qui ne recule pas devant l’obstacle
reste le principal point fort du chef de l’Etat. Le sentiment qu’« il ose faire
des réformes impopulaires mais nécessaires » est la principale raison avancée
par les 39 % de Français soutenant son action, selon un sondage Harris
Interactive diffusé lundi 2 décembre.
« Dans les études
d’opinion, Emmanuel Macron est d’abord perçu comme un réformateur, confirme
Frédéric Dabi, directeur général adjoint de l’IFOP. Le volontarisme et la
transformation sont des piliers de son image, avec l’idée, selon ses soutiens,
qu’il règle des problèmes non résolus depuis trente ans. » Les critiques sur
son inaction, très fortes sous son prédécesseur François Hollande, sont
d’ailleurs quasi inexistantes le concernant.
Lire l’entretien
: « On se croirait à la veille d’un typhon, je ne me souviens pas avoir déjà
vécu ça »
Ce constat suffit
à résumer l’enjeu crucial devant lequel se trouve le président de la
République, avant la mobilisation sociale du 5 décembre, qui risque de
paralyser le pays : à travers la réforme des retraites, M. Macron joue sa
capacité à poursuivre son action réformatrice. « Les retraites, c’est le grand test. Si on
cale, le quinquennat sera fini, on ne fera plus rien », tranche un poids lourd
du gouvernement. Un sentiment
largement partagé au sein de la majorité. « Les retraites, ce sera le marqueur
de notre capacité à réformer, juge la porte-parole de La République en marche
(LRM), Aurore Bergé. On sera aussi évalué sur notre capacité à tenir sur ce
sujet. »
Pas question,
donc, de caler sur ce dossier symbolique, et de sortir défait du bras de fer
avec les syndicats. Au sein de la majorité, tous refusent d’envisager un
scénario noir semblable à celui de 1995, lorsque le premier ministre de
l’époque, Alain Juppé, avait été contraint de reculer sur sa réforme des
régimes spéciaux, sous la pression de la rue. Avant l’épreuve de force,
l’exécutif affiche donc une volonté sans faille de mener à terme cette promesse
de campagne, sur laquelle il a investi l’essentiel de son capital politique. «
Je veux aller au bout de cette réforme, je pense qu’elle est nécessaire pour le
pays, donc je la défendrai », a prévenu Emmanuel Macron, quand Edouard Philippe
se dit « plus déterminé que jamais ».
ANÁLISE
A greve geral em
França
Estão reunidas as
condições para um afrontamento maior entre o poder e os sindicatos. O tema é a
reforma do sistema de aposentações.
JORGE ALMEIDA
FERNANDES
30 de Novembro de
2019, 7:14
Esgotada a
revolta dos “coletes amarelos”, a França reentra em ebulição: greve geral no
dia 5 de Dezembro contra a reforma do sistema de aposentações. E, se houver
mobilização, greve ilimitada. A febre é alta. E também a retórica: fala-se numa
“quinta-feira negra” com epicentro nos transportes e fazem-se referências
históricas a Maio 68 e ao Outono de 1995 - três semanas de greve que bloquearam
a França. A dramatização faz parte da mobilização da opinião pública.
“Um perfume de guerra social impregna de novo
o país”, anuncia o sociólogo Guy Groux. “A situação parece muito crítica e
estão reunidas as condições para um afrontamento maior entre o poder e os
sindicatos.” De um lado, estão confederações sindicais com uma posição
“maximalista”, propondo uma greve ilimitada. E os sindicatos estão sujeitos “a
fenómenos de radicalização ou à ultrapassagem das direcções pela base”. Do
outro lado, a determinação do governo em realizar uma das emblemáticas reformas
de Emmanuel Macron. O conflito, previne Groux, não será apenas um desafio para
o poder mas também “um desafio crucial para os sindicatos”, que continuam a
sofrer um implacável processo de erosão.
Ao contrário das
“vagas de revolta” que percorrem o mundo e dos “coletes amarelos”, esta é uma
acção clássica: não surpreenderá, não será inesperada e terá líderes. Resta
saber se tudo correrá de forma clássica. E verificar o seu impacto na Europa.
Reforma de alto
risco
Macron propõe a
fusão dos 42 regimes de reformas existentes num “sistema universal”, assente
numa pontuação determinada pela carreira contributiva. Fala em “equidade” e num
“projecto de emancipação”. O que está em jogo não é a idade da aposentação, mas
os “regimes especiais” de certas categorias, sobretudo no funcionalismo e no
sector público. É a isto que os sindicatos se opõem frontalmente.
O Monde, nos seus
editoriais, aconselha o Presidente a suspender a reforma. Reconhece a “bondade”
do projecto: “Os potenciais perdedores seriam os beneficiários de regimes
especiais largamente financiados pelos contribuintes e os agentes activos da
função pública que vêem hoje o montante da sua pensão ser calculado sobre os
últimos seis meses de actividade e não, como no sector privado, sobre os 25
melhores anos.”
Mas teme que o
risco político se torne explosivo: “A defesa dos regimes especiais não é
certamente a causa mais popular, mas a crise existencial em que vivem numerosos
serviços públicos, a começar pelo hospital, o descontentamento de uma parte dos
franceses que se sentem desconsiderados e mal representados, a agitação nas
universidades ou a vontade de ruptura de alguns opositores constituem um
terreno tão mais perigoso quanto as organizações sindicais sofrem do mesmo
descrédito que os partidos políticos. E terão dificuldade em enquadrar a
contestação.”
Conclusão do
jornal: “Ou o chefe de Estado tem um imoderado gosto pelo risco ou engana-se na
análise. A sua convicção é que, se cessar de transformar o país, tal
significaria o fim do macronismo.”
A origem da
“rebelião” de 1995 foi um volte-face do Presidente Jacques Chirac que
escandalizou os cidadãos. Eleito com uma campanha centrada na denúncia da
“fractura social”, mal chegou ao poder anunciou que “infelizmente” a prioridade
do governo seria a redução do défice. E medidas impopulares, como a abolição de
regimes especiais de aposentação. “Incendiou” os transportes públicos e
seguiram-se três duras semanas de greve.
“Na política
interna, Chirac tinha um estilo marcial mas um temperamento acomodatício”,
observa no Libération o analista Alain Duhamel. Macron é o contrário. Anunciou,
na campanha eleitoral, uma “reforma sistémica” das aposentações. “Fala como um
sedutor mas age como um decisor. Quer fazer da reforma das aposentações um
símbolo do seu mandato, ainda que tenha de pagar um preço eleitoral.”
Duhamel aponta
uma outra e considerável diferença em relação a 1995. “Em 1995, existia uma
alternativa política, incarnada por Lionel Jospin, que na segunda volta das
presidenciais tinha obtido 47,4% dos votos. Desta vez, é o contrário. Se existe
uma frente social tão impressionante como em 1995, não há nenhuma alternativa
política perceptível.”
A aposta sindical
A posição dos
sindicatos é mais difícil do que em 1995. Muitos sublinharam, ao longo do ano,
a impotência sindical face à aparente eficácia dos “coletes amarelos”, que
forçaram Macron a fazer concessões. As confederações sindicais estão decididas
a aproveitar a conjuntura. Diz a CGT: “Há urgência, porque há um ponto de
ebulição em que as pessoas só se contentarão com a capitulação do governo.” As
confederações unem-se no movimento. Apenas a reformista CFDT se recusa a
mobilizar contra a reforma. Mas a sua federação ferroviária já depôs o aviso de
greve.
A questão das
aposentações funciona como um federador de descontentamentos. Os transportes –
terrestres e aéreos, incluindo os de mercadorias – servirão de detonador de um
movimento o mais largo possível, tentando mobilizar sectores estratégicos do
público e do privado, todo o funcionalismo e os estudantes. A “assembleia das
assembleias dos coletes amarelos” apelou à adesão à jornada de 5 de Dezembro.
Decisiva será a
batalha da opinião pública. De momento, 62% dos franceses dizem-se solidários
com a acção contra a reforma. Mas apenas 47% se dizem hostis à mesma reforma.
Para 66%, a mobilização de 5 de Dezembro marcará o início de um movimento
social de grande amplitude. No entanto, se 38% crêem que o movimento forçará
Macron a recuar, 46% pensam que o não conseguirá.
O governo ainda
não pôs todas as cartas na mesa e não o fará antes da greve. Insiste em
negociar e consultar. A entrada em vigor da reforma estava prevista para 2025.
O executivo não chegou sequer a excluir a hipótese de só a aplicar
imediatamente aos que agora entram no mercado do trabalho.
O economista Elie
Cohen adverte Macron de que uma reforma das aposentações concertada com os
sindicatos só é possível quando há novas vantagens a distribuir. “A reforma que
visa tirar à aristocracia salarial para dar aos condenados do ‘precariado’ não
funciona.”
François Fressoz,
editorialista do Monde, aconselha o Presidente a “não despertar a rua, a não
provocar de novo a cólera do povo francês, que foi descrito por muitos dos seus
dirigentes como ‘regicida’.”
Ainda a procissão
vai no adro.
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