sábado, 31 de agosto de 2019

Ana Telma Rocha sente-se “invisível”. A história da portuguesa que interrompeu o directo da Sky News / Portuguese Brexit woman: Being hit and nearly run over made me risk arrest to protest



Ana Telma Rocha sente-se “invisível”. A história da portuguesa que interrompeu o directo da Sky News

Ana Telma Rocha é a portuguesa que interrompeu o directo da Sky News para falar “apaixonadamente” sobre o “Brexit”. “Não aguentei mais, tive de sair à rua e falar”, diz a imigrante, cujo processo de pedido de residência permanente está a ser acompanhado pelo Estado português.

Sofia Neves 30 de Agosto de 2019, 21:19

 Telma Rocha chegou a casa, já tarde, na quarta-feira, 28 de Agosto, e escutou a voz da colega de casa, carregada de sotaque britânico, a pedir-lhe para “não ligar a televisão” ou iria “ter um ataque cardíaco”. Mesmo depois do pedido “dramático”, ou não fosse a amiga actriz, Ana decidiu ouvir os jornalistas a relatar o que se tinha passado durante o dia: Boris Johnson pedira à Rainha Isabel II uma suspensão do Parlamento britânico durante cinco semanas — e a monarca aceitara.

Horas depois, um vídeo da portuguesa correu a Internet, passou pelos meios de comunicação britânicos e espalhou-se pelos portugueses. Ana Telma Rocha, de 42 anos, foi a imigrante que interrompeu uma entrevista em directo da Sky News, um canal de televisão britânico, para falar “apaixonadamente” sobre o processo do “Brexit”. Durante um protesto no centro de Londres, sem se identificar, a mulher portuguesa cortou a palavra a uma jovem inglesa que estava a ser entrevistada para dizer que dera “a sua juventude” ao Reino Unido e que não achava correcta a forma como os cidadãos da União Europeia estavam a ser tratados. “Não aguentei mais, tive de sair à rua e falar porque as pessoas em Portugal não estão a perceber o que se está aqui a passar. A imagem que se transmite é que está tudo calmo. Falei por quem está em situações piores [do que a minha]”, conta Ana Telma, ao telefone com o P3.

A portuguesa chegou ali, não àquele lugar em concreto, mas ao país que na altura a acolheu, há coisa de 20 anos. Quis seguir as pisadas do pai, actor toda a vida — é filha de António Rocha, o “Rocha” de Duarte & Companhia. Chegou a fazer audições para o Conservatório Nacional de Teatro, ainda em Portugal, mas depois a sua vida deu “uma volta de 180 graus” e decidiu ir à procura de outra coisa, “fora de Lisboa”.

Com um destino, mas ainda sem propósito, chegou ao Reino Unido quase de mãos a abanar. Ali, voltou ao teatro, fez formações na área, lavou pratos, serviu às mesas, foi funcionária de escritório e segurança em vários eventos. Casou com um cidadão britânico e teve dois filhos, apesar de nenhum dos três viver consigo em Inglaterra. Fundou ainda a sua companhia de teatro independente — que já soprou 12 velas — e​ que actua principalmente em festivais porque “os bilhetes são mais baratos” e Ana Telma “quer que o povo vá ao teatro”.

Depois de “32 empregos diferentes”, decidiu que a profissão de técnica de saúde para pessoas com deficiência motora, conjugada “sempre” com o teatro, lhe enchia as medidas, e assim se mantém desde há 16 anos para cá. Até que, por volta de 2016, a sombra do “Brexit” começou a pairar no país e, diz Ana Telma, alcança, sobretudo, quem não nasceu no Reino Unido.

Um impasse no processo

“Assim que os resultados foram conhecidos, o país mudou”, conta Ana. “As pessoas começaram a ser racistas, violentas, xenófobas. Não percebo o que aconteceu, de um momento para o outro deixei de poder falar ao telemóvel no autocarro, passei a ter vergonha de dizer o meu nome numa peça de teatro porque é português, como se eu fosse uma mancha, [mas] eu não sou uma mancha.”


Até ao “Brexit”, nunca sentira necessidade de pedir o estatuto de residente permanente. Nos últimos meses, decidiu regularizar a sua situação, mas entretanto o processo entrou num impasse: uma das informações necessárias para terminar o pedido não estava correcta e os serviços britânicos afirmam que a imigrante terá de começar tudo de novo, o que a preocupa, uma vez que a data marcada para a saída do Reino Unido da União Europeia está “perto”. A entidade empregadora de Ana Telma tinha-lhe enviado um link por e-mail para que pudesse iniciar o pedido do estatuto de residente permanente, mas a cidadã portuguesa afirma que da primeira vez que tentou não conseguiu completar o processo. Ainda ligou para os serviços britânicos, mas conta que teve “pouca sorte com o funcionário que a atendeu”.

“A empresa quer que as pessoas preencham isto o mais cedo possível para regularizar a nossa situação cá, mas nós trabalhamos 63 horas semanais e não podemos deixar o paciente porque ele pode deixar de respirar, pode cair. Além disso, estamos constantemente ligados a um sistema que nos diz os sinais vitais de cada cliente, daí que seja muito difícil estar a preencher as coisas correctamente. Provavelmente eu não o fiz bem”, confessa a imigrante portuguesa. Mesmo admitindo que o erro foi seu, Ana Telma queixa-se da dificuldade do processo e do quão errado é o conceito de pedir um estatuto de residente. “As pessoas já estão aqui a trabalhar há muito e já deviam poder ficar só mostrando a sua identificação e mais alguns dados”, considera.

Tem acompanhado as reacções e os comentários ao seu testemunho. “Em Inglaterra, o que se tem gerado e o que vocês estão a ler é bonito. As pessoas ficaram contentes por eu ter falado porque até agora ninguém pôde expressar-se, mas as coisas chegaram a um ponto irreversível e foi por isso que eu falei. Não foi só para os portugueses, foi para todos os que estão na mesma situação”, conta Ana Telma, referindo-se principalmente àqueles “que nunca descontaram”, que “sempre enviaram dinheiro para a família” ou que têm “contratos irregulares de trabalho” e que agora ficaram desprotegidos e perante um futuro incerto.

Mas nem toda a gente viu com bons olhos o desabafo ao canal britânico. A portuguesa já recebeu mensagens insultuosas e que continham ameaças, e foi isso que a fez refugiar-se durante alguns dias na Escócia. “O que me preocupa é estado das coisas, o estado da sociedade da qual uma pessoa fez parte durante 20 anos e do nada é apagada, é invisível, é-lhe dito: “see you later”.

A empresa de Ana Telma funciona em sistema rotativo, daí que a portuguesa se tenha que deslocar frequentemente para outras cidades, zonas do país ou mesmo para o estrangeiro, pernoitando nas casas dos pacientes que cuida. Este método de rotação piorou muito devido à recente saída de muitos funcionários nascidos maioritariamente fora do Reino Unido. “Além dos britânicos não quererem fazer estes trabalhos, não há pessoas suficientes para os fazer”, explica, sublinhando que não tem planos para voltar a Portugal de vez.

Estado português já a contactou
Contactada pelo P3, fonte do gabinete de José Luís Carneiro garante que Ana Telma Rocha já conversou com o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e que será ajudada a reiniciar o seu processo: “O que ela nos transmitiu é que teve um problema na emissão do número de segurança social por parte dos serviços britânicos, informação que é um dos sinais comprovativos de permanência no Reino Unido, além de outras como contratos de trabalho e de arrendamento ou outros dados fiscais, tudo o que possa dizer que esse cidadão vive e trabalha no Reino Unido há x anos.”

A mesma fonte acrescenta também que Ana Telma não possui um passaporte português válido, facto que não a impede de se candidatar ao estatuto, uma vez que o pedido permite a utilização de um cartão de cidadão português. Garantiu ainda que a cônsul portuguesa em Londres já entrou em contacto com a portuguesa. “Mesmo que não haja acordo, os pedidos podem ser feitos até fim de Dezembro de 2020. Ninguém vai ser expulso no dia 1 de Novembro”, sublinhou.

Já José Luís Carneiro garantiu esta sexta-feira à Lusa que os portugueses residentes no Reino Unido “podem estar tranquilos”, apontando que entende “a ansiedade dos cidadãos” face ao “Brexit”, mas “o Estado português está preparado”. O secretário de Estado também frisou que os consulados de Londres e Manchester foram reforçados em meios humanos, infra-estruturas tecnológicas e meios informáticos, bem como alargados os horários. E contou que a linha “Brexit”, que começou a funcionar a 1 de Abril, apoiou mais de 30 mil cidadãos portugueses no Reino Unido que pediram esclarecimentos.

Ana Telma confirma que foi contactada pelo Estado português e acredita que o seu processo ficará resolvido em breve. Mesmo acreditando que um pedaço de papel não vai resolver a situação que se vive no país, não pretende sair para outra que tem ainda menos para lhe oferecer. “Eu já me sinto inglesa, I love England, adoro chá inglês e tostas com feijão, faço piadas de acordo com o humor britânico”, conta de forma animada. “Já tenho muitos projectos na cidade e não vou desistir até que as coisas tenham a continuação que eu tanto desejei. Acima de tudo, não vou abandonar o meu trabalho porque aquilo que eu tenho em termos de carreira em Portugal é zero.”

O que devem saber os cidadãos portugueses?
Para conseguir a nacionalidade britânica, os cidadãos europeus precisam desde 2015 de apresentar a prova de residência permanente no Reino Unido, procedimento que aumentou significativamente nos últimos dois anos.

O estatuto de residente permanente (settled status) é atribuído àqueles com cinco anos consecutivos a viver no Reino Unido, enquanto os que estão há menos de cinco anos no país terão um título provisório (pre-settled status) até completarem o tempo necessário. Este não é um direito automático, mas tem de ser solicitado e concedido pelas autoridades britânicas, sendo o procedimento, gratuito e feito exclusivamente através da internet.

No caso de saída sem acordo do Reino Unido da União Europeia, as candidaturas ao “settlement scheme” podem ser apresentadas até 31 de Dezembro de 2020, enquanto no caso de saída com acordo a candidatura pode ser efectuada até 30 de Junho de 2021.

Os cidadãos que pretendam iniciar o processo podem encontrar estas e outras informações na página do Governo britânico.



Portuguese Brexit woman: Being hit and nearly run over made me risk arrest to protest 
Brexit
Saturday, August 31st, 2019 2:30pm

Ana Telma Rocha became an instant social media sensation when she interrupted a Sky News report

Here, she explains what compelled her to hijack an interview.

I arrived in London in 1999, to pursue my dream of becoming an actress.

I made the journey because I had been inspired by seeing Steven Berkoff on TV.

I quickly fell in love with the bright lights and the different English accents of London and the fantastic British comedy.

I got work looking after children and cleaning dishes all day to pay for night acting classes.

I totally sounded like Manuel from Fawlty Towers, but I was of course in my 20s, with loads of endless spirit and energy.

Then I found care work and I was changed forever. I learned how to ensure that all humans should have dignity, no matter what stage of life they were at. I was taught this by English folk, the kindest and most selfless people I ever met.

They also tested me for dyslexia after suspecting I had it. I scored really high, but they gave me tools I needed so I could flourish.

In 2004, I teamed up with several others to form an all-female theatre company, Get Over It Productions, and five years later I moved to Yorkshire were I met my English husband, with whom I have two boys.

By that point, I had stopped sounding like Manuel and soon developed a Yorkshire accent.

I'm so proud of it. I love Yorkshire. I made friends for life there too. My neighbours were incredible.

At the beginning, it was very tough. I was very different and my accent put people off. But I persisted, asking them to teach me about the Yorkshire dialect and culture and they taught me how to make meat and tatty pie.

I loved Bridlington, I was crazy about Whitby and became a steam train spotter. But my enthusiasm for where I was living was all about to come crashing down.

As Nigel Farage's voice became louder, things started to change.

Before, I would have comments on the bus, but that was about it.

Then, after 23 June 2016, everything would be different; the comments became threats.

A month later someone tried to run me over on a crossing with my small son.

They stopped a few meters ahead just to yell: "Go home, you foreigner scum."

My husband was called a traitor at work and Jo Cox had been murdered. I was terrified.

I took my family to safety, to London, and went back to work in a care company.

I never discussed politics, and tried to run from the subject as much as possible.

But it just became worse and worse. I was scared that I would be sent somewhere to work that was not safe.

One day, a guy thumped me but I didn't even report it because I was so worried about what would happen.

I just kept going - my kids needed money. I would work here, work there, do anything to drown out the noise of people like Nigel Farage, do all I could to keep going.

Until, last week, I came home from work and the news was on. Boris Johnson was going to prorogue parliament and the Queen said "yes".

My head started to spin, I started to breathe deeply. I had to say something. I left home and headed to Westminster. I needed to tell the 48% "I'm going, get up and do something. I don't care if I'm arrested".

I left the bus swearing. I could not stop. At one point I thought I was going to get arrested but a policeman calmed me down and talked me out of doing something that would have landed me in trouble. This English policeman was kind, and firm, and did his job in the middle of all this anger.

"Get a grip," I said to myself. I went for a walk. I saw a Sky News reporter, and again, I was overcome with the need to speak out.

Now I am the Portuguese Brexit woman.

Sky News

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