terça-feira, 2 de julho de 2019

A Europa ainda existe?



A Europa ainda existe?

Há várias razões para o que aconteceu em Bruxelas, aliás relacionadas entre si. Talvez a mais profunda no seu significado e nas suas consequências esteja no vazio de liderança deixado pela chanceler alemã, provavelmente difícil de substituir.

1 de Julho de 2019, 17:15

Se alguém tivesse encomendado um guião para este encontro de lideres europeus destinado a para provar até que ponto a União Europeia está desunida, fragmentada e sem liderança, nem a mais fértil imaginação poderia conceber um cenário mais desastroso. O Conselho Europeu volta a reunir-se a partir das 11 horas (10h em Lisboa) de terça-feira, sem que haja a mínima expectativa de corrigir a imagem que deu de si próprio numa maratona negocial que começou na noite de domingo e que apenas terminou no dia seguinte sem qualquer acordo.

Há várias razões para o que aconteceu em Bruxelas, aliás relacionadas entre si. Talvez a mais profunda no seu significado e nas suas consequências esteja no vazio de liderança deixado pela chanceler alemã, provavelmente difícil de substituir. Merkel está a cumprir o tempo final do seu quarto mandato em Berlim. A coligação que lidera, entre a CDU/CSU e o SPD, perdeu peso eleitoral e força politica. A fragmentação partidária acentuou-se, incluindo a emergência de um partido de extrema-direita. A Alemanha entrou numa fase de paralisia e de indefinição sobre o seu papel na Europa e no mundo, que se repercute fortemente na Europa e na sua relação fundamental com a França.

O que aconteceu em Bruxelas foi o efeito imediato do seu ocaso político no PPE, o partido do centro-direita europeu no qual a CDU e a chanceler eram determinantes, que se rebelou contra ela, revelando-se uma manta de retalhos onde imperam os partidos populistas mais ou menos iliberais da Europa Central e de Leste e onde a velha coesão europeísta deixa muito a desejar.

Viktor Orban, que o PPE albergou porventura durante demasiado tempo, sentiu-se livre para pôr em pratica a sua velha (e confessada) ambição de dominar progressivamente os democratas-cristãos, conseguindo arrastar consigo os outros líderes do Grupo de Visegrado mas também alguns bálticos – que atravessam, quase todos, crises de identidade mais ou menos acentuadas e que alimentam algum rancor contra o “paternalismo” ocidental.

Aproveitando um aparente (mas ainda não comprovado) vazio de poder deixado pela chanceler, impediram que o PPE cumprisse a sua parte do acordo negociado entre liberais, socialistas e a chanceler para uma solução de consenso na distribuição dos cargos das principais instituições europeias.

Aliás, entre os partidos de Leste e alguns do Ocidente, pouca gente se coibiu de dizer que o tempo em que o PPE era igual à CDU tinha acabado. O PPE continua a ser o maior grupo político do PE, mas perdeu muitos lugares, tal como os socialistas. Qualquer decisão importante passou a ter de contar com a vontade conjugada dos três maiores grupos políticos, incluindo os liberais, agora reforçados com os eurodeputados de Macron.

A solução negociada durante largos meses por António Costa, Pedro Sánchez, Mark Rutte, o Presidente francês e a chanceler alemã acabou por ser, pura e simplesmente, dinamitada, num ato de rebeldia contra Merkel, que deixou vir ao de cima todas as incongruências e as fragilidades do centro-direita europeu.

Não foi possível superar a profunda divisão Leste-Oeste sobre a Europa e o seu futuro. Não foi possível compensar nem o ressentimento nem as fragilidades democráticas de alguns dos países que aderiram à União depois da queda do Muro, numa cimeira em que as divisões e as contradições se revelaram em toda a sua dimensão, dando da Europa uma paupérrima imagem de si própria.

Se era precisa uma derradeira prova da crise profunda que a Europa atravessa, ela ficou retratada sem disfarces nem contemplações esta segunda-feira.

O que vai fazer a chanceler, ainda é uma incógnita. Macron terá todas as razões e mais algumas para defender uma Europa de geometria variável e a sua ferrenha oposição a qualquer novo alargamento. O eixo Paris-Berlim será cada vez mais difícil de reconstituir.

tp.ocilbup@asuos.ed.aseret

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