A Europa ainda existe?
Há várias razões para o que aconteceu em Bruxelas, aliás
relacionadas entre si. Talvez a mais profunda no seu significado e nas suas
consequências esteja no vazio de liderança deixado pela chanceler alemã,
provavelmente difícil de substituir.
1 de Julho de 2019, 17:15
Se alguém tivesse encomendado um guião para este encontro de
lideres europeus destinado a para provar até que ponto a União Europeia está
desunida, fragmentada e sem liderança, nem a mais fértil imaginação poderia
conceber um cenário mais desastroso. O Conselho Europeu volta a reunir-se a
partir das 11 horas (10h em Lisboa) de terça-feira, sem que haja a mínima
expectativa de corrigir a imagem que deu de si próprio numa maratona negocial
que começou na noite de domingo e que apenas terminou no dia seguinte sem
qualquer acordo.
Há várias razões para o que aconteceu em Bruxelas, aliás
relacionadas entre si. Talvez a mais profunda no seu significado e nas suas
consequências esteja no vazio de liderança deixado pela chanceler alemã,
provavelmente difícil de substituir. Merkel está a cumprir o tempo final do seu
quarto mandato em Berlim. A coligação que lidera, entre a CDU/CSU e o SPD,
perdeu peso eleitoral e força politica. A fragmentação partidária acentuou-se,
incluindo a emergência de um partido de extrema-direita. A Alemanha entrou numa
fase de paralisia e de indefinição sobre o seu papel na Europa e no mundo, que
se repercute fortemente na Europa e na sua relação fundamental com a França.
O que aconteceu em Bruxelas foi o efeito imediato do seu
ocaso político no PPE, o partido do centro-direita europeu no qual a CDU e a
chanceler eram determinantes, que se rebelou contra ela, revelando-se uma manta
de retalhos onde imperam os partidos populistas mais ou menos iliberais da
Europa Central e de Leste e onde a velha coesão europeísta deixa muito a
desejar.
Viktor Orban, que o PPE albergou porventura durante
demasiado tempo, sentiu-se livre para pôr em pratica a sua velha (e confessada)
ambição de dominar progressivamente os democratas-cristãos, conseguindo
arrastar consigo os outros líderes do Grupo de Visegrado mas também alguns
bálticos – que atravessam, quase todos, crises de identidade mais ou menos
acentuadas e que alimentam algum rancor contra o “paternalismo” ocidental.
Aproveitando um aparente (mas ainda não comprovado) vazio de
poder deixado pela chanceler, impediram que o PPE cumprisse a sua parte do
acordo negociado entre liberais, socialistas e a chanceler para uma solução de
consenso na distribuição dos cargos das principais instituições europeias.
Aliás, entre os partidos de Leste e alguns do Ocidente,
pouca gente se coibiu de dizer que o tempo em que o PPE era igual à CDU tinha
acabado. O PPE continua a ser o maior grupo político do PE, mas perdeu muitos
lugares, tal como os socialistas. Qualquer decisão importante passou a ter de
contar com a vontade conjugada dos três maiores grupos políticos, incluindo os
liberais, agora reforçados com os eurodeputados de Macron.
A solução negociada durante largos meses por António Costa,
Pedro Sánchez, Mark Rutte, o Presidente francês e a chanceler alemã acabou por
ser, pura e simplesmente, dinamitada, num ato de rebeldia contra Merkel, que
deixou vir ao de cima todas as incongruências e as fragilidades do
centro-direita europeu.
Não foi possível superar a profunda divisão Leste-Oeste
sobre a Europa e o seu futuro. Não foi possível compensar nem o ressentimento
nem as fragilidades democráticas de alguns dos países que aderiram à União
depois da queda do Muro, numa cimeira em que as divisões e as contradições se
revelaram em toda a sua dimensão, dando da Europa uma paupérrima imagem de si
própria.
Se era precisa uma derradeira prova da crise profunda que a
Europa atravessa, ela ficou retratada sem disfarces nem contemplações esta
segunda-feira.
O que vai fazer a chanceler, ainda é uma incógnita. Macron
terá todas as razões e mais algumas para defender uma Europa de geometria
variável e a sua ferrenha oposição a qualquer novo alargamento. O eixo
Paris-Berlim será cada vez mais difícil de reconstituir.
tp.ocilbup@asuos.ed.aseret
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