Hoteleiros defendem alojamento local sem autorização do
condomínio só até 60 dias por ano
A polémica do alojamento local e dos “novos turistas” voltou
a aquecer com a proposta do PS
31.05.2017 às 8h00
Associação dos hotéis acha “positiva” a autorização dos
condomínios prevista na proposta do PS, e quer isentar desta obrigatoriedade só
quem faça alojamento local até 60 dias por ano, numa proposta já enviada à
Secretaria de Estado do Turismo. Mas dentro do PS as posições divergem. E os
deputados desconheciam que este é o tema crítico da nova lei que o Governo vai
fazer sair já este ano?
Os hoteleiros nacionais sempre defenderam que o alojamento
local deve ser sujeito à autorização dos condomínios, sendo esta a tónica da
proposta que a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) enviou à Secretaria de
Estado do Turismo, no âmbito das alterações à legislação que o Governo está a
preparar para o sector, cujo novo quadro de regras está previsto para o segundo
semestre.
A AHP considera "positiva" a proposta dos
deputados do PS ao sujeitar o alojamento local à autorização dos condomínios,
mas reconhece que esta carece de ser "aprofundada e densificada".
Segundo a proposta da associação de hoteleiros enviada ao Governo, a prática de
alojamento local dispensando a autorização dos vizinhos devia ser restrita a 60
dias por ano, exigindo-se aos hóspedes no mínimo cinco dias de permanência - e
só nestes casos o imóvel funcionaria com licença de habitação. Nos restantes
casos, que para os hoteleiros já não se perfilam como de "alojamento
temporário", os apartamentos deveriam requerer uma alteração de uso de
espaço, e já não funcionar com licença de habitação, mas para uso comercial
(tal como se quisessem instalar uma loja ou um escritório de advogados, por
exemplo), e assim a utilização para alojamento local teria de ser sujeita à
autorização dos condomínios. A AHP também propõe que aqui sejam feitos
"ajustes de permilagem" para efeitos de IMI.
Segundo Cristina Siza Vieira, presidente executiva da AHP,
os 60 dias por ano "não são um número absoluto, e pode ser estendido a 90
ou 120 dias. O importante é distinguir alojamento local de caráter esporádico
que não carece de autorização do condomínio, daquele que já é um verdadeiro
negócio permanente e duradouro. Porque não esqueçamos que o alojamento local
hoje é um saco onde cabe tudo, e um hostel ou um bloco de apartamentos não tem
o mesmo impacto de uma fração isolada. E hoje há operadores nesta atividade com
uma lógica de investimento, potenciada pelos vistos Gold Visa e a valorização
imobiliária de Lisboa, e o alojamento local ganhou uma escala que é preciso ser
olhada - sem pôr em causa o seu papel na reabilitação e como amparo de muitas
famílias".
Na nova lei de alojamento local que o Governo está a
preparar para o segundo semestre, os hoteleiros pretendiam ainda tirar desta
categoria o chamado "alojamento coletivo com serviços", como os
hostels ou outras unidades de hospedagem, que passariam a ser considerados
"empreendimentos turísticos". No alojamento privado, a AHP quer
limitar a utilização como alojamento local a um máximo de nove unidades por
edifício, e no caso das moradias (onde a questão da autorização dos condomínios
não se coloca) restringir esta atividade a um máximo de 9 quartos e trinta
hóspedes. Proibir que apartamentos arrendados para habitação possam funcionar
como alojamento local é outra reivindicação que consta proposta da AHP.
"Estamos a falar de uma modalidade que já representa
50% da oferta do nosso país", frisa a presidente executiva da AHP,
frisando que o Governo deve traçar rapidamente "linhas mestras" para
esta atividade, face aos "desequilíbrios e conflitos com residentes"
que está a gerar, e que as câmaras devem ter uma palavra a dizer na
"definição de quotas", pois "a realidade de Lisboa não é a mesma
que de Peniche ou de Albufeira".
"70% DO ALOJAMENTO LOCAL IA DESAPARECER"
A proposta da associação de hotéis é considerada "uma
posição extrema contra o alojamento local" no objetivo "óbvio de
acabar com o que entendem ser concorrência", segundo a Associação do
Alojamento Local em Portugal (ALEP). "Sempre que surge uma atividade
inovadora ou um novo tipo de oferta num sector tradicional, é comum haver
resistência de quem já opera, bem como a tentativa de criação de barreiras à
entrada ou funcionamento dos novos 'players'. Mas há limites para tudo",
sustenta a ALEP sobre a proposta da AHP para a alteração da legislação do
alojamento local.
Mais de 70% do alojamento local que atualmente existe
"poderia desaparecer ou ser drasticamente afetado" com a proposta dos
hoteleiros - alega a ALEP, frisando que também poria "em causa os
rendimentos principais ou complementares de 22.500 famílias". Sobre a
autorização dos vizinhos, a associação lembra que na prática significa acabar
com o alojamento local: "Quem conhece a realidade dos condomínios sabe que
é quase impossível aprovar algo que a maioria dos condóminos não veja como um
ganho pessoal e imediato. Basta lembrar por exemplo a dificuldade que é aprovar
obras no telhado que afetam apenas alguns proprietários"
O que a proposta feita a seco pelos deputados do PS parece
ignorar é a profunda complexidade jurídica envolvida na questão e que já tem
feito correr rios de tinta, ao exigir que pura e simplesmente se proíba a
prática de alojamento local sem haver autorização do condomínio. O que está em
causa neste campo é perceber se com o alojamento local se deve alterar ou não o
título constitutivo da propriedade horizontal de uso habitacional para uso
comercial - e daí que os tribunais de Lisboa e do Porto já tenham tido decisões
opostas relativamente a queixas dos condomínios sobre casos de alojamento local
em frações dos seus imóveis. Mas também aqui é preciso ter em conta que o
alojamento local se reveste de múltiplas formas, e se um residente permanecer
em casa enquanto recebe turistas (ou mesmo que ocasionalmente se ausente para o
efeito), esta continua a ter uso de habitação.
A autorização do condomínio é um dos pontos mais críticos da
legislação que a secretária de Estado do Turismo prepara para o alojamento
local, e que mexe com um quadro jurídico de leis antigas que não estavam
preparadas para esta nova realidade. Conseguir uma lei equilibrada, capaz de
agradar aos hoteleiros por não lhes fazer "concorrência desleal" (mas
também aos outros parceiros), pacificar os discursos da "turistificação"
crescente de Lisboa, mas sem pôr em causa a ajuda que este tipo de alojamento
privado está a dar às famílias e também ao aumento dos resultados turísticos é
o mais importante coelho que terá de tirar da cartola - e nesta altura do
campeonato, o que menos jeito dava à secretária de Estado do Turismo era esta
bomba de ruído sobre o alojamento local vinda do próprio PS.
PS DIVIDIDO SOBRE DAR MAIS PODER A CONDOMÍNIOS
Mesmo no interior do grupo parlamentar do PS, a proposta
socialista de dar mais poder aos condóminos gerou controvérsia. Foram vários os
deputados que vieram publicamente contestá-la. Helena Roseta, em artigo de
opinião no Público, considerou que se tratou de uma "medida avulsa"
que não resolve o problema da "clara falha de mercado do arrendamento
urbano".
"Não creio que um fenómeno como este, em que as
plataformas de interação entre oferta e procura também desempenham um papel
decisivo, contribuindo para a sua expansão e aceleração, se resolva com leis
'cirúrgicas' como a que o PS acaba de propor. Para legislar melhor, temos de
conhecer bem os problemas, estudar os seus impactos, sobretudo quando são
contraditórios, e ouvir as partes interessadas. Não foi este o caminho agora
seguido pelo projeto de lei do PS e é pena", escreveu a deputada,
considerando que ,"mais do que propor medidas avulsas, temos de
identificar o que tem de ser mudado ao mesmo tempo em várias políticas
públicas".
Os deputados Sérgio Sousa Pinto e João Paulo Pedrosa não
esconderam também o seu desacordo. Nas redes sociais, vieram imediatamente
lamentar a ideia dos seus colegas de bancada Carlos Pereira e Filipe Neto
Brandão, que querem fazer depender os negócios de alojamento local de
autorização do condomínio.
"Quem vai agora dar o tal aval? O que é o direito de
propriedade? O que é a autonomia privada? Não são os apartamentos a única forma
de propriedade, o único "ativo" da maioria das famílias? Não havia
formas menos gravosas, como rever a distribuição dos custos do
condomínio?", questionou Sousa Pinto. "A questão da diferenciação dos
custos do condomínio é necessário e urgente. Nem sequer devia esperar. Turistas
a carregar malas para cima e para baixo, degradação de escadas, espaços comuns,
aumento exponencial de luz, etc, e a pagar uns míseros cêntimos como o idoso
que nem sequer sai à rua. Devia ser feito primeiro que tudo. Temo, pois, que
daqui a um ou dois anos ainda andemos a falar disto", defendeu também João
Paulo Pedrosa.