terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Segunda Circular: tudo está bem quando acaba bem?


Segunda Circular: tudo está bem quando acaba bem?

No debate promovido pela Assembleia Municipal de Lisboa voltou a falar-se dos separadores arborizados, dos pássaros e da velocidade de circulação. Autoridade de Segurança Rodoviária mostrou receios

Gestor da ANA pediu “um programa de controlo da avifauna”, por forma a garantir que não haverá “um agravamento das condições de risco” devido a um eventual crescimento do número de pássaros

Presidente da NAV, responsável pela gestão do tráfego aéreo, desvalorizou polémica sobre as aves

Inês Boaventura / 2-2-2016 / PÚBLICO

Foi morno o debate promovido ontem sobre a obra que a Câmara de Lisboa pretende realizar na Segunda Circular. Das entidades convidadas para intervir ouviram-se, mais do que críticas, elogios, recomendações e também apelos para que a intervenção vá além do que está previsto e inclua a criação de uma via para transportes públicos e de ciclovias, algo que o vereador do Urbanismo admitiu que possa acontecer, embora não nesta fase.
Para assistir ao debate, organizado pela Assembleia Municipal de Lisboa, juntaram-se cerca de 150 pessoas, que em conjunto com os deputados municipais encheram o espaço que tinha sido reservado para o efeito no Hotel Roma. Durante mais de duas horas, representantes de várias entidades, cidadãos e autarcas pronunciaram-se sobre o futuro da Segunda Circular, numa iniciativa que terá continuidade no dia 10 de Fevereiro.
O arranque do debate coube ao vereador do Urbanismo, que afirmou que a consulta pública promovida sobre o projecto camarário “foi inquinada pela divulgação de informações erradas”. “Muito do debate andou à volta de questões que não constam do projecto”, sublinhou Manuel Salgado, apontando como exemplos disso mesmo as ideias falsas de que iria haver uma redução de três para duas vias de circulação e de que iriam ser plantadas centenas de árvores junto ao Aeroporto de Lisboa.
Segundo o autarca, a consulta pública que terminou na passada sextafeira teve “uma forte participação”, tendo chegado ao município “cerca de 400” contributos, de “cidadãos e instituições”. Entre eles, notou, “há quem considere que se vai longe de mais e quem considere que se ficou aquém na transformação da Segunda Circular numa avenida”.
“Todas as participações serão ponderadas e respondidas”, garantiu Manuel Salgado, adiantando que ao projecto de execução “serão introduzidos aperfeiçoamentos”. Além disso, adiantou, o projecto “será revisto por uma entidade independente” e haverá “uma auditoria de segurança rodoviária”.
Quanto à possibilidade, reclamada por vários dos intervenientes na consulta pública e também no debate desta segunda-feira, de a Segunda Circular vir a ter uma via para transportes públicos e ciclovias, o vereador do Urbanismo admitiu que tal possa acontecer, mas apenas “no futuro”.
Paulo do Carmo, da associação ambientalista Quercus, foi um dos oradores que defenderam que se devia considerar a criação de ciclovias, pelo menos “nalguns pontos” da via. Na sua intervenção, apelou também a que se reflicta sobre o aumento de tráfego que se poderá registar noutras vias e a que a câmara faça “uma monitorização da qualidade do ar e do ruído” daqui para a frente.
Quem não recebeu bem a ideia de se criar condições para a circulação de bicicletas na Segunda Circular foi o presidente da Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL). “Ciclismo? Eh, pá, pelo amor de Deus! Vamos tratar primeiro dos automóveis porque o ciclista passa por um sítio qualquer”, reagiu Florêncio de Almeida.
O empresário admitiu que inicialmente ficou “muito preocupado” com o projecto da câmara, mas frisou que agora nada tem contra ele. “Não nos traz qualquer problema, não sendo eliminadas quaisquer faixas de rodagem”, disse Florêncio de Almeida.
Segurança rodoviária
Também em nome dos taxistas, António Marques, da Federação Portuguesa dos Táxis, considerou que “de um modo geral a intervenção proposta é positiva”, já que com ela “irão melhorar muito as condições de circulação”. António Marques reconheceu que neste momento seria “difícil” reservar uma via para os transportes públicos, mas deixou à câmara o pedido para que equacione essa hipótese no futuro. Solicitação semelhante foi feita pelo presidente da empresa pública Transportes de Lisboa, Tiago Farias, que gere o Metro e a Carris.
As questões relacionadas com a plantação de árvores no separador central e nas laterais (e com os pássaros que essa opção poderá atrair) não ficaram de fora deste debate. A este respeito, o presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, Jorge Jacob, sustentou que “as árvores podem constituir um obstáculo perigoso” para os automobilistas, além de poderem “criar condições para incentivar o atravessamento” de peões.
Idêntica preocupação foi manifestada pelo presidente do Automóvel Club de Portugal, que defendeu que o separador central arborizado “vai convidar ao atravessamento de peões”. “Não é diminuindo de 80 para 60 a velocidade que vai haver fluidez e segurança”, afirmou ainda Carlos Barbosa, para quem a intervenção na Segunda Circular não é “prioritária”.
Já a vice-presidente da Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas acredita que a obra agora prevista representa “uma oportunidade muito importante para se reforçar a estrutura ecológica de Lisboa”, promovendo a ligação entre Monsanto, o corredor verde Oriental e a frente ribeirinha. Margarida Cancela de Abreu deixou à autarquia duas recomendações: a de que assuma esta intervenção “como um primeiro passo” e a de que ela seja “integrada numa visão global da cidade”.
ANA não foi ouvida
Crítico da forma como este caso tem sido tratado na praça pública, o presidente da ANA — Aeroportos de Portugal afirmou que “a segurança aeronáutica não deve ser um pretexto para especulação nem para criar situações de ansiedade injustificada”. Jorge Ponce de Leão sublinhou ainda que é “poder e dever” da entidade a que preside pronunciar-se sempre que esteja em causa essa segurança, o que, em seu entender, não se verificou nesta situação.
O gestor apelou à câmara para que desenvolva “um programa de controlo da avifauna”, por forma a garantir que não haverá “um agravamento das condições de risco” devido a um eventual crescimento do número de pássaros. Jorge Ponce de Leão manifestou-se ainda preocupado com a possibilidade de durante a realização das obras poder haver uma redução “da fluidez do tráfego no acesso ao aeroporto”.

Finalmente, o presidente da Navegação Aérea de Portugal referiu-se à questão dos pássaros como “uma não- controvérsia”. “Não tenham medo de meter mais verdes desde que sejam arbustos e que não ultrapassem os candeeiros que lá estão”, disse Luís Coimbra, segundo quem, em 2015, se registaram no Aeroporto de Lisboa 42 incidentes com aves, dos quais apenas sete tendo resultado em danos em aviões. Isto num universo de cerca de 170 mil movimentos verificados.

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