Lisboetas
deixam casas em bairros históricos para arrendar a turistas
Famílias
aproveitam crescimento do setor. Lucram em termos financeiros e em
tranquilidade
31 DE JANEIRO DE
2016
Inês Banha / DN
online
João já decidiu:
vai deixar em breve a casa onde mora no Cais do Sodré e arrendá-la
a turistas. Chegou a pensar fazê-lo ainda em dezembro, mas seguiu o
exemplo de um vizinho e acabou por fazer umas obras na habitação
antes de a abandonar. Tal como este arquiteto, multiplicam-se os
casos de famílias que optam por deixar as suas casas nos principais
bairros de diversão noturna de Lisboa para as arrendar a turistas,
aproveitando o crescimento do setor. A um "bom rendimento
mensal" juntam a tranquilidade da mudança para zonas mais
calmas: "já não suporto o ruído dos noctívagos, é difícil
dormir", desabafa João, que tem uma filha de 13 anos.
As mesmas motivações
levaram Catarina Vieira a mudar em 2012 para a Mouraria, depois de
dois anos a viver no Bairro Alto. Hoje, esse apartamento está
inserido na Airbnb, uma plataforma online que permite arrendar
temporariamente espaços em mais de 190 países, e é frequentemente
arrendado a visitantes. A opção permite-lhe ter, além de noites
mais descansadas, um "bom rendimento mensal, apesar de todas as
despesas associadas".
Só na Airbnb há,
de acordo com a empresa, 12 mil alojamentos registados na área da
Grande Lisboa - mais de um terço do total nacional, que, durante o
ano passado, cresceu 65% face ao ano anterior (ver inforgrafia). A
evolução é boa para a economia local, mas preocupa a presidente da
Junta de Freguesia da Misericórdia, que administra o Bairro Alto, o
Cais do Sodré e a Bica. "Com o aumento do turismo que se tem
verificado nos últimos anos, a freguesia da Misericórdia tem
observado uma grande tendência no crescimento dos alojamentos
turísticos", salienta Carla Madeira, que aponta razões para o
"processo de saída" de moradores "dos bairros
históricos": Entre elas, defende a autarca socialista, estão a
nova Lei do Arrendamento, em vigor desde novembro de 2012, e o Regime
Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos do Alojamento Local,
em vigor desde novembro de 2014. As leis levaram, respetivamente, ao
aumento "de forma exponencial" dos preços de aluguer das
habitações e a uma maior facilidade em utilizar "residências
para uso turístico". Os residentes são forçados a sair por
não possuírem "capacidade financeiras para suportar os novos
valores de arrendamento", enquanto "os proprietários
preferem, em grande parte, arrendar em busca de um maior rendimento".
Falta qualidade de
vida
Quando saiu do
Bairro Alto, Catarina Vieira ainda chegou a arrendar o seu
apartamento a residentes permanentes, mas acabou por se aperceber de
que estava a ter "baixa rentabilidade, comparando com aquilo que
poderia auferir se arrendasse a turistas". A alteração deu
frutos. "Posso dizer que desde então tenho tido a casa cheia".
De acordo com o anúncio publicado, totalmente em inglês, na Airbnb,
trata-se de um T2 duplex com capacidade para três pessoas e com uma
estadia mínima obrigatória de três noites. O preço é de 35 euros
por noite - o mesmo valor da taxa de limpeza.
A lisboeta não
esconde, ainda assim, a tristeza por ter tido de "abdicar"
de uma casa que adora "numa localização fantástica", não
por não ter capacidade financeira para ali viver mas por
"simplesmente não ter qualidade de vida". "O barulho
à noite era uma constante, que se agravava a partir da quinta-feira
até sábado", recorda, salientando que existia ruído também
durante o dia, devido à "frequência da circulação das
carrinhas de cerveja e outras similares". Além disso,
acrescenta, tinha de lidar com a "sujidade e o lixo".
"O ruído é
uma questão complicada, sobretudo nas divisões que confrontam com a
rua", concorda João. "A rua à noite é muito ruidosa, a
qualquer hora", continua, e a divisão que mais sofre é
precisamente o quarto da filha. A hipótese de mudar de casa e
apostar em arrendamentos de curta duração da atual surgiu quando
olhou em redor e viu "uma série de frações" dedicadas a
essa atividade. "É uma forma de manter a propriedade, de esta
ser rentável e de a situação ser reversível".
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