segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Lisboetas deixam casas em bairros históricos para arrendar a turistas


Lisboetas deixam casas em bairros históricos para arrendar a turistas

Famílias aproveitam crescimento do setor. Lucram em termos financeiros e em tranquilidade

31 DE JANEIRO DE 2016
Inês Banha / DN online

João já decidiu: vai deixar em breve a casa onde mora no Cais do Sodré e arrendá-la a turistas. Chegou a pensar fazê-lo ainda em dezembro, mas seguiu o exemplo de um vizinho e acabou por fazer umas obras na habitação antes de a abandonar. Tal como este arquiteto, multiplicam-se os casos de famílias que optam por deixar as suas casas nos principais bairros de diversão noturna de Lisboa para as arrendar a turistas, aproveitando o crescimento do setor. A um "bom rendimento mensal" juntam a tranquilidade da mudança para zonas mais calmas: "já não suporto o ruído dos noctívagos, é difícil dormir", desabafa João, que tem uma filha de 13 anos.

As mesmas motivações levaram Catarina Vieira a mudar em 2012 para a Mouraria, depois de dois anos a viver no Bairro Alto. Hoje, esse apartamento está inserido na Airbnb, uma plataforma online que permite arrendar temporariamente espaços em mais de 190 países, e é frequentemente arrendado a visitantes. A opção permite-lhe ter, além de noites mais descansadas, um "bom rendimento mensal, apesar de todas as despesas associadas".

Só na Airbnb há, de acordo com a empresa, 12 mil alojamentos registados na área da Grande Lisboa - mais de um terço do total nacional, que, durante o ano passado, cresceu 65% face ao ano anterior (ver inforgrafia). A evolução é boa para a economia local, mas preocupa a presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, que administra o Bairro Alto, o Cais do Sodré e a Bica. "Com o aumento do turismo que se tem verificado nos últimos anos, a freguesia da Misericórdia tem observado uma grande tendência no crescimento dos alojamentos turísticos", salienta Carla Madeira, que aponta razões para o "processo de saída" de moradores "dos bairros históricos": Entre elas, defende a autarca socialista, estão a nova Lei do Arrendamento, em vigor desde novembro de 2012, e o Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos do Alojamento Local, em vigor desde novembro de 2014. As leis levaram, respetivamente, ao aumento "de forma exponencial" dos preços de aluguer das habitações e a uma maior facilidade em utilizar "residências para uso turístico". Os residentes são forçados a sair por não possuírem "capacidade financeiras para suportar os novos valores de arrendamento", enquanto "os proprietários preferem, em grande parte, arrendar em busca de um maior rendimento".

Falta qualidade de vida

Quando saiu do Bairro Alto, Catarina Vieira ainda chegou a arrendar o seu apartamento a residentes permanentes, mas acabou por se aperceber de que estava a ter "baixa rentabilidade, comparando com aquilo que poderia auferir se arrendasse a turistas". A alteração deu frutos. "Posso dizer que desde então tenho tido a casa cheia". De acordo com o anúncio publicado, totalmente em inglês, na Airbnb, trata-se de um T2 duplex com capacidade para três pessoas e com uma estadia mínima obrigatória de três noites. O preço é de 35 euros por noite - o mesmo valor da taxa de limpeza.

A lisboeta não esconde, ainda assim, a tristeza por ter tido de "abdicar" de uma casa que adora "numa localização fantástica", não por não ter capacidade financeira para ali viver mas por "simplesmente não ter qualidade de vida". "O barulho à noite era uma constante, que se agravava a partir da quinta-feira até sábado", recorda, salientando que existia ruído também durante o dia, devido à "frequência da circulação das carrinhas de cerveja e outras similares". Além disso, acrescenta, tinha de lidar com a "sujidade e o lixo".


"O ruído é uma questão complicada, sobretudo nas divisões que confrontam com a rua", concorda João. "A rua à noite é muito ruidosa, a qualquer hora", continua, e a divisão que mais sofre é precisamente o quarto da filha. A hipótese de mudar de casa e apostar em arrendamentos de curta duração da atual surgiu quando olhou em redor e viu "uma série de frações" dedicadas a essa atividade. "É uma forma de manter a propriedade, de esta ser rentável e de a situação ser reversível".

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