A
LAGARTIXA E O JACARÉ
Pacheco
Pereira
Fevereiro 05, 2016
Isto de escrever
numa situação volátil é sempre complicado. Mas embora possa haver
uma ou outra novidade, no fundo, "onde nós chegámos", já
estamos lá. No fundo, na fossa, num buraco, num sítio que o pudor
impede de classificar com as palavras duras que se exige. Onde nós
chegámos… à situação de uma nação que pouco mais é do que
uma província longínqua de um centro europeu constituído por um
conjunto de países, a começar pela Alemanha, mas não só, que
entende que o seu interesse nacional e a sua "posição na
Europa" implica colocar na ordem os países cujos governos e
cujos povos pareçam recalcitrantes face ao seu poder. É por isso
que o que aconteceu na Grécia devia ter sido um forte sobressalto,
mas uma mistura de cobardia e de nonchalance ajudou a aceitar-se
aquilo que é uma versão moderna da política de canhoneira, ou de
uma Europa moldada aos princípios soviéticos da "soberania
limitada".
2.
O mais grave disto
tudo é que não parece incomodar quase ninguém. O mais grave disto
tudo é que há quem goste e prefira ser funcionário menor europeu
do que político de um país soberano. É muito difícil encontrar
sobre esta questão a tradicional divisão esquerda-direita, e, se a
procurássemos o que encontraríamos seria contrário ao senso comum
tradicional: uma esquerda patriótica, e uma direita rendida a trocar
a soberania pelo diktat de uma política económica e de interesses
de que gosta e que lhe dá força.
3.
E não, meus
senhores, não foi agora com aquilo a que chamam pejorativamente o
"orçamento do Costa", nem foi só (mas também) com as
aventuras despesistas de Sócrates, nem com a dívida, nem com o
resgate, que isto começou, nem vai acabar. Aliás, considerar que o
que se passa é apenas um resultado do país estar endividado e, numa
frase de quase traição, tão complacente e displicente é com os
nossos interesses nacionais, como a de que "um país com esta
dívida não pode ter veleidades de independência", é quase o
equivalente em defender a prisão por dívida, ou pior, a escravatura
por dívida.
4.
Mais do que o
dinheiro que pedimos ou que devemos, e a nossa capacidade de o pagar,
- que, os mesmos que acham que a dívida justifica tudo, sussurram
com cinismo para o lado, "já se sabe que tem que haver uma
reestruturação da dívida, não se pode é falar dela", - o
que se passa hoje é a coligação de poderosos interesses nacionais
(dos outros), financeiros e económicos (também de alguns dos
nossos) e a "estrangeirização" de uma elite nacional que
perdeu qualquer sentido de que a pertença a uma pátria (palavra
hoje maldita à direita) é um valor e não um aborrecimento.
"Estrangeirização" não é cosmopolitismo, antes fosse!,
é indiferença, e desprezo pelo terreno comum em que se partilha um
certo sentido de história e comunidade, no qual, mal ou bem, muitas
vezes mal, nos reconhecemos. Mas há mais: é também a suspeita, tão
típica dos funcionários e tecnocratas, de que eles, os mestres de
Bruxelas, sabem melhor do que nós como se governa um país e não
precisam de meter as mãos nessa massa imunda que é a política. Não
seria tão bom sermos governados pelos alemães ou pelos énarques ou
os diplomados das melhores escolas de gestão do mundo?
5.
O problema não é
andar de bandeirinha, convenientemente na lapela, nem agitar o "papão
espanhol", agora tedesco, é perceber esta coisa que é a Europa
de hoje: cada cedência de soberania é uma cedência de democracia.
Hoje a democracia ou se faz num espaço soberano, onde os votos dos
portugueses mandam, ou deixa de ser democracia. O problema da União
Europeia como ela está, enrodilhada, confusa e cruel com os
refugiados das guerras que acicatou, egoísta e nada solidária, é
que se acantonou num centro de poder que nada tem a ver com os
desígnios dos seus fundadores. Não só por ser quem é , mas também
por se exercer como se exerce.
6.
Partidos
conservadores do PPE, cada vez mais à direita, trazendo à arreata
muitos socialistas, "governam" hoje Portugal a partir da
Europa, dando trabalho às suas miríades de funcionários que
decidem sobre o BANIF, ou sobre se meia décima percentual representa
uma tragédia grega, sendo que o que os incomoda é que essa meia
décima pode servir para acabar com meia décima de "austeridade".
E "austeridade" é hoje a palavra que não designa qualquer
política económica, cujos falhanços estão por todo o lado em
contraste com os EUA, mas uma política de poder, real e simbólico.
7.
Hoje o
keynesianismo, ou qualquer outro modo de ver a economia que não
passe pela vulgata designada como "neo-liberal", em que se
formaram muitos socialistas, vários Prémio Nobel da Economia, e
vários dos nossos governantes que eram sociais-democratas como
Cavaco Silva, é proibido na União Europeia. Há um Tratado
Orçamental, que Passos Coelho, que hoje se veste de novo de
social-democrata, foi o primeiro a aprovar, que legitima o pensamento
único em economia e serve de base ao poder do centro europeu e ao
deitar para o lixo da nossa liberdade, soberania e democracia. Há
quem ache isto bem. Eu não.
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