Portugal
queimou 700 milhões de toneladas de combustíveis fósseis em 125
anos
Como
o país se vai livrar dos combustíveis fósseis até ao final do
século.
RICARDO GARCIA
07/12/2015 - PÚBLICO
Portugal consumiu
combustíveis fósseis equivalentes a mais de 700 milhões de
toneladas petróleo para sustentar o seu desenvolvimento nos últimos
125 anos. E se quiser cumprir o seu papel na luta climática, o país
tem de se livrar, até ao final do século, das 16 milhões de
toneladas de petróleo, carvão e gás natural que ainda queima
anualmente para mover os carros, produzir electricidade, alimentar
indústrias e abastecer habitações.
Estes números
resultam de uma compilação, feita pelo PÚBLICO, dos balanços
energéticos oficiais do país desde 1971 e de um levantamento
histórico do uso de carvão e petróleo desde 1890. Uma aproximação
simplificada das duas séries sugere que o país utilizou 521 milhões
de toneladas de petróleo em si entre aquela data e 2014. A seguir
vem o carvão, com 145 milhões de toneladas – também expressa em
equivalentes de petróleo. E por fim o gás natural, com 56 milhões.
O uso destes
combustíveis fósseis soma, nesse período, 722 milhões de
toneladas equivalentes de petróleo. Se essa quantidade de energia
fosse necessária agora, de uma só vez, toda a produção mundial de
petróleo presente – cerca de 95 milhões de barris diários –
teria de ser dirigida para Portugal, e a mais nenhum país, durante
quase dois meses.
Portugal começou
por utilizar sobretudo o carvão. Em 1890, o país valia-se de 35
vezes mais energia desta origem do que da obtida com o petróleo –
segundo dados do livro História da Energia, Portugal 1890-1980.
O petróleo tomou a
dianteira apenas em 1951. Com o automóvel, o consumo subiu de forma
galopante nas décadas seguintes, atingindo o pico em 2002. Já
destronado, o carvão teve um novo impulso com a inauguração da
central termoeléctrica de Sines, em 1985. Duas décadas mais tarde,
voltou a ser ultrapassado, desta vez pelo gás natural, que começara
a ser importado a partir de 1997.
O uso dos produtos
de petróleo teve uma queda abrupta a partir de 2005, acentuada com a
crise económica. Ainda assim, o país chegou a 2014 com os
combustíveis fósseis a representarem quase três quartos de toda a
energia primária consumida. Foram 16 milhões de toneladas
equivalentes de petróleo – dez milhões para o petróleo em si,
3,5 milhões para o gás natural e 2,7 milhões para o carvão.
O mundo todo terá
de abdicar destas fontes de energia nas próximas décadas, para
evitar um aumento da temperatura global acima de 2ºC – considerado
incomportável. Para tal, as emissões mundiais de CO2 terão de
baixar de 40% a 70% até 2050 e chegar a zero até 2100, segundo o
IPCC, o painel científico da ONU para as alterações climáticas.
Na prática, é o fim anunciado dos combustíveis fósseis, de onde
vêm a maior parte das emissões de CO2.
Portugal tem
projectos concretos para descarbonizar a sua economia no curto e
médio prazo. O novo Plano Nacional para as Alterações Climáticas,
aprovado em Junho, quer reduzir as emissões de CO2 do país em 40%
até 2030, em relação a 2005. Para tal, será preciso encerrar as
centrais termoeléctricas de Sines e do Pego, que funcionam a carvão.
Por ora, a EDP diz
que não tem data para fechar Sines, que é o maior emissor unitário
de CO2 do país. Apesar de ser o mais poluente dos combustíveis
fósseis, o preço do carvão está baixo e há 280 centrais térmicas
na Europa a utilizá-lo, segundo um relatório das organizações
ambientalistas Greenpeace e Rede de Acção Climática.
Neste cenário, só
um custo significativo sobre o CO2 que sai das chaminés levaria os
operadores a prescindir deste combustível. “O que sempre
defendemos é que esta transição tem de ser feita com mecanismos
robustos de mercado”, afirma Pedro Neves Ferreira, director de
planeamento da EDP.
Para o médio prazo,
o guião para o país é o Roteiro Nacional de Baixo Carbono,
aprovado em 2010. Segundo este plano, é possível chegar a 2050 com
50 a 60% menos emissões do que em 1990 e com uma dependência
energética do exterior na ordem dos 50%, contra mais 70% agora.
A incógnita está
em como Portugal vai chegar até ao fim do século sem necessitar
mais de combustíveis fósseis. “A forma de descarbonizar será
pela eficiência energética, pela electrificação da economia e
pelas renováveis”, antecipa Pedro Neves Ferreira. “Em 2100, o
mundo vai ser eléctrico”, concorda António Sá da Costa,
presidente da Apren-Associação de Energias Renováveis.
Um dos maiores
desafios está nos automóveis. Os quase seis milhões que estão em
circulação no país sorvem actualmente 42% de todo o petróleo que
Portugal importa, segundo os dados mais recentes da Direcção-Geral
de Energia e Geologia. Outros 35% vão para fora do país, metade sob
a forma de gasolina e gasóleo exportados, produzindo CO2 noutros
países. O carro eléctrico, neste momento, é a solução que parece
mais viável para resolver este voraz apetite.
Há sectores onde os
combustíveis fósseis são imprescindíveis e não têm substituto à
vista, como a indústria petroquímica ou os transportes aéreos.
Noutros, como a fabricação de cimento, com ou sem combustíveis
fósseis há sempre emissões de CO2 que resultam do próprio
processo de fabrico e são dificilmente minimizáveis.
Livrar-se dos
combustíveis fósseis não será fácil. “É uma coisa tremenda
para a humanidade”, afirma Filipe Duarte Santos, especialista da
Universidade de Lisboa em alterações climáticas. “O mais difícil
será convencer países que têm grandes reservas de petróleo,
carvão e gás a não explorarem estes recursos”, completa,
questionando: “Suponha que em Portugal, ao largo do Algarve, haja
uma grande bolsa de petróleo. Como é que vai ser?”
Como se chegou a
este número
O PÚBLICO utilizou
os balanços energéticos da Direcção-Geral de Energia e Geologia
de 1971 a 2014 e as estimativas para 1890 a 1970 do livro História
da Energia, Portugal 1890-1980, coordenado pelo historiador Nuno
Madureira, do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa. Todos os
dados foram convertidos em toneladas equivalentes de petróleo –
unidade que representa a energia libertada ao se queimar uma tonelada
de crude. Devido a diferenças metodológicas entre as duas séries,
o resultado aqui apresentado é uma aproximação, com alguma margem
de erro.
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