Aparentemente
ninguém sabe ao certo quanto é que a Câmara de Lisboa gasta em obras
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Câmara de Lisboa triplicou
despesas em obras e compra de bens e serviços
Números resultam de relatórios da Comissão das Boas Práticas, mas contrariam
outros, provenientes de documentos camarários que se contradizem entre si.
Câmara não esclarece aumento de gastos
Transparência
José António Cerejo / 5 jul 2014 / PÚBLICO
A Câmara de
Lisboa mais do que triplicou a sua despesa com a adjudicação de empreitadas e a
aquisição de bens e serviços entre 2012 e 2013. Esta é uma das conclusões que
se retira do relatório anual da Comissão para a Promoção das Boas Práticas
(CPBP), recentemente disponibilizado no site do município.
O PÚBLICO pediu
há duas semanas explicações para estes números e para as contradições
existentes entre eles e outros dados constantes de documentos da autarquia,
também contraditórios, mas não obteve qualquer resposta da autarquia.
De acordo com o
relatório da Comissão das Boas Práticas de 2013, o município despendeu no ano
passado “um valor total de 127.725.661 euros com adjudicação de empreitadas e
aquisição de bens e serviços”. O relatório de 2012 indica, porém, que nesse ano
a despesa com essas rubricas se ficou pelos 38.104.990 euros. A ser assim, os
gastos camarários nessas áreas subiram 235% de 2012 para 2013, ano de eleições.
Desagregando os
127,7 milhões de empreitadas e aquisição de bens e serviços de 2013, a CPBP refere que
74,4 milhões correspondem à aquisição de bens e serviços através da Central de
Compras Municipal, quase sempre por concurso, 21 milhões resultam de ajustes
directos de bens e serviços contratados pelos diferentes serviços, e 32,2
milhões prendemse com a adjudicação de empreitadas centralizadas na Direcção
Municipal de Projectos e Obras (DMPO). Este último total decompõe-se ainda em
duas grandes parcelas: adjudicações por concurso cerca de 26,9 milhões, e
adjudicações por ajuste directo cerca de 5,3 milhões.
No caso de 2012,
os 38,1 milhões em empreitadas e bens e serviços repartem-se por 5,5 milhões em
bens e serviços adquiridos pela central de compras, quase sempre por concurso
(74,4 em 2013), 17,4 em ajustes directos de bens e serviços contratualizadas
pelos serviços (21 em 2013), e 15,2 respeitam às empreitadas centralizadas na
DMPO (32,2 em 2013). A grande maioria destas empreitadas foram adjudicadas por
concurso (12,7 milhões), sendo contratadas por ajuste directo 2,4 milhões.
Um documento
elaborado em Abril pela directora do Departamento de Empreitadas da autarquia —
na sequência de uma decisão judicial que obrigou o município dirigido por
António Costa a entregar ao PÚBLICO um relatório sobre a contratação de obras —
aponta todavia números bem diferentes dos da CPBP.
“O universo total
de obras adjudicadas” pela DMPO em 2013, lê-se naquele documento fornecido ao
PÚBLICO pela autarquia, ascende a 45,4 milhões de euros, dos quais cerca de 7,2
milhões foram adjudicados por ajuste directo. Ou seja: enquanto a comissão diz
que as empreitadas da DMPO somaram 32,2 milhões nesse ano; a câmara diz que
foram 45,4. E enquanto a primeira quantifica a parte dos ajustes directos em
5,3 milhões, a segunda aponta 7,2.
Mas as
contradições não se ficam por aqui. Um outro documento publicado no seu site,
as Demonstrações Financeiras de 2012, contabiliza em 94,9 milhões de euros a
“despesa consolidada” e paga naquele ano para adquirir bens e serviços.
Já o relatório da
comissão referente a esse mesmo ano atribui ao município uma atitude mais
poupada e consentânea com os tempos que correm: 22,9 milhões gastos na
aquisições de bens e serviços – quase um quinto do valor indicado nas
Demonstrações Financeiras. As Demonstrações Financeiras de 2013, apesar de
estarmos em Julho, ainda não foram publicadas no site do município.
Solicitado a
esclarecer a forma como são obtidos os números constantes dos relatórios da
Comissão de Boas Práticas, o seu presidente, Luís Barbosa, diz que eles
resultam da agregação dos dados que o sistema informático da câmara fornece
mensalmente àquela entidade.
Face às
contradições entre estes dados e os de outros documentos camarários, a comissão
informou o PÚBLICO que tinha pedido esclarecimentos às direcções municipais de
Projectos e Obras e de Finanças. “Não obstante as várias insistências
efectuadas”, não foi ainda obtida resposta, explicou ontem, por email.
As mesmas
perguntas feitas à comissão foram feitas à assessoria de imprensa do município
no dia 20 de Junho e também não obtiveram resposta até ao fecho desta edição.
Se as sugestões fossem aceites
seria bom investimento, diz Luís Barbosa
Quatro anos
depois de iniciarem os seus trabalhos, os membros da Comissão para a Promoção
das Boas Práticas ainda não sabem se, e quando, serão substituídos. O
regulamento desta entidade independente — criada em 2008 para promover a
transparência e o combate à corrupção na câmara — diz que a duração do seu
mandato é de quatro anos, mas acrescenta que os seus membros se mantêm em
funções até serem substituídos. Luís Barbosa, o seu presidente, afirma que
ainda não tem nenhuma indicação sobre a data em que a comissão cessa o seu
mandato, embora admita que demore ainda algum tempo, uma vez que o regulamento
refere que isso deve acontecer a meio do mandato autárquico. Sobre os
resultados da actividade da comissão, que tem apresentado numerosas
recomendações à câmara, aparentemente sem grande receptividade por parte de
António Costa, Luís Barbosa entende que não se deve pronunciar. No entanto, diz
que na perspectiva dos três membros da comissão têm sido apresentados “caminhos
inovadores e ideias positivas”. Outra coisa, salienta, é pôr essas ideias em
prática. “Se o tivessem sido o nosso trabalho teria sido muito positivo”. Sem
querer dar opinião sobre a aceitação que os caminhos propostos tem tido, o
também presidente da Cruz Vermelha diz que “muitas recomendações têm sido
aproveitadas”. A questão está em saber se esse aproveitamento corresponde à
expectativa gerada com a criação da comissão e se justifica os custos com as
remuneração dos comissários — dois deles recebem 40% do vencimento do
presidente da câmara e outro nada recebe por estar reformado — e dos quatro
funcionários que tem ao seu serviço. Luís Barbosa responde apenas: “Não me
parece que fosse um mau investimento se os caminhos sugeridos tivessem sido
seguidos.” Um caso que ilustra as relações entre alguns serviços do município e
a comissão é referido no relatório de 2013. Os comissários dão conta de que
pediram esclarecimentos ao Departamento de Gestão Urbanística sobre o facto de
ali haver, em Março de 2012, 2705 processos pendentes, grande parte deles
entrados entre 2003 e 2010. Dado não terem recebido resposta dirigiram um
memorando ao presidente da câmara em Maio de 2013. No final do ano,
depreende-se, continuavam sem resposta.
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