Arco do Cego. O jardim da cerveja
de Lisboa que é odiado pelos moradores
Por Marta
Cerqueira
publicado em 8 Maio
2014 / in (jornal) i online
Cerveja barata atrai centenas de alunos para o Jardim do Arco do Cego. Moradores
e comerciantes queixam-se do barulho e do lixo
Jardim, bom
tempo, estudantes e cerveja barata. Está feito o conjunto perfeito para ter
centenas de jovens todos os dias nas imediações do Jardim do Arco do Cego,
aquele a quem os moradores desta zona de Lisboa já chamam de "o novo
Bairro Alto", e não pelas melhores razões. "Mudámos para aqui, há uns
anos, exactamente por ser uma zona central mas bastante sossegada", contou
ao i um casal de moradores, que preferiu não ser identificado.
A viver na Rua
Dona Filipa de Vilhena, mesmo em frente ao jardim, garantem que todos os dias
se deparam com lixo espalhado nos passeios, barulho até de madrugada e
vandalismo: "O INEM já teve de vir cá muitas vezes devido a comas
alcoólicos e caixotes incendiados são já prática comum."
A culpa dizem ser
de três estabelecimentos que vendem a cerveja mais barata da cidade. "Esta
zona já é conhecida como a rota da cerveja", conta ao i o presidente da
associação de moradores das Avenidas Novas. José Soares assegura que a situação
piorou quando, há dois anos, o Instituto Superior Técnico proibiu a venda de
bebidas alcoólicas dentro das suas instalações. As novas regras, explica,
levaram a que os os alunos se juntassem nas imediações, nas ruas à volta e no
jardim.
José Soares diz
receber queixas de moradores quase diariamente e defende que as Avenidas Novas
são uma "freguesia especial, mas não tratada como tal". "Se
queremos repovoar Lisboa, temos de criar condições para que as pessoas possam
morar condignamente e aqui não têm direito ao seu descanso", avisa.
As poucas lojas
de comércio tradicional da rua sentem o impacto causado pela concentração de
estudantes na zona. António Fernandes, dono de um stand de automóveis, conta ao
i que, todos os dias de manhã, a rua ainda está cheia de copos da noite
anterior. "Esta situação está a desvalorizar uma das zonas mais caras de
Lisboa", salienta. Já Isabel Cardoso, proprietária de uma loja de roupa,
diz estar "farta" de pedir aos jovens para se desencostarem da
montra: "Tenho clientes mais idosas que já evitam vir cá para não terem de
passar por esta confusão."
Outra perspectiva
tem José Matias, que explora um quiosque há mais de 40 anos, e conta que já se
habituou à presença dos alunos. "Lido com eles há muitos anos e nunca me
incomodaram. Já o lixo nas ruas, sim, é copos e garrafas de vidro por todo o
lado", conta, lembrando, no entanto, que a situação era mais grave quando
o Arco do Cego tinha o terminal rodoviário, "altura em que os assaltos e
casos de vandalismo eram quase diários".
Os únicos
comerciantes que não se queixam da presença dos jovens são mesmo aqueles que
ganham com a sua presença. Lado a lado, o Café Com Natas e a Cafetaria Italiana
vendem a imperial a 50 cêntimos. "Ainda não acabou a semana e já demos
conta de cem barris", pode ler-se na página de Facebook da Italiana. Ana
Araújo, que explora o espaço há cinco anos, compreende os receios da vizinhança
e já impôs algumas regras: "Abdicamos da esplanada para não ocupar os
passeios, não deixamos sair as garrafas de vidro e temos avisos na montra para
que os copos de plástico sejam devolvidos."
Com o café cheio,
ainda a tarde vai a meio, Ana garante que "eles até colaboram e trazem o
lixo, mas também não é possível controlar tudo". A comerciante assegura
que os preços baixos foram a forma de adaptar o negócio aos tempos de crise e
pede também alguma compreensão. "A verdade é que existem muitas queixas
porque neste bairro vivem muitos idosos. Se em vez de cerveja a 50 cêntimos,
vendêssemos chá de tília a 20, já ninguém se queixava", ironiza.
Do lado oposto do
jardim está a Casa do Pasto, outro ponto da "rota da cerveja". Estrategicamente
situado nas imediações do Liceu Filipa de Lencastre, mas ainda perto do
Técnico, tem promoções que são conhecidas em toda a cidade: uma cerveja custa
85 cêntimos, mas duas custam os mesmos 85 cêntimos. "Os preços são muito
chamativos, principalmente para os valores pedidos no resto da cidade",
conta ao i Pedro Almeida, frequentador assíduo destes cafés. "Apesar de o
meu grupo de amigos já trabalhar, mantemos o hábito do copo ao final da tarde
no jardim. Todos os dias se junta aqui mesmo muita gente, principalmente em
época de aulas", esclarece.
O i confirma a
tendência: às 15 horas de uma quarta-feira, estariam cerca de 30 jovens, e às
17 horas seriam já perto de uma centena. "Ao final da tarde e à noite, são
garantidamente mais de mil todos os dias", asseguram moradores e
comerciantes.
Nova lei do álcool não conseguiu
alterar consumo entre os menores
ASAE detectou apenas cinco infracções relacionadas com a venda de álcool a
menores e instaurou 406 contra-ordenações, maioritariamente relacionadas com a
falta de fixação dos avisos
Natália Faria / 8-5-2014
/ PÚBLICO
Cerveja, bebidas
brancas e shots: um ano depois da entrada em vigor da lei que proibiu a venda
de bebidas espirituosas a menores de 18 anos e de todo e qualquer tipo de
álcool a menores de 16, o consumo entre os jovens parece não ter sofrido
quaisquer alterações, ou seja, continua indiferenciado e à revelia das normas.
Entre as
novidades introduzidas pela lei n.º 50/2013, a única que parece ter surtido
efeito claro foi a interdição da venda de bebidas alcoólicas nos postos de
abastecimento de combustível, entre a meia-noite e as oito da manhã, segundo o
subdirector do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas
Dependências (SICAD), Manuel Cardoso. “Não nos chegaram mais queixas, nem dos
postos de combustível nem dos habitantes dessas áreas, que se queixavam dos
comportamentos dos jovens, portanto essa componente da lei parece ter sido
conseguida”, ressalvou, para acrescentar, porém, que, “dentro dos
estabelecimentos, as entidades fiscalizadoras fizeram o seu papel de divulgação
e de informação sobre a medida mas, infelizmente, não foram muito além disso”.
“Nunca tive nenhuma fiscalização. Os miúdos andam aí, bebem o que lhes apetece
nos bares, ou então trazem de casa dos pais: garrafas de whisky e de vodka.
Nunca vi ninguém a pedirlhes o Bilhete de Identidade”, confirma Júlio Moreira,
do lado de dentro do balcão de um bar, no início da Rua das Oliveiras, no
Porto. “Quem estiver atento, vê-os nos supermercados, a comprar cerveja ou
outro tipo de álcool. O funcionário da caixa não os interpela, nem lhes pede
identificação”, prossegue.
Além de ter
proibido a venda de álcool em postos de abastecimento de combustível, nas
auto-estradas e fora das localidades, e nas lojas de conveniência, entre as
0h00 e as 8h, a nova lei do álcool propunha-se proibir a venda de caipirinhas,
vodka, gin, shots e outras bebidas brancas a menores de 18 anos. Já os menores
de 16 anos viram, além disso, proibido o consumo de cerveja e vinho.
As coimas por
incumprimento podem chegar aos 30 mil euros. E as autoridades de fiscalização
passaram a poder decretar o encerramento dos estabelecimentos infractores
durante 12 horas. Nos casos reincidentes ou tidos como mais graves, há sanções
acessórias que podem incluir a interdição da actividade até dois anos. A lei
prevê ainda que, nos casos de menores apanhados com intoxicação alcoólica, os
pais ou encarregados de educação sejam notificados, bem como o centro de saúde
ou hospital da área de residência. Tratando-se de um caso reincidente, os menores
ficam inscritos nas listas dos núcleos de protecção de crianças e menores em
risco.
Um ano depois, a
Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) instaurou 406
contra-ordenações. Mas a maior parte está relacionada com a falta de fixação do
aviso com a menção da proibição da venda de bebidas espirituosas a menores de
18 anos e de todas as bebidas alcoólicas a menores de 16 ou então com a falta
de cumprimento dos requisitos relativos ao aviso. Apenas cinco infracções
estavam relacionadas com a venda de álcool propriamente dita. Quanto à PSP e
GNR, o PÚBLICO não obteve respostas atempadas. O SICAD sim, mas os dados que
até agora chegaram a este organismo “não apontam para nenhum retorno
significativo”, segundo o vice-director, Manuel Cardoso. Para este responsável,
de resto, a lei tornou ainda mais difícil a acção das entidades fiscalizadoras.
“Ficaram piores do que antes, desde logo por causa da diferenciação etária
estabelecida na lei e das dificuldades de identificação da bebida que os
menores estão a ingerir”, critica.
O presidente da
Associação Nacional de Discotecas, Francisco Tadeu, concorda com a
impossibilidade de garantir o cumprimento da lei por parte dos próprios
estabelecimentos de diversão. “Os miúdos contornam completamente a lei. Pedem
aos mais velhos para ir buscar as bebidas ao balcão e, por muito que uma pessoa
quisesse, era impossível andar no meio deles a pedir Bilhetes de Identidade e a
fiscalizar quem está a beber o quê”, esclarece, para acrescentar que não
compete aos empresários “andar a fazer de polícias”.
Na altura em que
a lei foi aprovada, e por considerar não haver “álcool bom e álcool mau”, o
próprio presidente do SICAD, João Goulão, criticou a diferenciação etária, que
classificou como uma cedência aos interesses económicos do sector do vinho e da
cerveja.
Uns tempos antes,
o actual ministro da Economia, Pires de Lima, que então presidia à Associação
de Produtores de Cerveja, tinha qualificado como “disparatadas” as mudanças que
vinham sendo defendidas pelo próprio secretário de Estado da Saúde, Leal da
Costa, que começara por se propor fixar nos 18 anos a idade mínima para
consumir todo o tipo de álcool. Mais tarde, Leal da Costa sustentaria que a
diferenciação de idades resultou do “consenso possível” dentro do Governo.
Manuel Cardoso,
subdirector do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências
(SICAD), diz esperar que a lei possa ser alterada quando chegar a altura de
apresentar ao Governo o estudo sobre a aplicação do novo regime, o que, nos
termos da própria lei, deverá acontecer até 1 de Janeiro de 2015. “A nossa
posição inicial, e a de inúmeros especialistas, foi que não fazia sentido essa
diferenciação etária”, recorda, para sublinhar que os problemas sentidos na
implementação da lei eram já expectáveis.
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