quinta-feira, 8 de maio de 2014

A 17 de Maio na Cova da Iria


A 17 de Maio na Cova da Iria
A saída dos "nossos credores" não vai mudar nada de substancial
Por Ana Sá Lopes
publicado em 8 Maio 2014 / in (jornal ) i online

Passos Coelho decidiu juntar-se a Paulo Portas e falou aos portugueses no domingo passado como se estivéssemos à beira do 1.º de Dezembro de 1640 e o fim do resgate correspondesse à restauração da independência, à recuperação da soberania e à possibilidade de defenestrar supostos traidores - não os elementos da troika, mas desejavelmente, para o governo, "os que nos empurraram para o resgate", vide governo anterior chefiado por José Sócrates. Este foi o mantra do anúncio da "escolha" da saída à irlandesa - escolha está entre aspas porque, obviamente, não havia escolha nenhuma, embora o primeiro-ministro tenha dito que sim - e será o mantra a repetir à exaustão nas próximas eleições europeias.

Era espectacular que tudo o que o primeiro-ministro diz fosse verdade e que o 17 de Maio representasse, de facto, a reconquista da autonomia. Infelizmente, nem Passos Coelho acredita nas suas próprias palavras. O dia simbólico não é para ser comparado ao 25 de Abril - como o fez Passos sabe Deus porquê - porque não rompe efectivamente com a ditadura em que Portugal, por sua vontade, está metido: uma ditadura europeia, com regras draconianas de limites de défice e dívida que uma economia depauperada como a portuguesa dificilmente poderá alcançar, a não ser à custa da implosão do tecido social, tal como tem vindo a acontecer nestes três anos de troika. A saída dos "nossos credores" não vai mudar nada de substancial, tendo em conta as novas regras da zona euro. Comemorar a libertação nem sequer é uma questão de fé - é uma deliberada tentativa de iludir a realidade.


Depois, a alegria à volta da chamada "saída limpa", a que se juntou o Presidente da República num daqueles seus ataques de vingança contra a oposição e "os comentadores" que falaram na possibilidade de um segundo resgate - quando ele próprio, Cavaco, também falou várias vezes nisso. É provável que repetir várias vezes que "saímos sozinhos para os mercados" dê jeito num ou noutro comício - e passou a ser um argumento da campanha das europeias -, mas qualquer reviravolta nos mercados deixa-nos tão frágeis como antes do resgate. E por muito que Cavaco se congratule com a "saída limpa", ele próprio repetiu várias vezes que um programa cautelar "acautelaria" mais convenientemente os riscos de um mergulho nos mercados à maluca. É verdade que, hoje, todos os países do Sul estão a beneficiar de juros historicamente baixos, mas a crise de 2008 devia ter ensinado alguma coisa.

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