quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Vassallo e Silva assume Direcção do Património em “condições difíceis”. (…) Este caso enfraquece a lei. O que faríamos da colecção Miró, caso ficasse em Portugal?



Vassallo e Silva assume Direcção do Património em “condições difíceis”
ISABEL SALEMA e LUCINDA CANELAS 05/02/2014 – in Público

Historiador de arte troca o Museu Gulbenkian pela direcção do maior organismo da Cultura, que nos últimos tempos tem estado em foco devido a cortes orçamentais, a divergências com o secretário de Estado e aos polémicos casos Crivelli e Miró.
Vinte e quatro horas depois de ter sido publicado o anúncio com os nome dos três finalistas do concurso ao cargo de director-geral do Património Cultural, o secretário de Estado da Cultura deu ontem a conhecer o seu novo titular, o historiador de arte Nuno Vassallo e Silva, pondo fim a um processo aberto a 27 de Dezembro.

Vassallo e Silva, 52 anos, era até aqui director adjunto do Museu Calouste Gulbenkian e, curiosamente, foi colega de curso de Isabel Cordeiro, que agora abandona o cargo, na Faculdade de Letras de Lisboa, onde se licenciou em História. Ao PÚBLICO, este especialista em ourivesaria e joalharia disse que "está muito satisfeito por colaborar com o país nesta fase difícil”, acrescentando que "é ainda muito cedo para falar" sobre as suas expectativas.

Foi já na qualidade de novo director do Património Cultural que Vassallo e Silva esteve ontem de manhã na assinatura do protocolo entre a Secretaria de Estado da Cultura e os ministérios das Finanças e Administração Interna que permitirá a ampliação do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado.

Doutorado em História de Arte pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, o novo responsável pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), o maior organismo da Cultura, que agrega monumentos e museus, tem a responsabilidade de gerir um orçamento previsto de 33,1 milhões de euros e uma casa com 865 funcionários, tem já uma longa experiência, sobretudo no universo dos museus. Vassallo e Silva foi conservador do Museu e Igreja de S. Roque, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (1992-1999), e técnico superior do Instituto Português do Património Cultural (um dos organismos que deram origem à DGPC), desempenhando funções na Galeria de Pintura do Rei D. Luís do Palácio Nacional da Ajuda, palco de exposições temporárias, entre 1988-1992.

É precisamente essa experiência e “conhecimento profundo” do mundo dos museus e do património móvel que dois outros historiadores ouvidos pelo PÚBLICO realçam no currículo do novo director-geral, que ontem à tarde estava ainda a arrumar o seu gabinete na Gulbenkian.

Walter Rossa, arquitecto e historiador de arquitectura, conhece bem Vassallo e Silva e diz que a sua nomeação para o cargo é um “sinal de esperança” numa altura em que o sector do património atravessa “condições extraordinariamente difíceis”.

Segundo este professor da Universidade de Coimbra, o historiador leva para a DGPC “um currículo técnico e científico irrepreensível, de grande qualidade”, “uma visão internacional da cultura portuguesa” e uma personalidade que lhe permite chegar aos outros com grande facilidade, “um bom princípio quando se ocupa um cargo que tem muito de político”: “O Nuno Vassallo e Silva é uma escolha excelente e inesperada. Para trocar a Gulbenkian pela DGPC numa altura como esta é preciso ter um grande sentido de dever público.”

Walter Rossa defende que, com os cortes financeiros e humanos, e a “falta de uma visão estratégica, de uma ideia clara para o património”, a área nunca esteve tão em baixo: “Sinto que há um desânimo generalizado que decorre da falta de meios e que leva a uma atitude de gestão corrente. Tenho fé que o Nuno possa vir a quebrar esse ciclo. Se terá condições para o fazer ou não vai depender da sua capacidade de gestão e da equipa que escolher.”

Também Paulo Pereira, historiador de arte que ocupou o cargo de subdirector do Instituto Português do Património Arquitectónico, um dos antepassados da actual DGPC, se surpreendeu com a nomeação de Vassallo e Silva, de quem tem “uma excelente opinião como pessoa e como historiador de arte”.

Garante que, para assumir o cargo de director-geral numa fase em que terá de trabalhar “com muito menos meios humanos do que aqueles que deveria ter”, Vassallo e Silva tem pelo menos de gostar tanto de desafios como gosta de património móvel, área que domina. “Ele tem um conhecimento profundo do mundo dos museus e da circulação de obras de arte, conhece particularmente bem a sua mecânica dentro e fora do país”, diz este professor da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, para quem o lugar de director do património é “sedutor, apesar de todas as dificuldades, sobretudo de  ordem financeira, que tenderão e a agravar-se neste e no próximo ano”.

Paulo Pereira não deixa, também, de elogiar a directora cessante, Isabel Cordeiro, que “veio provar que há sempre possibilidade de fazer um excelente trabalho, mesmo com muito pouco”.

Largos meses de polémicas

Nos últimos meses, a DGPC tem ocupado as páginas dos jornais devido a assuntos polémicos. Primeiro com o “caso Crivelli”, ainda em aberto, envolvendo a intenção de venda no estrangeiro de uma obra do pintor italiano do Renascimento Carlo Crivelli, protegida por lei e propriedade do empresário Miguel Pais do Amaral; depois com o distanciamento de Isabel Cordeiro das opções políticas para o sector; e, por fim, com as ilegalidades que rodeiam a expedição das 85 obras do pintor catalão Joan Miró que pertenciam à colecção de arte do Banco Português de Negócios, entretanto nacionalizado, para Londres, onde deveriam ter integrado um leilão promovido pela Christie’s. Vassallo e Silva optou ontem por não comentar este último, particularmente aceso nos últimos dias.

Em Janeiro, Isabel Cordeiro revelou, em declarações ao PÚBLICO, que não se candidataria ao cargo de directora-geral, alegando "divergências profundas em relação às estratégias para o património". "Digo apenas que saio por uma questão de lealdade para comigo e para com o projecto que quis construir com as equipas desta casa. As divergências são exclusivamente de ordem técnica e têm a ver com aquilo que entendo serem as competências da DGPC e as suas linhas de actuação", disse então Cordeiro, que ontem à tarde se despediu da maior parte da sua equipa no Palácio da Ajuda. Anabela Carvalho, uma das suas subdirectoras, também está de saída. Ao que o PÚBLICO apurou, esta técnica que não quis prestar declarações pediu a demissão “com efeitos imediatos” numa carta enviada terça-feira a Barreto Xavier e aguarda resposta.

A DGPC é o maior organismo público da área da Cultura, tendo sido criada recentemente agregando os desaparecidos institutos do Património e dos Museus e a Direcção Regional de Cultura de Lisboa, tem a seu cargo a gestão directa de museus e palácios nacionais, bem como do património mundial, e a supervisão de quase 3700 imóveis classificados. Num âmbito mais alargado, cabe-lhe assegurar a gestão, salvaguarda, valorização, conservação e restauro dos bens que integram o património cultural imóvel, móvel e imaterial português, assim como executar a política museológica nacional.


(…) Este caso enfraquece a lei

A data em que realmente saíram as obras é para já um dado desconhecido, uma vez que nenhuma das partes envolvidas o esclarece. Sabe-se apenas que a Lei de Bases do Património Cultural, que obriga a que a saída de bens culturais seja precedida de uma comunicação à Direcção-Geral do Património Cultural com pelo menos 30 dias de antecedência, não foi cumprida. O Expresso avançou que as obras saíram do país por mala diplomática — ou seja, que o seu transporte teria sido efectuado como se se tratassem de propriedade do Estado, mas fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros negou ao PÚBLICO esta informação. Fontes diplomáticas explicaram ao PÚBLICO, que segundo a Convenção de Viena, as malas diplomáticas só servem para documentos. Excepções existem mas a autorização tem de ser ministerial.

Questionada pelo PÚBLICO sobre este processo, a Christie’s, através da responsável para a comunicação no Reino Unido Hannah Schweiger, não quis responder, explicando que o tema é agora "objecto de uma acção legal". Mas deixou claro também que não são as contradições ou os processos um impedimento para que no futuro se vendam as obras, pelo contrário: "A Christie’s está pronta para apoiar uma venda futura".

Para o historiador de arte Paulo Pereira, que foi vice-presidente do Instituto Português do Património Arquitectónico, hoje DGPC, entre 1995 e 2002, período no qual foi aprovada a actual Lei de Bases do Património Cultural, "não adianta a Christie’s pôr asas de anjo em todo este processo. Nem vale a pena elogiá-la pelo seu bom senso no cancelamento do leilão." Se a Christie’s o cancelou foi, garante, por temer que não faria tanto dinheiro com ele como estava à espera.

Um dos resultados mais graves de todo este processo, faz notar Paulo Pereira, é o enfraquecimento da lei do património. Uma situação que se deve ao facto de o próprio Estado a ter desrespeitado ao autorizar a expedição das 85 obras da colecção para Londres sem que fossem cumpridas todas as formalidades que o diploma exige. "Este desrespeito tem de ser rapidamente corrigido e essa é uma das tarefas que o governo tem pela frente", diz o historiador. "É preciso ‘relegitimar’ a lei, valorizá-la como merece, e esse reforço só vem da vontade política. E a tutela da Cultura neste governo é do primeiro-ministro, um senhor chamado Pedro Passos Coelho."

com S.C.A, L.C, B.R e N.R.

extraído de “Christie’s mantém vontade de leiloar a colecção Miró apesar de nova providência cautelar”.
CLÁUDIA CARVALHO 06/02/2014 in Público

O que faríamos da colecção Miró, caso ficasse em Portugal?
Vanessa Rato / 6 fev 2014 / Público

É prematuro discutir o destino da colecção Miró em termos da sua integração em acervos nacionais. É arriscado, num momento em que tantas questões sobre o percurso e futuro deste núcleo de obras estão em aberto, dizem especialistas. Sobretudo quando, apesar da polémica, o Governo vem reiterando a sua irredutibilidade na decisão da venda. Em bastidores, no entanto, é um debate inevitável: qual a melhor instituição portuguesa para acolher as 85 pinturas, desenhos e colagens do surrealista catalão, caso estas venham a ficar no país?
O historiador de arte e actual director do Museu Berardo Pedro Lapa, por exemplo, acha que, neste momento, “arriscamos tomar decisões menos correctas e ponderadas”. No entanto, a apontar uma instituição, avançaria o nome daquela que actualmente dirige — o Museu Berardo.
Durante 11 anos, entre 1998 e 2009, Lapa esteve à frente Museu Nacional de Arte Contemporânea — Museu do Chiado (MNAC). Esse museu é desde Dezembro dirigido pelo também historiador de arte David Santos. E foi a estes dois especialistas que a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) recorreu para os pareceres sobre a eventual saída da colecção Miró. A posição de ambos foi a mesma: as obras deveriam ficar em Portugal. Discordam, contudo, no destino que se lhes deveria dar.
Ontem, David Santos recusou ao PÚBLICO falar sobre o agora polémico caso da colecção. No entanto, no parecer que entregou à DGPC, apelou à integração dos 85 desenhos, pinturas e colagens do artista catalão nos acervos do MNAC. Pedro Lapa acha que não é a melhor solução: “O MNAC tem uma colecção estritamente nacional. É a sua missão. Não faz sentido entrar ali um núcleo internacional. Ficaria a pairar, desarticulado”, diz. Já o Centro Cultural de Belém “foi criado com a possibilidade de albergar um ou mais museus”, recorda, considerando que “não há motivo para o CCB não poder ter também um museu Miró”.
“Seria uma complementaridade mais do que óbvia. O Museu Berardo tem um excelente núcleo surrealista; a expansão com o Miró seria potenciadora”, diz Lapa. Acrescentando: “Permitiria dotar este equipamento [público] com uma colecção de propriedade nacional, que não é o que acontece agora, porque tem apenas um comodato privado.”
Apesar de o ex-ministro da Cultura Augusto Santos Silva ter falado já publicamente na hipótese Serralves, o museu portuense não se afigura como o destino mais óbvio, dada a especificidade da sua colecção que, apesar de internacional, se foca na produção artística dos anos 1960 em diante. Contudo, haveria destinos ainda menos evidentes mas igualmente possíveis. Por exemplo, a própria CGD, o banco do Estado: na Culturgest, o seu braço operativo na Cultura, a CGD tem já uma colecção de arte internacional.


Para o vereador da Cultura da Câmara do Porto, Paulo Cunha e Silva, além de pensar em Serralves, não lhe desagradaria a alternativa de expor estes trabalhos num espaço da zona ribeirinha. Lembrando que “a Ribeira do Porto é património mundial e tem tido um crescimento turístico muito grande”, Cunha e Silva observa que o aparecimento de novos restaurantes e hotéis não tem tido como contrapartida um refrescamento da oferta cultural, que “continua um pouco confinada ao que sempre foi”. “Se o secretário de Estado da Cultura quiser oferecerme a colecção”, brinca, “com certeza que lhe arranjaria um espaço no Porto”. com Luís Miguel Queirós.

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