Vassallo e Silva assume
Direcção do Património em “condições difíceis”
ISABEL SALEMA e LUCINDA CANELAS 05/02/2014 – in Público
Historiador de arte troca o Museu Gulbenkian pela direcção
do maior organismo da Cultura, que nos últimos tempos tem estado em foco devido
a cortes orçamentais, a divergências com o secretário de Estado e aos polémicos
casos Crivelli e Miró.
Vinte e quatro horas depois de ter sido publicado o anúncio
com os nome dos três finalistas do concurso ao cargo de director-geral do
Património Cultural, o secretário de Estado da Cultura deu ontem a conhecer o
seu novo titular, o historiador de arte Nuno Vassallo e Silva, pondo fim a um
processo aberto a 27 de Dezembro.
Vassallo e Silva, 52 anos, era até aqui director adjunto do
Museu Calouste Gulbenkian e, curiosamente, foi colega de curso de Isabel
Cordeiro, que agora abandona o cargo, na Faculdade de Letras de Lisboa, onde se
licenciou em História. Ao PÚBLICO, este especialista em ourivesaria e joalharia
disse que "está muito satisfeito por colaborar com o país nesta fase
difícil”, acrescentando que "é ainda muito cedo para falar" sobre as
suas expectativas.
Foi já na qualidade de novo director do Património Cultural
que Vassallo e Silva esteve ontem de manhã na assinatura do protocolo entre a
Secretaria de Estado da Cultura e os ministérios das Finanças e Administração
Interna que permitirá a ampliação do Museu Nacional de Arte Contemporânea –
Museu do Chiado.
Doutorado em História de Arte pela Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, o novo responsável pela Direcção-Geral do Património
Cultural (DGPC), o maior organismo da Cultura, que agrega monumentos e museus,
tem a responsabilidade de gerir um orçamento previsto de 33,1 milhões de euros
e uma casa com 865 funcionários, tem já uma longa experiência, sobretudo no
universo dos museus. Vassallo e Silva foi conservador do Museu e Igreja de S.
Roque, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (1992-1999), e técnico superior
do Instituto Português do Património Cultural (um dos organismos que deram
origem à DGPC), desempenhando funções na Galeria de Pintura do Rei D. Luís do
Palácio Nacional da Ajuda, palco de exposições temporárias, entre 1988-1992.
É precisamente essa experiência e “conhecimento profundo” do
mundo dos museus e do património móvel que dois outros historiadores ouvidos
pelo PÚBLICO realçam no currículo do novo director-geral, que ontem à tarde
estava ainda a arrumar o seu gabinete na Gulbenkian.
Walter Rossa, arquitecto e historiador de arquitectura,
conhece bem Vassallo e Silva e diz que a sua nomeação para o cargo é um “sinal
de esperança” numa altura em que o sector do património atravessa “condições
extraordinariamente difíceis”.
Segundo este professor da Universidade de Coimbra, o
historiador leva para a DGPC “um currículo técnico e científico irrepreensível,
de grande qualidade”, “uma visão internacional da cultura portuguesa” e uma
personalidade que lhe permite chegar aos outros com grande facilidade, “um bom
princípio quando se ocupa um cargo que tem muito de político”: “O Nuno Vassallo
e Silva é uma escolha excelente e inesperada. Para trocar a Gulbenkian pela
DGPC numa altura como esta é preciso ter um grande sentido de dever público.”
Walter Rossa defende que, com os cortes financeiros e
humanos, e a “falta de uma visão estratégica, de uma ideia clara para o
património”, a área nunca esteve tão em baixo: “Sinto que há um desânimo
generalizado que decorre da falta de meios e que leva a uma atitude de gestão
corrente. Tenho fé que o Nuno possa vir a quebrar esse ciclo. Se terá condições
para o fazer ou não vai depender da sua capacidade de gestão e da equipa que
escolher.”
Também Paulo Pereira, historiador de arte que ocupou o cargo
de subdirector do Instituto Português do Património Arquitectónico, um dos
antepassados da actual DGPC, se surpreendeu com a nomeação de Vassallo e Silva,
de quem tem “uma excelente opinião como pessoa e como historiador de arte”.
Garante que, para assumir o cargo de director-geral numa
fase em que terá de trabalhar “com muito menos meios humanos do que aqueles que
deveria ter”, Vassallo e Silva tem pelo menos de gostar tanto de desafios como
gosta de património móvel, área que domina. “Ele tem um conhecimento profundo
do mundo dos museus e da circulação de obras de arte, conhece particularmente
bem a sua mecânica dentro e fora do país”, diz este professor da Faculdade de
Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, para quem o lugar de director do
património é “sedutor, apesar de todas as dificuldades, sobretudo de ordem financeira, que tenderão e a agravar-se
neste e no próximo ano”.
Paulo Pereira não deixa, também, de elogiar a directora
cessante, Isabel Cordeiro, que “veio provar que há sempre possibilidade de
fazer um excelente trabalho, mesmo com muito pouco”.
Largos meses de polémicas
Nos últimos meses, a DGPC tem ocupado as páginas dos jornais
devido a assuntos polémicos. Primeiro com o “caso Crivelli”, ainda em aberto,
envolvendo a intenção de venda no estrangeiro de uma obra do pintor italiano do
Renascimento Carlo Crivelli, protegida por lei e propriedade do empresário
Miguel Pais do Amaral; depois com o distanciamento de Isabel Cordeiro das
opções políticas para o sector; e, por fim, com as ilegalidades que rodeiam a
expedição das 85 obras do pintor catalão Joan Miró que pertenciam à colecção de
arte do Banco Português de Negócios, entretanto nacionalizado, para Londres,
onde deveriam ter integrado um leilão promovido pela Christie’s. Vassallo e
Silva optou ontem por não comentar este último, particularmente aceso nos
últimos dias.
Em Janeiro, Isabel Cordeiro revelou, em declarações ao
PÚBLICO, que não se candidataria ao cargo de directora-geral, alegando
"divergências profundas em relação às estratégias para o património".
"Digo apenas que saio por uma questão de lealdade para comigo e para com o
projecto que quis construir com as equipas desta casa. As divergências são
exclusivamente de ordem técnica e têm a ver com aquilo que entendo serem as
competências da DGPC e as suas linhas de actuação", disse então Cordeiro,
que ontem à tarde se despediu da maior parte da sua equipa no Palácio da Ajuda.
Anabela Carvalho, uma das suas subdirectoras, também está de saída. Ao que o
PÚBLICO apurou, esta técnica que não quis prestar declarações pediu a demissão
“com efeitos imediatos” numa carta enviada terça-feira a Barreto Xavier e
aguarda resposta.
A DGPC é o maior organismo público da área da Cultura, tendo
sido criada recentemente agregando os desaparecidos institutos do Património e
dos Museus e a Direcção Regional de Cultura de Lisboa, tem a seu cargo a gestão
directa de museus e palácios nacionais, bem como do património mundial, e a
supervisão de quase 3700 imóveis classificados. Num âmbito mais alargado,
cabe-lhe assegurar a gestão, salvaguarda, valorização, conservação e restauro
dos bens que integram o património cultural imóvel, móvel e imaterial
português, assim como executar a política museológica nacional.
(…) Este caso enfraquece a lei
A data em que realmente saíram as obras é para já um dado
desconhecido, uma vez que nenhuma das partes envolvidas o esclarece. Sabe-se
apenas que a Lei de Bases do Património Cultural, que obriga a que a saída de
bens culturais seja precedida de uma comunicação à Direcção-Geral do Património
Cultural com pelo menos 30 dias de antecedência, não foi cumprida. O Expresso
avançou que as obras saíram do país por mala diplomática — ou seja, que o seu
transporte teria sido efectuado como se se tratassem de propriedade do Estado,
mas fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros negou ao PÚBLICO esta
informação. Fontes diplomáticas explicaram ao PÚBLICO, que segundo a Convenção
de Viena, as malas diplomáticas só servem para documentos. Excepções existem
mas a autorização tem de ser ministerial.
Questionada pelo PÚBLICO sobre este processo, a Christie’s,
através da responsável para a comunicação no Reino Unido Hannah Schweiger, não
quis responder, explicando que o tema é agora "objecto de uma acção
legal". Mas deixou claro também que não são as contradições ou os
processos um impedimento para que no futuro se vendam as obras, pelo contrário:
"A Christie’s está pronta para apoiar uma venda futura".
Para o historiador de arte Paulo Pereira, que foi
vice-presidente do Instituto Português do Património Arquitectónico, hoje DGPC,
entre 1995 e 2002, período no qual foi aprovada a actual Lei de Bases do
Património Cultural, "não adianta a Christie’s pôr asas de anjo em todo
este processo. Nem vale a pena elogiá-la pelo seu bom senso no cancelamento do
leilão." Se a Christie’s o cancelou foi, garante, por temer que não faria
tanto dinheiro com ele como estava à espera.
Um dos resultados mais graves de todo este processo, faz
notar Paulo Pereira, é o enfraquecimento da lei do património. Uma situação que
se deve ao facto de o próprio Estado a ter desrespeitado ao autorizar a
expedição das 85 obras da colecção para Londres sem que fossem cumpridas todas
as formalidades que o diploma exige. "Este desrespeito tem de ser
rapidamente corrigido e essa é uma das tarefas que o governo tem pela
frente", diz o historiador. "É preciso ‘relegitimar’ a lei,
valorizá-la como merece, e esse reforço só vem da vontade política. E a tutela
da Cultura neste governo é do primeiro-ministro, um senhor chamado Pedro Passos
Coelho."
com S.C.A, L.C, B.R e N.R.
extraído de “Christie’s mantém vontade de leiloar a colecção
Miró apesar de nova providência cautelar”.
CLÁUDIA CARVALHO 06/02/2014 in Público
O que faríamos da colecção Miró, caso ficasse em
Portugal?
Vanessa Rato / 6 fev 2014 / Público
É prematuro discutir o destino da colecção Miró em termos da
sua integração em acervos nacionais. É arriscado, num momento em que tantas
questões sobre o percurso e futuro deste núcleo de obras estão em aberto, dizem
especialistas. Sobretudo quando, apesar da polémica, o Governo vem reiterando a
sua irredutibilidade na decisão da venda. Em bastidores, no entanto, é um
debate inevitável: qual a melhor instituição portuguesa para acolher as 85
pinturas, desenhos e colagens do surrealista catalão, caso estas venham a ficar
no país?
O historiador de arte e actual director do Museu Berardo
Pedro Lapa, por exemplo, acha que, neste momento, “arriscamos tomar decisões
menos correctas e ponderadas”. No entanto, a apontar uma instituição, avançaria
o nome daquela que actualmente dirige — o Museu Berardo.
Durante 11 anos, entre 1998 e 2009, Lapa esteve à frente
Museu Nacional de Arte Contemporânea — Museu do Chiado (MNAC). Esse museu é
desde Dezembro dirigido pelo também historiador de arte David Santos. E foi a
estes dois especialistas que a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC)
recorreu para os pareceres sobre a eventual saída da colecção Miró. A posição
de ambos foi a mesma: as obras deveriam ficar em Portugal. Discordam, contudo,
no destino que se lhes deveria dar.
Ontem, David Santos recusou ao PÚBLICO falar sobre o agora
polémico caso da colecção. No entanto, no parecer que entregou à DGPC, apelou à
integração dos 85 desenhos, pinturas e colagens do artista catalão nos acervos
do MNAC. Pedro Lapa acha que não é a melhor solução: “O MNAC tem uma colecção
estritamente nacional. É a sua missão. Não faz sentido entrar ali um núcleo
internacional. Ficaria a pairar, desarticulado”, diz. Já o Centro Cultural de
Belém “foi criado com a possibilidade de albergar um ou mais museus”, recorda,
considerando que “não há motivo para o CCB não poder ter também um museu Miró”.
“Seria uma complementaridade mais do que óbvia. O Museu
Berardo tem um excelente núcleo surrealista; a expansão com o Miró seria
potenciadora”, diz Lapa. Acrescentando: “Permitiria dotar este equipamento
[público] com uma colecção de propriedade nacional, que não é o que acontece
agora, porque tem apenas um comodato privado.”
Apesar de o ex-ministro da Cultura Augusto Santos Silva ter
falado já publicamente na hipótese Serralves, o museu portuense não se afigura
como o destino mais óbvio, dada a especificidade da sua colecção que, apesar de
internacional, se foca na produção artística dos anos 1960 em diante. Contudo,
haveria destinos ainda menos evidentes mas igualmente possíveis. Por exemplo, a
própria CGD, o banco do Estado: na Culturgest, o seu braço operativo na
Cultura, a CGD tem já uma colecção de arte internacional.
Para o vereador da Cultura da Câmara do Porto, Paulo Cunha e
Silva, além de pensar em Serralves, não lhe desagradaria a alternativa de expor
estes trabalhos num espaço da zona ribeirinha. Lembrando que “a Ribeira do
Porto é património mundial e tem tido um crescimento turístico muito grande”,
Cunha e Silva observa que o aparecimento de novos restaurantes e hotéis não tem
tido como contrapartida um refrescamento da oferta cultural, que “continua um
pouco confinada ao que sempre foi”. “Se o secretário de Estado da Cultura
quiser oferecerme a colecção”, brinca, “com certeza que lhe arranjaria um espaço
no Porto”. com Luís Miguel Queirós.
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