Editora acusa DN de querer impedir publicação de livro
que reproduz capa do jornal
JOÃO RUELA RIBEIRO 05/02/2014 – in Público
Obra sobre os saneamentos no
Diário de Notícias viola direitos de autor, segundo a Global Notícias,
proprietária do título, que garante não querer impedir publicação.
A Global Notícias, detentora do jornal Diário de Notícias,
pode estar a tentar impedir a promoção e a publicação do livro Os Saneamentos
Políticos no Diário de Notícias, do investigador Pedro Marques Gomes, acusa a
editora da Alêtheia, Zita Seabra. Em causa está a reprodução de uma primeira
página do Diário de Notícias, que a empresa considera constituir violação dos
direitos de autor.
O livro é o resultado de uma investigação sobre a condução
do processo de saneamento naquele jornal durante o Verão Quente de 1975. Uma
das conclusões é a de que foi José Saramago, na altura subdirector do DN, quem
iniciou os saneamentos.
A editora Zita Seabra mostrou-se surpreendida com o envio de
“uma carta registada com aviso de recepção" da Global Notícias. Na carta
que chegou à Alêtheia, é referido “o facto de a capa do livro ter uma parte de
uma primeira página do DN”, o que é considerado “um abuso do direito de autor”,
explicou a editora ao PÚBLICO.
Zita Seabra convocou uma conferência de imprensa para esta
quarta-feira à tarde para denunciar aquilo que classifica como uma “tentativa
abusiva de impedir o direito à liberdade de expressão em Portugal”.
Através de um comunicado, a Global Notícias esclarece que o
objectivo da carta foi o de “reagir contra uma violação flagrante dos seus
direitos, nomeadamente o direito de autor sobre a capa de uma edição do Diário
de Notícias, publicação da qual é a única e exclusiva titular desse direito”.
A capa do livro de Pedro Marques Gomes reproduz a primeira
página do DN em que é revelada a notícia do saneamento de 30 jornalistas, em
Agosto de 1975. A
meio aparece o título da obra e o nome do autor.
Na carta enviada à Alêtheia, a Global Notícias garante
recorrer aos “meios judiciais e extrajudiciais disponíveis”, caso o livro seja
lançado. O desmentido da empresa não especifica o que significam estes meios.
Zita Seabra considera que a acusação da empresa “não tem o
mínimo fundamento”. “Há muitas capas do DN republicadas em tudo o que é sítio”,
justifica.
“O único objectivo é impedir a publicação de uma parte
fundamental da história portuguesa.” A editora garante que a publicação do
livro irá seguir em frente, garantindo que não cede “a chantagens nem a
ameaças”.
Para a Global Notícias, a reacção da Alêtheia não passa de
uma “acção promocional com a exclusiva intenção de mediatizar o lançamento” da
obra.
O livro da autoria do investigador do Instituto de História
Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa vai ser apresentado esta
quinta-feira por Irene Flunser Pimentel. A historiadora disse ao PÚBLICO que
“desejava que não houvesse tanta polémica” em torno do livro, que considera
“muito interessante e muito bem escrito”.
“Ouvimos sempre falar do caso [da rádio] Renascença e [do
jornal] República e nem tanto deste caso [dos saneamentos no DN]. Há um certo
obscurecimento da memória e o livro vem mostrar esse processo.” Pimentel
garante que o autor “recorreu a uma pluralidade muito grande [de opiniões],
desde pessoas saneadas aos ditos saneadores”.
Ao PÚBLICO, o autor Pedro Marques Gomes afirma não
compreender a posição da Global Notícias. "Trata-se de um trabalho
académico, que analisa o caso dos saneamentos no Diário de Notícias,
confrontando fontes e ouvindo protagonistas do caso", justifica.
Os saneamentos políticos são "um processo complexo, que
envolve muita emoção e que foi marcante para quem o viveu e que ainda hoje
continua na memória de quem viveu o período revolucionário". "Eu
procurei manter-me o mais neutral possível, tentando mostrar os diversos pontos
de vista sobre os acontecimentos, à medida que os fui descrevendo",
explica o investigador.
"O caso do Diário de Notícias foi, de facto, mais um
alerta do nível de radicalização que a revolução estava a tomar, juntando-se a
outras vozes que se manifestavam contra esse rumo", conclui.
Zita Seabra diz que não cede a "ameaças" da
Global Notícias
Por Agência Lusa
publicado em 5 Fev 2014 – in (jornal) i online
Zita Seabra explica que os fundamentos da Global Notícias
estão relacionados com a capa do livro, que reproduz uma página do Diário de
Notícias no dia do plenário em que os saneamentos aconteceram
Zita Seabra, editora da Aletheia, que publica o livro “Os
Saneamentos Políticos no Diário de Notícias” do historiador Pedro Marques
Gomes, disse à Lusa que não cede a “ameaças”, e que o trabalho vai ser lançado
na quinta-feira.
“A editora recebeu hoje uma carta registada, com aviso de
receção da Global Notícias", com "ameaças, exigindo a retirada do
livro". "A posição da editora é muito simples: isto trata-se de um
abuso porque nós defendemos a liberdade, a liberdade de imprensa, e não cedemos
nem um milímetro”, disse à Lusa Zita Seabra.
A carta da Global Notícias solicita à editora que cesse de
“imediato” a promoção, o lançamento e a distribuição do livro (“Os Saneamentos
Políticos no Diário de Notícas”), com a capa que tem vindo a ser publicitada e
que deve ser evitada qualquer outra atividade promocional ou publicitária que
implique a utilização da mesma capa.
“A signatária [Global Notícias] reserva-se o direito de
recorrer, se necessário, a todos os meios judiciais e extrajudiciais
disponíveis, nomeadamente através da instauração dos competentes procedimentos
judiciais (cautelares ou não) necessários à defesa dos seus direitos de autor e
à reparação integral dos prejuízos que para si advenham”, refere a carta que
foi enviada pela Global Notícias à editora Aletheia.
Zita Seabra explica que os fundamentos da Global Notícias
estão relacionados com a capa do livro, que reproduz uma página do Diário de
Notícias no dia do plenário em que os saneamentos aconteceram.
“É uma capa de 1975 e mal de nós se não pudermos usar o que
faz parte da História portuguesa. É uma investigação séria, de um académico que
fez uma tese de mestrado sobre este tema, e este tema não é para reescrever. A
História contemporânea é para respeitar e para investigar, e é isso que o livro
faz. E nisso a Aletheia não cede”, sublinha Zita Seabra acrescentando que
estranha a expressão “extrajudicial”, utilizada pela Global Notícias, no
contexto da missiva.
“Nunca vi tal expressão, acho extremamente curiosa. Do nosso
lado achamos que vivemos num país livre em que os livros são livres, os autores
têm liberdade para escrever e em que não há censura de forma nenhuma que nos
impeça de publicar uma interessante investigação histórica”, refere a editora.
“O livro vai sair amanhã e vai ser apresentado amanhã, porque
esta ameaça a recursos sobre ‘todos os meios judiciários e extra-judiciários’
não nos amedronta”, conclui Zita Seabra.
Em nenhum momento a Global Notícias se refere ao conteúdo da
investigação, mas apenas à capa do livro – uma montagem com reproduções do
Diário de Notícias – e que já se encontra nas livrarias com uma cinta a verde
oliva, com uma fotografia do escritor José Saramago (diretor adjunto do DN em
1975), com a frase “Como José Saramago saneou e acabou despedido”.
O livro, “Saneamentos Políticos no Diário de Notícias”,
entre outros aspetos, identifica José Saramago como o “iniciador” do processo
de afastamento de jornalistas no Verão Quente de 1975.
O investigador Pedro Marques Gomes, autor do livro “Os
Saneamentos Políticos no Diário de Notícias”, disse à Lusa que José Saramago
foi o "iniciador" do processo que levou ao afastamento dos
jornalistas do matutino, em 1975.
“Passadas quase quatro décadas sobre o ‘Verão Quente’ de
1975, são muitos os jornalistas que descrevem o ambiente então vivido no DN
como tenso. É o caso de Manuela Azevedo, que já tinha integrado o Diário de
Lisboa e a Vida Mundial, dizendo que o DN sofreu o que nunca tinha sofrido:
‘foi a censura dos comunistas’”, escreve Pedro Marques Gomes na obra “Os
Saneamentos Políticos no Diário de Notícias”, que vai ser apresentado na
quinta-feira, em Lisboa.
“Este é um estudo completamente novo. Parti de estudos
feitos pela Revolução. Todos referiam este caso do DN como emblemático,
sobretudo nas lutas que se travavam sobre o controlo dos órgãos de comunicação
social e pela definição do tipo de regime. Mas esses trabalhos não aprofundavam
a temática do DN. Parti desses apontamentos e depois fiz uma investigação de
raiz, consultando a imprensa da época, mas sobretudo falando com muitos dos
protagonistas”, diz Pedro Marques Gomes
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