DIFERENÇAS
AVASSALADORAS: PÁGINA UM COMPAROU EXIGÊNCIAS DOS CADERNOS DE ENCARGOS
Carris
vs. STCP: manutenção pela MNTC é uma ‘balda’ em Lisboa mas rigorosíssima no
Porto
Author
avatar
Pedro
Almeida Vieira
|
13/09/2025
𝕏
O
contraste não podia ser mais brutal. Em Novembro de 2022, a Sociedade de
Transportes Colectivos do Porto (STCP) adjudicou à MNTC — a mesma empresa que
desde 2019 assegura para a Carris a manutenção dos ascensores da Bica, Lavra e
Glória e do Elevador de Santa Justa — um contrato de quase 1,9 milhões de euros
para garantir, durante 1826 dias (exactamente cinco anos), a manutenção de oito
eléctricos históricos.
O
contrato termina no final de Novembro de 2027, e a exigência imposta no caderno
de encargos da STCP ao nível da manutenção e da segurança é de uma minúcia que
faria inveja a qualquer operador ferroviário europeu. Bem diferente do que a
Carris exigia à mesma MNTC: vistorias a “olhómetro”, lubrificação e pouco mais,
com indicação de tarefas a desempenhar estranhamente ambíguas e tecnicamente
vagas.
Eléctrico
do Porto…
O plano
de manutenção preventiva da STCP, analisado pelo PÁGINA UM, é um verdadeiro
manual de engenharia: 136 itens, treze secções abrangendo carroçaria, chassis,
bogies, rodados, motores de tracção, sistemas de suspensão, travagem, circuitos
pneumáticos, comandos, circuitos eléctricos, areeiros e ensaios finais. ↓
Neste
último caso, estão previstos, quinzenalmente e após reparações de maior monta,
ensaios completos ao carro: colocam-se pontos no controller e utiliza-se o
freio de parque para confirmar, em condições reais, que o eléctrico acelera,
trava e se imobiliza de forma segura, garantindo que os sistemas de tracção e
de travagem funcionam correctamente antes de regressar ao serviço.
Está
igualmente prevista, em base anual, a realização do ensaio de freio estático
para medir os parâmetros dos cilindros de freio, do depósito e das válvulas do
sistema, assegurando que a travagem cumpre as normas da UIC – União
Internacional dos Caminhos-de-Ferro, entidade que estabelece padrões técnicos
internacionais para garantir segurança e interoperabilidade no transporte
ferroviário.
… e
ascensores de Lisboa: mesma empresa de manutenção; exigências avassaladoramente
distintas.
As
tarefas de manutenção dos eléctricos da STCP estão distribuídas por sete
periodicidades — diária, quinzenal, mensal, semestral, anual, intermédia (cinco
anos) e geral (dez anos) — e são descritas com rigor quase cirúrgico:
lubrificação de cavilhas e rodas de troley, verificação de estores, ensaios de
magnetoscopia e ultrassons nos eixos, medições de esquadria de bogies segundo
normas UIC, reapertos com torque controlado, equilibragem dinâmica de motores
de tracção de acordo com a norma ISO 1940 G 2.5, ensaios estáticos e dinâmicos
de travagem com registo de valores, purgas programadas do sistema pneumático,
desmontagem e montagem de rodados, pintura com especificações RAL predefinidas,
etc, etc.. Tudo tem de ser registado em fichas normalizadas, permitindo
rastreabilidade, identificação de tendências de desgaste e planeamento de
substituições antes da falha.
Agora
desçamos para Lisboa — e, ironicamente, desçamos mesmo pela Calçada da Glória.
Desde 2019 — e não desde 2022, como erradamente se escreveu inicialmente — , a
MNTC ficou também responsável pela manutenção dos ascensores lisboetas. Mas
aqui, por opção da Carris, o cenário é radicalmente diferente. O caderno de
encargos imposto pela empresa municipal de Lisboa — que vigorou até 31 de
Agosto e foi prorrogado por ajuste directo por mais cinco meses — parece mais
uma lista de verificação do que um plano de engenharia.
Aquilo
que exige — se se pode dizer que se trata de exigências — é, na generelidade
dos casos, genérico e vago: verificar pantógrafos, baterias, cabos de tracção,
purgar compressores, lubrificar roldanas. Não há referências nem explícitas,
nem implícitas a ensaios não destrutivos, a medições calibradas ou a
periodicidades diferenciadas de controlo que permitam detectar falhas latentes.
Nada que garanta testes de segurança e de travagem.
Páginas 1
e 4 das cinco páginas do caderno de encargos da STCP que detalha as manutenções
a executar pela MNTC nos eléctricos do Porto.
O caso do
Elevador da Glória é paradigmático — e trágico. Os serviços de manutenção e
segurança do funicular mais icónico de Lisboa, classificado como Monumento
Nacional, não previam a realização de quaisquer ensaios mecânicos ou ensaios
não destrutivos ao cabo de tracção que cedeu na passada semana, provocando o
descarrilamento da cabina que descia a Calçada da Glória, causando a morte de
16 pessoas e ferimentos em mais de duas dezenas.
Era tudo
feito visualmente — ou, para usar a ironia que a tragédia quase não consente,
com recurso à avançadíssima tecnologia do “olhómetro”. Apesar de a lei exigir
ensaios após alterações de sistemas de segurança e comunicação ao Instituto da
Mobilidade e dos Transportes (IMT), como o PÁGINA UM já salientou com base na
lei, aparentemente nada disto alguma vez foi feito.
Pior
ainda: aparentemente nunca ninguém se apercebeu de que os sistemas de freio dos
ascensores eram incapazes de travar caso houvesse, como houve, colapso do
encaixe do cabo no trambolho.
Especificações
do caderno de encargos da Carris são omissas sobre as normas técnicas das
verificações em função da periodicidade. Podiam ser todas visuais, como a
manutenção diária estava a ser feita?
De acordo
com a consulta efectuada pelo PÁGINA UM ao caderno de encargos da Carris,
apenas para a Bica e para o Elevador de Santa Justa existia referência expressa
à contagem de arames partidos como critério de substituição de cabos. No caso
da Glória e do Lavra, a exigência era apenas uma vaga “verificação”, sem norma
técnica, sem especificação de método, sem obrigatoriedade de desmontagem ou uso
de instrumentos de medição. Se a inspecção diária, semanal e mensal era apenas
visual — como confirmam os registos da própria Carris — nada obrigava a que as
inspecções semestrais fossem diferentes.
O PÁGINA
UM ouviu especialistas que foram claros: existem hoje métodos de detecção
precoce de falhas que são standard internacional em sistemas de transporte por
cabo — ensaios de magneto-indução, capazes de detectar fios partidos no
interior do cabo; correntes de Foucault e ultrassons localizados,
particularmente importantes na verificação da integridade da zona de ancoragem
no trambolho, onde precisamente se deu a ruptura; medições de extensão sob
carga para avaliar a elasticidade residual e identificar alongamentos anómalos,
procedimento previsto em normas como a EN 12927-6, usada em países como a Suíça
ou a Áustria.
Nada
disto estava previsto no caderno de encargos, que, como parte integrante do
contrato, foi aprovado pelo Conselho de Administração da Carris, presidido por
Pedro Bogas. O contrato deixava ao critério da MNTC a decisão de realizar ou
não ensaios complementares. Resultado: se a empresa não os fazia por iniciativa
própria, nada a obrigava.
Manutenção
em Lisboa: uma autêntica e trágica ‘balda’.
Esta
omissão poderá ser determinante na atribuição de responsabilidades civis e
criminais: o município de Lisboa, através da Carris, optou por um modelo
contratual minimalista para um sistema que transporta milhares de pessoas por
dia num declive acentuado, expondo os passageiros a um risco inconcebível.
Perante
isto, o contraste entre Carris e STCP é avassalador e demonstra que o problema
é de gestão e de exigência. No Porto, os eléctricos históricos têm direito a
centenas de operações programadas, medições rigorosas, registos de torque,
ensaios não destrutivos e análises de tendências de desgaste; em Lisboa, os
ascensores tinham direito apenas a um olhar de relance e a um visto de
conformidade. A mesma empresa, dois contratos, dois mundos.
OVERWHELMING
DIFFERENCES: PAGE ONE COMPARED REQUIREMENTS OF THE SPECIFICATIONS
Carris
vs. STCP: maintenance by MNTC is a 'bucket' in Lisbon but very strict in Porto
Author
avatar
Pedro
Almeida Vieira
|
13/09/2025
𝕏
The
contrast could not be more brutal. In November 2022, Sociedade de Transportes
Colectivos do Porto (STCP) awarded MNTC — the same company that since 2019 has
ensured the maintenance of the Bica, Lavra and Glória lifts and the Santa Justa
Elevator for Carris — a contract of almost 1.9 million euros to guarantee, for
1826 days (exactly five years), the
maintenance of eight historic trams.
The
contract ends at the end of November 2027, and the requirement imposed in
STCP's specifications in terms of maintenance and safety is of a detail that
would be the envy of any European rail operator. Very different from what
Carris demanded from the same MNTC: "eye" inspections, lubrication
and little else, with an indication of strangely ambiguous and technically
vague tasks to be performed.
Porto
Tram...
STCP's
preventive maintenance plan, analysed by PÁGINA UM, is a true engineering
manual: 136 items, thirteen sections covering bodywork, chassis, bogies,
wheelsets, traction motors, suspension systems, braking, pneumatic circuits,
controls, electrical circuits, sand and final tests. ↓
In the
latter case, complete tests of the car are planned every two weeks and after
major repairs: points are placed on the controller and the park brake is used
to confirm, in real conditions, that the tram accelerates, brakes and stops
safely, ensuring that the traction and braking systems work correctly before
returning to service.
It is
also planned, on an annual basis, to carry out the static brake test to measure
the parameters of the brake cylinders, the tank and the valves of the system,
ensuring that braking complies with the standards of the UIC – International
Union of Railways, an entity that establishes international technical standards
to ensure safety and interoperability in rail transport.
… and
Lisbon lifts: same maintenance company; overwhelmingly different demands.
The
maintenance tasks of STCP's trams are spread over seven periodicities — daily,
biweekly, monthly, half-yearly, annual, intermediate (five years) and general
(ten years) — and are described with almost surgical rigor: lubrication of
bolts and trolley wheels, checking of blinds, magnetoscopy and ultrasound tests
on the axles, bogie mitre measurements according to UIC standards, torque-controlled retightening, dynamic
balancing of traction motors according to ISO 1940 G 2.5, static and dynamic
braking tests with recording of values, programmed purges of the pneumatic
system, disassembly and assembly of wheelsets, painting with predefined RAL
specifications, etc., etc. Everything has to be recorded in standardised
sheets, allowing traceability, identification of wear trends and planning of
replacements before failure.
Now let's
go down to Lisbon — and, ironically, let's go down Calçada da Glória. Since
2019 — and not since 2022, as was initially wrongly written — the MNTC has also
been responsible for the maintenance of Lisbon's lifts. But here, by Carris'
choice, the scenario is radically different. The specifications imposed by the
Lisbon municipal company — which was in force until August 31 and was extended
by direct agreement for another five months — looks more like a checklist than
an engineering plan.
What it
requires — if it can be said that it is a question of requirements — is, in the
generality of cases, generic and vague: checking pantographs, batteries,
traction cables, purging compressors, lubricating pulleys. There are no
explicit or implicit references to non-destructive testing, calibrated
measurements or differentiated control periodicities that allow the detection
of latent failures. Nothing that guarantees safety and braking tests.
Pages 1
and 4 of the five pages of STCP's specifications that detail the maintenance to
be carried out by MNTC on Porto's trams.
The case
of the Elevador da Glória is paradigmatic — and tragic. The maintenance and
safety services of Lisbon's most iconic funicular, classified as a National
Monument, did not foresee any mechanical tests or non-destructive tests on the
pull cable that gave way last week, causing the derailment of the cabin that
went down Calçada da Glória, causing the death of 16 people and injuries to
more than two dozen.
It was
all done visually — or, to use the irony that tragedy almost does not allow,
using the very advanced technology of the "eyemeter". Although the
law requires tests after changes to security and communication systems to the
Institute of Mobility and Transport (IMT), as PÁGINA UM has already pointed out
based on the law, apparently none of this has ever been done.
Even
worse: apparently no one ever realized that the brake systems of the lifts were
incapable of braking if there was, as there was, a collapse of the cable
fitting in the trambolho.
Specifications
of the Carris specifications are silent on the technical standards of the
checks depending on the periodicity. They could all be visual, how was the
daily maintenance being done?
According
to the consultation carried out by PÁGINA UM to the Carris specifications, only
for Bica and the Santa Justa Elevator there was express reference to the
counting of broken wires as a criterion for replacing cables. In the case of
Glória and Lavra, the requirement was only a vague "verification",
without technical standard, without specification of method, without obligation
to disassemble or use measuring instruments. If the daily, weekly and monthly
inspection was only visual — as confirmed by Carris' own records — nothing
required that the semiannual inspections be different.
PÁGINA UM
heard experts who were clear: there are now methods of early detection of
failures that are international standard in cable transport systems —
magneto-induction tests, capable of detecting broken wires inside the cable;
eddy currents and localized ultrasound, particularly important in verifying the
integrity of the anchor zone in the trambolho, where precisely the rupture
occurred; Extension measurements under load to assess residual elasticity and
identify anomalous elongations, a procedure provided for in standards such as
EN 12927-6, used in countries such as Switzerland or Austria.
None of
this was provided for in the specifications, which, as an integral part of the
contract, was approved by the Board of Directors of Carris, chaired by Pedro
Bogas. The contract left it to the discretion of MNTC to decide whether or not
to carry out additional tests. Result: if the company did not make them on its
own initiative, nothing obliged it.
Maintenance
in Lisbon: an authentic and tragic ‘balda’.
This
omission may be decisive in the attribution of civil and criminal
responsibilities: the municipality of Lisbon, through Carris, opted for a
minimalist contractual model for a system that transports thousands of people
per day on a steep slope, exposing passengers to an inconceivable risk.
Given
this, the contrast between Carris and STCP is overwhelming and demonstrates
that the problem is one of management and demand. In Porto, historic trams are
entitled to hundreds of scheduled operations, accurate measurements, torque
records, non-destructive tests and wear trend analyses; in Lisbon, the lifts
were only entitled to a glance and a compliance visa. The same company, two
contracts, two worlds.
.jpeg)
Sem comentários:
Enviar um comentário