domingo, 14 de setembro de 2025

DIFERENÇAS AVASSALADORAS: PÁGINA UM COMPAROU EXIGÊNCIAS DOS CADERNOS DE ENCARGOS Carris vs. STC / OVERWHELMING DIFFERENCES: PAGE ONE COMPARED REQUIREMENTS OF THE SPECIFICATIONS

 


DIFERENÇAS AVASSALADORAS: PÁGINA UM COMPAROU EXIGÊNCIAS DOS CADERNOS DE ENCARGOS

Carris vs. STCP: manutenção pela MNTC é uma ‘balda’ em Lisboa mas rigorosíssima no Porto

 

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Pedro Almeida Vieira

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13/09/2025

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https://www.paginaum.pt/2025/09/13/carris-vs-stcp-manutencao-pela-mntc-e-uma-balda-em-lisboa-mas-rigorosissima-no-porto

 

O contraste não podia ser mais brutal. Em Novembro de 2022, a Sociedade de Transportes Colectivos do Porto (STCP) adjudicou à MNTC — a mesma empresa que desde 2019 assegura para a Carris a manutenção dos ascensores da Bica, Lavra e Glória e do Elevador de Santa Justa — um contrato de quase 1,9 milhões de euros para garantir, durante 1826 dias (exactamente cinco anos), a manutenção de oito eléctricos históricos.

 

O contrato termina no final de Novembro de 2027, e a exigência imposta no caderno de encargos da STCP ao nível da manutenção e da segurança é de uma minúcia que faria inveja a qualquer operador ferroviário europeu. Bem diferente do que a Carris exigia à mesma MNTC: vistorias a “olhómetro”, lubrificação e pouco mais, com indicação de tarefas a desempenhar estranhamente ambíguas e tecnicamente vagas.

 

Eléctrico do Porto…

O plano de manutenção preventiva da STCP, analisado pelo PÁGINA UM, é um verdadeiro manual de engenharia: 136 itens, treze secções abrangendo carroçaria, chassis, bogies, rodados, motores de tracção, sistemas de suspensão, travagem, circuitos pneumáticos, comandos, circuitos eléctricos, areeiros e ensaios finais. ↓

 

Neste último caso, estão previstos, quinzenalmente e após reparações de maior monta, ensaios completos ao carro: colocam-se pontos no controller e utiliza-se o freio de parque para confirmar, em condições reais, que o eléctrico acelera, trava e se imobiliza de forma segura, garantindo que os sistemas de tracção e de travagem funcionam correctamente antes de regressar ao serviço.

 

Está igualmente prevista, em base anual, a realização do ensaio de freio estático para medir os parâmetros dos cilindros de freio, do depósito e das válvulas do sistema, assegurando que a travagem cumpre as normas da UIC – União Internacional dos Caminhos-de-Ferro, entidade que estabelece padrões técnicos internacionais para garantir segurança e interoperabilidade no transporte ferroviário.

 

… e ascensores de Lisboa: mesma empresa de manutenção; exigências avassaladoramente distintas.

As tarefas de manutenção dos eléctricos da STCP estão distribuídas por sete periodicidades — diária, quinzenal, mensal, semestral, anual, intermédia (cinco anos) e geral (dez anos) — e são descritas com rigor quase cirúrgico: lubrificação de cavilhas e rodas de troley, verificação de estores, ensaios de magnetoscopia e ultrassons nos eixos, medições de esquadria de bogies segundo normas UIC, reapertos com torque controlado, equilibragem dinâmica de motores de tracção de acordo com a norma ISO 1940 G 2.5, ensaios estáticos e dinâmicos de travagem com registo de valores, purgas programadas do sistema pneumático, desmontagem e montagem de rodados, pintura com especificações RAL predefinidas, etc, etc.. Tudo tem de ser registado em fichas normalizadas, permitindo rastreabilidade, identificação de tendências de desgaste e planeamento de substituições antes da falha.

 

Agora desçamos para Lisboa — e, ironicamente, desçamos mesmo pela Calçada da Glória. Desde 2019 — e não desde 2022, como erradamente se escreveu inicialmente — , a MNTC ficou também responsável pela manutenção dos ascensores lisboetas. Mas aqui, por opção da Carris, o cenário é radicalmente diferente. O caderno de encargos imposto pela empresa municipal de Lisboa — que vigorou até 31 de Agosto e foi prorrogado por ajuste directo por mais cinco meses — parece mais uma lista de verificação do que um plano de engenharia.

 

Aquilo que exige — se se pode dizer que se trata de exigências — é, na generelidade dos casos, genérico e vago: verificar pantógrafos, baterias, cabos de tracção, purgar compressores, lubrificar roldanas. Não há referências nem explícitas, nem implícitas a ensaios não destrutivos, a medições calibradas ou a periodicidades diferenciadas de controlo que permitam detectar falhas latentes. Nada que garanta testes de segurança e de travagem.

 

Páginas 1 e 4 das cinco páginas do caderno de encargos da STCP que detalha as manutenções a executar pela MNTC nos eléctricos do Porto.

 

O caso do Elevador da Glória é paradigmático — e trágico. Os serviços de manutenção e segurança do funicular mais icónico de Lisboa, classificado como Monumento Nacional, não previam a realização de quaisquer ensaios mecânicos ou ensaios não destrutivos ao cabo de tracção que cedeu na passada semana, provocando o descarrilamento da cabina que descia a Calçada da Glória, causando a morte de 16 pessoas e ferimentos em mais de duas dezenas.

 

Era tudo feito visualmente — ou, para usar a ironia que a tragédia quase não consente, com recurso à avançadíssima tecnologia do “olhómetro”. Apesar de a lei exigir ensaios após alterações de sistemas de segurança e comunicação ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), como o PÁGINA UM já salientou com base na lei, aparentemente nada disto alguma vez foi feito.

 

Pior ainda: aparentemente nunca ninguém se apercebeu de que os sistemas de freio dos ascensores eram incapazes de travar caso houvesse, como houve, colapso do encaixe do cabo no trambolho.

 

Especificações do caderno de encargos da Carris são omissas sobre as normas técnicas das verificações em função da periodicidade. Podiam ser todas visuais, como a manutenção diária estava a ser feita?

De acordo com a consulta efectuada pelo PÁGINA UM ao caderno de encargos da Carris, apenas para a Bica e para o Elevador de Santa Justa existia referência expressa à contagem de arames partidos como critério de substituição de cabos. No caso da Glória e do Lavra, a exigência era apenas uma vaga “verificação”, sem norma técnica, sem especificação de método, sem obrigatoriedade de desmontagem ou uso de instrumentos de medição. Se a inspecção diária, semanal e mensal era apenas visual — como confirmam os registos da própria Carris — nada obrigava a que as inspecções semestrais fossem diferentes.

 

O PÁGINA UM ouviu especialistas que foram claros: existem hoje métodos de detecção precoce de falhas que são standard internacional em sistemas de transporte por cabo — ensaios de magneto-indução, capazes de detectar fios partidos no interior do cabo; correntes de Foucault e ultrassons localizados, particularmente importantes na verificação da integridade da zona de ancoragem no trambolho, onde precisamente se deu a ruptura; medições de extensão sob carga para avaliar a elasticidade residual e identificar alongamentos anómalos, procedimento previsto em normas como a EN 12927-6, usada em países como a Suíça ou a Áustria.

 

Nada disto estava previsto no caderno de encargos, que, como parte integrante do contrato, foi aprovado pelo Conselho de Administração da Carris, presidido por Pedro Bogas. O contrato deixava ao critério da MNTC a decisão de realizar ou não ensaios complementares. Resultado: se a empresa não os fazia por iniciativa própria, nada a obrigava.

 

Manutenção em Lisboa: uma autêntica e trágica ‘balda’.

Esta omissão poderá ser determinante na atribuição de responsabilidades civis e criminais: o município de Lisboa, através da Carris, optou por um modelo contratual minimalista para um sistema que transporta milhares de pessoas por dia num declive acentuado, expondo os passageiros a um risco inconcebível.

 

Perante isto, o contraste entre Carris e STCP é avassalador e demonstra que o problema é de gestão e de exigência. No Porto, os eléctricos históricos têm direito a centenas de operações programadas, medições rigorosas, registos de torque, ensaios não destrutivos e análises de tendências de desgaste; em Lisboa, os ascensores tinham direito apenas a um olhar de relance e a um visto de conformidade. A mesma empresa, dois contratos, dois mundos.


OVERWHELMING DIFFERENCES: PAGE ONE COMPARED REQUIREMENTS OF THE SPECIFICATIONS

Carris vs. STCP: maintenance by MNTC is a 'bucket' in Lisbon but very strict in Porto

 

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Pedro Almeida Vieira

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13/09/2025

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https://www.paginaum.pt/2025/09/13/carris-vs-stcp-manutencao-pela-mntc-e-uma-balda-em-lisboa-mas-rigorosissima-no-porto

 

The contrast could not be more brutal. In November 2022, Sociedade de Transportes Colectivos do Porto (STCP) awarded MNTC — the same company that since 2019 has ensured the maintenance of the Bica, Lavra and Glória lifts and the Santa Justa Elevator for Carris — a contract of almost 1.9 million euros to guarantee, for 1826 days (exactly five years),  the maintenance of eight historic trams.

 

The contract ends at the end of November 2027, and the requirement imposed in STCP's specifications in terms of maintenance and safety is of a detail that would be the envy of any European rail operator. Very different from what Carris demanded from the same MNTC: "eye" inspections, lubrication and little else, with an indication of strangely ambiguous and technically vague tasks to be performed.

 

Porto Tram...

STCP's preventive maintenance plan, analysed by PÁGINA UM, is a true engineering manual: 136 items, thirteen sections covering bodywork, chassis, bogies, wheelsets, traction motors, suspension systems, braking, pneumatic circuits, controls, electrical circuits, sand and final tests. ↓

 

In the latter case, complete tests of the car are planned every two weeks and after major repairs: points are placed on the controller and the park brake is used to confirm, in real conditions, that the tram accelerates, brakes and stops safely, ensuring that the traction and braking systems work correctly before returning to service.

 

It is also planned, on an annual basis, to carry out the static brake test to measure the parameters of the brake cylinders, the tank and the valves of the system, ensuring that braking complies with the standards of the UIC – International Union of Railways, an entity that establishes international technical standards to ensure safety and interoperability in rail transport.

 

… and Lisbon lifts: same maintenance company; overwhelmingly different demands.

The maintenance tasks of STCP's trams are spread over seven periodicities — daily, biweekly, monthly, half-yearly, annual, intermediate (five years) and general (ten years) — and are described with almost surgical rigor: lubrication of bolts and trolley wheels, checking of blinds, magnetoscopy and ultrasound tests on the axles, bogie mitre measurements according to UIC standards,  torque-controlled retightening, dynamic balancing of traction motors according to ISO 1940 G 2.5, static and dynamic braking tests with recording of values, programmed purges of the pneumatic system, disassembly and assembly of wheelsets, painting with predefined RAL specifications, etc., etc. Everything has to be recorded in standardised sheets, allowing traceability, identification of wear trends and planning of replacements before failure.

 

Now let's go down to Lisbon — and, ironically, let's go down Calçada da Glória. Since 2019 — and not since 2022, as was initially wrongly written — the MNTC has also been responsible for the maintenance of Lisbon's lifts. But here, by Carris' choice, the scenario is radically different. The specifications imposed by the Lisbon municipal company — which was in force until August 31 and was extended by direct agreement for another five months — looks more like a checklist than an engineering plan.

 

What it requires — if it can be said that it is a question of requirements — is, in the generality of cases, generic and vague: checking pantographs, batteries, traction cables, purging compressors, lubricating pulleys. There are no explicit or implicit references to non-destructive testing, calibrated measurements or differentiated control periodicities that allow the detection of latent failures. Nothing that guarantees safety and braking tests.

 

Pages 1 and 4 of the five pages of STCP's specifications that detail the maintenance to be carried out by MNTC on Porto's trams.

 

The case of the Elevador da Glória is paradigmatic — and tragic. The maintenance and safety services of Lisbon's most iconic funicular, classified as a National Monument, did not foresee any mechanical tests or non-destructive tests on the pull cable that gave way last week, causing the derailment of the cabin that went down Calçada da Glória, causing the death of 16 people and injuries to more than two dozen.

 

It was all done visually — or, to use the irony that tragedy almost does not allow, using the very advanced technology of the "eyemeter". Although the law requires tests after changes to security and communication systems to the Institute of Mobility and Transport (IMT), as PÁGINA UM has already pointed out based on the law, apparently none of this has ever been done.

 

Even worse: apparently no one ever realized that the brake systems of the lifts were incapable of braking if there was, as there was, a collapse of the cable fitting in the trambolho.

 

Specifications of the Carris specifications are silent on the technical standards of the checks depending on the periodicity. They could all be visual, how was the daily maintenance being done?

According to the consultation carried out by PÁGINA UM to the Carris specifications, only for Bica and the Santa Justa Elevator there was express reference to the counting of broken wires as a criterion for replacing cables. In the case of Glória and Lavra, the requirement was only a vague "verification", without technical standard, without specification of method, without obligation to disassemble or use measuring instruments. If the daily, weekly and monthly inspection was only visual — as confirmed by Carris' own records — nothing required that the semiannual inspections be different.

 

PÁGINA UM heard experts who were clear: there are now methods of early detection of failures that are international standard in cable transport systems — magneto-induction tests, capable of detecting broken wires inside the cable; eddy currents and localized ultrasound, particularly important in verifying the integrity of the anchor zone in the trambolho, where precisely the rupture occurred; Extension measurements under load to assess residual elasticity and identify anomalous elongations, a procedure provided for in standards such as EN 12927-6, used in countries such as Switzerland or Austria.

 

None of this was provided for in the specifications, which, as an integral part of the contract, was approved by the Board of Directors of Carris, chaired by Pedro Bogas. The contract left it to the discretion of MNTC to decide whether or not to carry out additional tests. Result: if the company did not make them on its own initiative, nothing obliged it.

 

Maintenance in Lisbon: an authentic and tragic ‘balda’.

This omission may be decisive in the attribution of civil and criminal responsibilities: the municipality of Lisbon, through Carris, opted for a minimalist contractual model for a system that transports thousands of people per day on a steep slope, exposing passengers to an inconceivable risk.

 

Given this, the contrast between Carris and STCP is overwhelming and demonstrates that the problem is one of management and demand. In Porto, historic trams are entitled to hundreds of scheduled operations, accurate measurements, torque records, non-destructive tests and wear trend analyses; in Lisbon, the lifts were only entitled to a glance and a compliance visa. The same company, two contracts, two worlds.

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