Professores esgotados, um povo esgotado
Temos uma sociedade organizada entre nobreza e povo. E,
se ao povo pede-se tudo, à nobreza tolera-se evidentemente tudo e um par de
botas.
Ana Sá Lopes
15 de Janeiro de
2023, 0:00
https://www.publico.pt/2023/01/15/politica/cronica/professores-esgotados-povo-esgotado-2035095
As imagens da
manifestação deste sábado dos professores lembram perigosamente – para o
Governo e para a sociedade em geral – as imagens da manifestação de 2008,
quando era ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues. A disparidade dos
números avançados pela polícia e pelo sindicato é enorme. Mas, simbolicamente,
esta manifestação, com muito menor enquadramento sindical do que a anterior,
simboliza o esgotamento de uma classe inteirinha que Maria de Lurdes Rodrigues
se esforçou por destruir, afogando-a em burocracias, e os governos seguintes
nunca encontraram qualquer solução de fundo. Ouvir António Costa,
primeiro-ministro há sete anos, vir dizer que a precariedade entre a classe docente
é “inaceitável” rasa o absurdo. Se é “inaceitável”, o que é que o seu Governo
fez para mudar o estado das coisas? Assim, de repente, não se está a ver nada
de estrutural – e esta seria uma boa “reforma estrutural”, essas duas
palavrinhas mágicas para um grande número de pessoas.
A questão é que o
Governo, ao repetir o mantra da “geração mais qualificada de sempre”, esquece
que quem está a contribuir para esse dado estatístico é tratado abaixo de cão
pelo Estado. Peço desculpa: é mesmo abaixo de cão. Basta ler a reportagem
publicada este sábado no PÚBLICO para ficar com uma ideia.
O problema ou não
problema da municipalização dos concursos de professores é apenas a gota de
água, um disparar da pressão numa panela que está ao lume há um monte de anos.
O Estado social – saúde e educação tendencialmente gratuitos – está a
esboroar-se sob os auspícios de um governo socialista que até há um ano contou
com os bons ofícios do Bloco de Esquerda e do PCP. Este colapso não favorece,
de todo, a esquerda.
Convencido de que
tudo o que se passou do Natal até agora pode outra vez ser arrumado naquilo que
são, para António Costa, os “casos e casinhos” da “bolha mediática”, o
secretário-geral do PS, na comissão nacional deste sábado, quase que ia
ignorando a crise em que os socialistas se encontram desde que perceberam a
reacção popular ao facto de a ex-secretária de Estado do Tesouro Alexandra Reis
ter saído da TAP com uma indemnização de 500 mil euros – e daí transitando para
a NAV e de lá para o ministério de Fernando Medina. Ficou só uma frasezinha,
mesmo no fim do discurso: “Da escolha de presidente de junta de freguesia à de
membros do Governo temos mesmo de ser muito exigentes, muito mais exigentes.”
O país é pobre, a sociedade é profundamente desigual e um
professor de 50 anos ganha 1000 euros enquanto uma administradora da TAP tem
uma indemnização de 500 mil euros para sair da empresa e emprego de nomeação
governamental no dia seguinte
Se Costa parecia
ter mudado de discurso no debate do Parlamento na quarta-feira, percebe-se que
foi apenas e só um exercício para inglês ver. A ideia de “virar a página”
apressadamente ficou exposta nesta intervenção na comissão nacional. A questão
é que a página não vira porque o primeiro-ministro decide: a página existe,
porque o país é pobre, a sociedade é profundamente desigual e um professor de
50 anos ganha 1000 euros, enquanto uma administradora da TAP tem uma
indemnização de 500 mil euros para sair da empresa e emprego de nomeação
governamental no dia seguinte.
Na verdade, é uma
sociedade organizada entre nobreza e povo – e, se ao povo pede-se tudo, à
nobreza tolera-se evidentemente tudo e um par de botas. Esta é mais uma
explicação para o tamanho da manifestação de professores. Já não se pode dizer
“que se lixe a troika”, porque a troika já não está cá. Mas talvez se possa
dizer “que se lixe o superavit” ou “há vida para além do Orçamento”, como disse
em outra encarnação o Presidente da República Jorge Sampaio.

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