JUSTIÇA
Procurador condenado por corrupção recebe há três anos
salário de 5600 euros sem trabalhar
Procedimento disciplinar arrasta-se há seis anos porque
ficou a aguardar pelo desfecho do processo-crime. Só em Dezembro passado, o
procurador Orlando Figueira recebeu acusação disciplinar que pede a sua
demissão. Defesa diz que caso prescreveu.
Mariana Oliveira
14 de Março de
2022, 6:26
O procurador
Orlando Figueira, condenado a seis anos e oito meses de cadeia no final de 2018
por ter sido corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente no
âmbito da Operação Fizz, está há três anos a receber do Ministério da Justiça
um salário mensal bruto de 5600 euros, sem estar a trabalhar.
Tal resulta do
facto de o procedimento disciplinar que visa o magistrado se arrastar há seis
anos, porque o Ministério Público optou por ficar a aguardar o desfecho do
processo-crime e só em Dezembro passado, após a confirmação da condenação pelo
Tribunal da Relação de Lisboa, avançou com a acusação, que propõe a demissão de
Orlando Figueira, a pena disciplinar mais pesada das magistraturas.
A data da
acusação foi confirmada ao PÚBLICO pela Procuradoria-Geral da República (PGR),
que indicou igualmente o índice salarial aplicado ao procurador, que
corresponde a um salário bruto mensal de mais de 5600 euros. Estes significarão
cerca de 3500 euros líquidos, segundo o próprio Orlando Figueira afirmou ao
PÚBLICO em 2019, quando terminou a licença sem vencimento que gozava desde
Setembro de 2012 e decidiu voltar ao Ministério Público.
Segundo a PGR,
Orlando Figueira regressou à magistratura em Fevereiro de 2019, já depois de
ter sido condenado em Dezembro do ano anterior por corrupção, branqueamento de
capitais, violação do segredo de justiça e falsificação. Como há uma norma do
Estatuto do Ministério Público que determina a suspensão automática dos
procuradores a partir do “dia em que forem notificados do despacho que designa
dia para julgamento por crime doloso praticado no exercício de funções ou
punível com pena de prisão superior a três anos”, e tal já tinha ocorrido,
Orlando Figueira não pôde voltar a exercer funções.
“[O magistrado]
encontra-se, desde esse momento, suspenso preventivamente de funções, nos
termos do Estatuto do Ministério Público (art.º 194)”, precisa a PGR, que dá
conta de que tal não implica a perda de vencimento. Por isso, Orlando Figueira
continuou a receber o salário, uma situação que se manterá, pelo menos, até à
decisão final do processo disciplinar, que ainda aguarda o relatório final do
instrutor.
Prescrito?
A defesa,
entretanto, já contestou os argumentos da acusação disciplinar, alegando que o
caso está prescrito porque o inquérito “esteve completamente parado durante
muito tempo”, explica ao PÚBLICO a advogada do procurador, Carla Marinho. Foi
igualmente pedida a audição de diversas testemunhas e a junção de documentos ao
processo, diligências que ainda não foram aceites. “Estamos a aguardar uma
resposta do instrutor”, adianta a defensora.
Para obstar a ter
de continuar a pagar o salário do procurador, o Conselho Superior do Ministério
Público (CSMP), o órgão de gestão e disciplina desta magistratura, poderia ter
prosseguido com o processo disciplinar em paralelo ao processo-crime, aliás
como está a fazer agora. Isto porque o caso criminal ainda não está fechado,
porque há ainda por decidir recursos dirigidos ao Tribunal Constitucional.
Antes disso,
contudo, a presidente da Relação de Lisboa terá de se pronunciar sobre um
requerimento apresentado pela defesa de Orlando Figueira a pedir a nulidade do
acórdão daquela instância superior devido à alegada existência de vícios na
composição do colectivo, que integrou uma juíza que a defesa do procurador e do
advogado Paulo Blanco, outro arguido condenado no processo, consideram que não
deveria ter intervindo no caso. Isto porque a magistrada é amiga do
juiz-presidente que condenou os arguidos na primeira instância e partilhou
durante anos com ele um colectivo.
As mesmas
alegações foram feitas com um outro enquadramento por Paulo Blanco no Supremo
Tribunal de Justiça, que indeferiu a nulidade do acórdão da Relação. A PGR
explica que foi entendido esperar-se pelo desenrolar do processo-crime para
“obter factualidade rigorosa e consolidada e prova bastante da sua
sustentação”.
Três instrutores
diferentes
Apesar de ser
comum os processos disciplinares ficarem a aguardar o desfecho dos
processos-crimes quando estes existem, também é habitual os dois correrem em
paralelo, já que analisam diferentes níveis de responsabilidades, a disciplinar
e a criminal, com contornos e extensões diferentes.
O facto de o
inquérito disciplinar, aberto a 1 de Março de 2016, se ter prolongado até agora
fez com que o caso já tenha tido três diferentes instrutores
No caso dos
antigos juízes da Relação, Rui Rangel e Fátima Galante, também acusados de
corrupção, o Conselho Superior da Magistratura decidiu os processos disciplinares,
que implicaram a expulsão da magistratura, ainda antes sequer de haver uma
acusação. Isto porque a possibilidade de suspensão disciplinar até haver um
despacho de pronúncia, ou ser marcado o julgamento, é limitada a alguns meses,
o que fez com que, já depois de serem públicas as suspeitas de corrupção contra
o magistrado, este tenha voltado a exercer funções como juiz, uma situação
entendida por muitos como um descrédito para a Justiça.
No caso de
Orlando Figueira, a situação apenas não se colocou porque o procurador estava
de licença sem vencimento quando o inquérito criminal começou e assim se
manteve até depois da sua condenação.
O facto de o
inquérito disciplinar, aberto a 1 de Março de 2016, se ter prolongado até agora
fez com que o caso já tenha tido três diferentes instrutores. Apesar de o
primeiro, que se jubilou, e de a segunda, que sofreu um acidente grave que
levou à sua substituição, terem ambos decidido ficar a aguardar o desfecho do
processo disciplinar, só o terceiro sugeriu ao CSMP a suspensão formal do
processo disciplinar, uma decisão aprovada pela Secção Disciplinar apenas em
Junho de 2020. Tal poderá dar mais argumentos à defesa para defender a
prescrição do processo disciplinar.
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