segunda-feira, 14 de março de 2022

Procurador condenado por corrupção recebe há três anos salário de 5600 euros sem trabalhar

 


JUSTIÇA

Procurador condenado por corrupção recebe há três anos salário de 5600 euros sem trabalhar

 

Procedimento disciplinar arrasta-se há seis anos porque ficou a aguardar pelo desfecho do processo-crime. Só em Dezembro passado, o procurador Orlando Figueira recebeu acusação disciplinar que pede a sua demissão. Defesa diz que caso prescreveu.

 


Mariana Oliveira

14 de Março de 2022, 6:26

https://www.publico.pt/2022/03/14/sociedade/noticia/procurador-condenado-corrupcao-recebe-ha-tres-anos-salario-5600-euros-trabalhar-1998486

 

O procurador Orlando Figueira, condenado a seis anos e oito meses de cadeia no final de 2018 por ter sido corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente no âmbito da Operação Fizz, está há três anos a receber do Ministério da Justiça um salário mensal bruto de 5600 euros, sem estar a trabalhar.

 

Tal resulta do facto de o procedimento disciplinar que visa o magistrado se arrastar há seis anos, porque o Ministério Público optou por ficar a aguardar o desfecho do processo-crime e só em Dezembro passado, após a confirmação da condenação pelo Tribunal da Relação de Lisboa, avançou com a acusação, que propõe a demissão de Orlando Figueira, a pena disciplinar mais pesada das magistraturas.

 

A data da acusação foi confirmada ao PÚBLICO pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que indicou igualmente o índice salarial aplicado ao procurador, que corresponde a um salário bruto mensal de mais de 5600 euros. Estes significarão cerca de 3500 euros líquidos, segundo o próprio Orlando Figueira afirmou ao PÚBLICO em 2019, quando terminou a licença sem vencimento que gozava desde Setembro de 2012 e decidiu voltar ao Ministério Público.

 

Segundo a PGR, Orlando Figueira regressou à magistratura em Fevereiro de 2019, já depois de ter sido condenado em Dezembro do ano anterior por corrupção, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e falsificação. Como há uma norma do Estatuto do Ministério Público que determina a suspensão automática dos procuradores a partir do “dia em que forem notificados do despacho que designa dia para julgamento por crime doloso praticado no exercício de funções ou punível com pena de prisão superior a três anos”, e tal já tinha ocorrido, Orlando Figueira não pôde voltar a exercer funções.

 

“[O magistrado] encontra-se, desde esse momento, suspenso preventivamente de funções, nos termos do Estatuto do Ministério Público (art.º 194)”, precisa a PGR, que dá conta de que tal não implica a perda de vencimento. Por isso, Orlando Figueira continuou a receber o salário, uma situação que se manterá, pelo menos, até à decisão final do processo disciplinar, que ainda aguarda o relatório final do instrutor.

 

Prescrito?

A defesa, entretanto, já contestou os argumentos da acusação disciplinar, alegando que o caso está prescrito porque o inquérito “esteve completamente parado durante muito tempo”, explica ao PÚBLICO a advogada do procurador, Carla Marinho. Foi igualmente pedida a audição de diversas testemunhas e a junção de documentos ao processo, diligências que ainda não foram aceites. “Estamos a aguardar uma resposta do instrutor”, adianta a defensora.

 

Para obstar a ter de continuar a pagar o salário do procurador, o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), o órgão de gestão e disciplina desta magistratura, poderia ter prosseguido com o processo disciplinar em paralelo ao processo-crime, aliás como está a fazer agora. Isto porque o caso criminal ainda não está fechado, porque há ainda por decidir recursos dirigidos ao Tribunal Constitucional.

 

Antes disso, contudo, a presidente da Relação de Lisboa terá de se pronunciar sobre um requerimento apresentado pela defesa de Orlando Figueira a pedir a nulidade do acórdão daquela instância superior devido à alegada existência de vícios na composição do colectivo, que integrou uma juíza que a defesa do procurador e do advogado Paulo Blanco, outro arguido condenado no processo, consideram que não deveria ter intervindo no caso. Isto porque a magistrada é amiga do juiz-presidente que condenou os arguidos na primeira instância e partilhou durante anos com ele um colectivo.

 

As mesmas alegações foram feitas com um outro enquadramento por Paulo Blanco no Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu a nulidade do acórdão da Relação. A PGR explica que foi entendido esperar-se pelo desenrolar do processo-crime para “obter factualidade rigorosa e consolidada e prova bastante da sua sustentação”.

 

Três instrutores diferentes

Apesar de ser comum os processos disciplinares ficarem a aguardar o desfecho dos processos-crimes quando estes existem, também é habitual os dois correrem em paralelo, já que analisam diferentes níveis de responsabilidades, a disciplinar e a criminal, com contornos e extensões diferentes.

 

O facto de o inquérito disciplinar, aberto a 1 de Março de 2016, se ter prolongado até agora fez com que o caso já tenha tido três diferentes instrutores

No caso dos antigos juízes da Relação, Rui Rangel e Fátima Galante, também acusados de corrupção, o Conselho Superior da Magistratura decidiu os processos disciplinares, que implicaram a expulsão da magistratura, ainda antes sequer de haver uma acusação. Isto porque a possibilidade de suspensão disciplinar até haver um despacho de pronúncia, ou ser marcado o julgamento, é limitada a alguns meses, o que fez com que, já depois de serem públicas as suspeitas de corrupção contra o magistrado, este tenha voltado a exercer funções como juiz, uma situação entendida por muitos como um descrédito para a Justiça.

 

No caso de Orlando Figueira, a situação apenas não se colocou porque o procurador estava de licença sem vencimento quando o inquérito criminal começou e assim se manteve até depois da sua condenação.

 

O facto de o inquérito disciplinar, aberto a 1 de Março de 2016, se ter prolongado até agora fez com que o caso já tenha tido três diferentes instrutores. Apesar de o primeiro, que se jubilou, e de a segunda, que sofreu um acidente grave que levou à sua substituição, terem ambos decidido ficar a aguardar o desfecho do processo disciplinar, só o terceiro sugeriu ao CSMP a suspensão formal do processo disciplinar, uma decisão aprovada pela Secção Disciplinar apenas em Junho de 2020. Tal poderá dar mais argumentos à defesa para defender a prescrição do processo disciplinar.

 

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