sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Evergrande, um problema para a economia mundial

 



EDITORIAL

Evergrande, um problema para a economia mundial

 

A história da Evergrande não é, por isso, um drama exclusivo dos seus accionistas, dos seus credores ou da própria China: é também um problema que nos pode afectar

 

Manuel Carvalho

24 de Setembro de 2021, 21:30

https://www.publico.pt/2021/09/24/economia/editorial/evergrande-problema-economia-mundial-1978691

 

A ameaça de bancarrota de um gigante chinês do imobiliário parece, à primeira vista, um assunto demasiado distante para nos incomodar. Encará-lo com indiferença é, no entanto, um erro que descura não apenas as lições dos contágios das crises financeiras recentes, mas também o grau de interdependência que a economia global instituiu nas últimas décadas. A história da Evergrande não é, por isso, um drama exclusivo dos seus accionistas, dos seus credores ou da própria China: é também um problema que nos pode afectar. E, olhando ao interesse que os leitores do PÚBLICO têm concedido a esta crise, o que se pode avaliar pelo número de leituras que fazem na nossa edição digital, os portugueses estão conscientes desse perigo.

 

Tudo o que acontece com a Evergrande serve na perfeição para se traçar um perfil do desempenho económico da China nas duas últimas décadas, em que o ritmo de criação de riqueza medida pelo produto interno bruto (PIB) variou entre os 10% ao ano entre 2000 e 2009 e os 7,7% entre 2010 e 2019. Uma parte importante desse crescimento (28%) deveu-se ao vertiginoso investimento no sector imobiliário, empurrado não apenas pelo crescimento da riqueza dos chineses, mas também pelas necessidades da maior migração da História, que levou centenas de milhões de pessoas para as cidades.

 

Durante anos, o ritmo de construção de cidades inteiras criou alarme e justificou o receio de uma bolha imobiliária sempre prestes a rebentar. O recurso das imobiliárias a crédito interno e externo e a subida dos preços foram sendo capazes de evitar o pior. Até que as autoridades de Pequim concluíram que a espiral de endividamento tinha de acabar. A imposição de “linhas vermelhas” ao sector, o envelhecimento acelerado da população e o abrandamento da economia criaram a tempestade perfeita. Actualmente, 90% dos chineses têm casa própria e há um parque habitacional sem procura capaz de albergar toda a população da Alemanha. Acossada pela conjuntura, a Evergrande tem sido incapaz de cumprir o seu astronómico serviço de dívida, que ascende a 260 mil milhões de euros.

 

Este retrato alarmante preocupa. Porque não está fora de causa uma espiral de incumprimentos capaz de afectar o sistema financeiro mundial. Mas também porque um mais do que provável abrandamento do crescimento vai arrefecer a economia global. Ou seja, ninguém está livre de pagar uma parte da conta da megalomania do imobiliário chinês. Se houver uma boa notícia a tirar desta história, ela estará apenas nos limites do capitalismo de Estado iliberal, que, em tempos, seduziu os apóstolos da eficiência. Esse será, sem dúvida, um tema que vai valer a pena discutir.

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