OPINIÃO
Os ratos a fugir do navio: trumps, trumpinhos e trumpões
nacionais
Trumpinhos e trumpões vão continuar por cá. Sofreram uma
derrota importante, mas a deslocação à direita e o populismo são a sua única
esperança eleitoral. É por isso que a procissão ainda está no adro.
José Pacheco
Pereira
9 de Janeiro de
2021, 0:00
Aconteceu o que
tinha de acontecer. Não me venham com surpresas, ou com “excessos” – era tão
evidente que Trump iria tentar um golpe de Estado, primeiro através dos seus
gnomos a pôr em causa os resultados eleitorais e a criar o ambiente para a
insurreição do dia 6, com a tentativa de invadir e ocupar o Congresso e “kick the
ass” aos “republicanos débeis” que não iam recusar certificar as eleições.
A coisa correu
mal. Há muito tempo, Trump escreveu que tinha consigo os americanos com armas,
os polícias e os militares. Os americanos com armas, em particular as milícias
armadas que proliferam em vários estados a começar pelo Michigan, a que se
juntaram os Proud Boys, esses, estiveram e estão com Trump. Entre os
políciastem alguns apoiantes, como se vê com o que se passou há dias, com
polícias a pastorearem os invasores e a tirar selfies com eles. Nem todos, mas
bastantes. Entre os militares não tinha e não teve, e foi isso que fez toda a
diferença.
Trump teve e tem
os seus seguidores em Portugal. Há um caso peculiar de um nosso Stephen Miller,
João Lemos Esteves, que escreveu um livro panegírico de Trump, e é colaborador
regular do i e do Sol. Quando ele começou nos blogues, ainda pensei que se
fazia, mas não só não fez, como se tornou um objecto de ridículo, num culto de
extrema-direita e de sionistas, que faz tudo para que lhe dêem alguma benesse.
Num artigo no
Sol, https://sol.sapo.pt/artigo/720300/opiniao-a-viol-ncia-nunca-e-uma-ideia-joe-biden-deve-aprender-a-licao-e-presidente-trump-vai-apenas-de-ferias-
com as habituais
mentiras, escrito já depois da insurreição dos trumpistas americanos, repete
uma descrição absurda do que se passou. Nunca me ouvirão dizer que estes
artigos devem ser censurados, pelo contrário, mas as falsidades e mentiras,
essas, devem ser denunciadas. Começa por um treta cómoda mas sem sentido: “Não
há violência de esquerda e violência de direita – há violência, que a
comunidade não pode tolerar.” Dita por obrigação e desculpa, visto que estes
trumpistas estão na defensiva, a frase dá chumbo em qualquer exame de Ciência
Política.
Porém, o que vem
a seguir mostra o grau de alucinação conspirativa em que se vive. O artigo é
escrito contra a apologia de violência… por Joe Biden. E, mais, foram os
Antifas que invadiram o Capitólio:
“O que vimos ontem
tem todos os ingredientes de uma operação de falsa bandeira: até a
circunstância da estranheza de como grupos contestatários foram facilmente
placados quando tentaram entrar em assembleias legislativas dos estados – e,
por contraste, entraram tão facilmente no Congresso dos EUA. Sem teorias da
conspiração (que repudiamos); sem teorias da ocultação (que combatemos
democraticamente).
“Mais importante:
o Presidente Trump mostrou ser um verdadeiro estadista, por contraponto a
Biden. Trump não referiu que os protestantes eram apenas uma ideia ou estavam
apenas exigindo o cumprimento da Constituição – não. Exigiu que fossem
rapidamente para casa e até ordenou, ao contrário do que Mike Pence e do
Defense Department queriam, a mobilização da Guarda Nacional para conter os
manifestantes. Que contraste, em defesa da democracia e da segurança, com Joe
Biden!”
Onde é que este
homem vive, fora das páginas do Twitter do i e do Sol? Trump não só apelou à
invasão do Capitólio, dizendo que se lhes ia juntar, e depois foi ver
comodamente pela televisão, como atrasou quanto pôde o envio da Guarda Nacional
e elogiou publicamente os manifestantes em termos inequívocos, ao mesmo tempo
que repetia as falsidades sobre as eleições. Como acontece com os covardes, só
quando as coisas começaram a correr muito mal, quando houve mortos, é que fez
uma declaração de condenação, mesmo assim saída pela garganta com grande
dificuldade. Claro que, como foram os Antifas a invadir o Capitólio, Trump já
os podia condenar.
Trump é demasiado
histriónico e pouco educado para os nossos direitistas, que não gostavam da
propensão do homem para o insulto soez. Mas gostavam das suas políticas,
projectavam-nas para os projectos políticos nacionais, a começar pelo Chega,
mas indo mais significativamente para os think tanks que têm vido a proliferar
na direita radical portuguesa
Este e outros
artigos são de um enorme ridículo, mas pelos vistos o seu autor acredita que
Trump “vai apenas para férias” e que a “família Trump, com o seu capital
político, terá ainda muito que dar” ao mundo. Citá-los é dar-lhes um estatuto
que eles não têm. Mas isto é o trumpismo sem disfarces, o menos importante. O
mais importante trumpismo nacional não ousa nomear o nome de Trump, mas apoia a
inflexão populista e elogia-a.
Agora estão
caladinhos. Em blogues de extrema-direita como o Blasfémias, ou da ala da
direita radical nostálgica do PàF, ou em particular no Observador, não faltam
artigos em defesa de Trump, das suas políticas, muitas vezes aparecendo apenas
como comentários contra os democratas, e o Black Lives Matter. Trump é
demasiado histriónico e pouco educado para os nossos direitistas, que se
classificam como conservadores e que não gostavam da propensão do homem para o
insulto soez. Mas gostavam das suas políticas, projectavam-nas para os
projectos políticos nacionais, a começar pelo Chega, mas indo mais
significativamente para os think tanks que têm vido a proliferar na direita
radical portuguesa, influenciando o CDS e o PSD, mas acima de tudo os
mecanismos comunicacionais. Aí, numa linguagem mais educada, o elogio a Trump
foi evidente, manifestado nas opções de voto em Novembro de 2020, nas análises
geoestratégicas, no elogio à redução dos impostos, na cobertura pró-sionista e
pró-Arábia Saudita no Médio Oriente e na sistemática desculpa dos excessos de
Trump.
Trumpinhos e
trumpões vão continuar por cá. Sofreram uma derrota importante, mas a
deslocação à direita e o populismo são a sua única esperança eleitoral e
representam uma política que lhes agrada. É por isso que a procissão ainda está
no adro, não da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, mas do clube de golfe
de Mar-a-Lago. Isto, se o homem não for preso.


Sem comentários:
Enviar um comentário